(Robert Schwemmer, NOAA National Marine Sanctuaries)
Numa era em que a pandemia continua ativa mundialmente, depois de enraizada profundamente mais de meio ano, o tráfego marítimo tem, em alguns casos específicos, revelado uma revitalização com alguma surpresa, levando até grandes operadores do transporte marítimo a apresentar bons resultados no primeiro semestre, tendo em conta a conjuntura por que passaram, adaptando-se à realidade durante estes últimos meses.
Os acidentes marítimos e nas instalações portuárias continuam a suceder-se, bem como os ciberataques, cabendo novamente a um dos maiores operadores mundiais uma “visita” aos seus sistemas com um ataque de ramsonware no fim de setembro, bem como so sítio da IMO-International Maritime Organization.
Os cancelamentos de escalas são já hoje, quase, mas ainda não totalmente, uma consequência do passado recente, e são lançados gigantes dos mares que gozam de novos combustíveis para a sua propulsão. De acordo com a IAPH (International Association of Ports and Harbors), numa consulta feita a cerca de 85 portos a nível mundial, 56% registam já valores semelhantes aos do ano anterior por esta altura, revelando cerca de 16% deles um acréscimo na movimentação de navios.
Mas como tem estado o tráfego mundial de um modo generalizado? De acordo com a UNCTAD (United Nations Conference on Trade and Development), a nível mundial registaram-se decréscimos entre as semanas 7 e 11, recuperando em seguida por um breve período de duas semanas, e depois um decréscimo acentuado a partir da semana 14, com recuperação a partir da semana 24, ficando um pouco abaixo do nível do ano anterior em cerca de 200 escalas sensivelmente (gráfico 1) na semana 31 (início Agosto 2020).
O comportamento muda um pouco quando analisados os mercados no norte e sul da Europa. No norte da Europa (Bélgica, Holanda e Alemanha) a movimentação de navios decaiu a partir da semana 13 até à semana 25 registando depois uma subida ligeira até meados de agosto (semana 31), registando a essa data um número consideravelmente inferior de escalas semanais (cerca de 70) em relação ao mesmo período do ano passado (gráfico 2).
Já a sul da Europa (França, Itália e Espanha), apesar de alguma variação negativa entre as semanas 14 e 19, e embora ligeiramente abaixo dos valores do ano anterior, as alterações não foram assim tão significativas, registando apenas um decréscimo inferior a 40 escalas semanais a meados de agosto.
De um modo geral, a semana 12 (meio de março) revelou-se como o início da quebra das escalas, sendo a terceira semana de junho (semana 25), o ponto generalizado de inflexão das curvas mundiais. A generalidade das regiões tem estado a recuperar o número de escalas semanais, segundo a UNCTAD, mas ainda assistimos a quebras de cerca 3% a nível mundial em relação a agosto 2019, sendo essas quebras de cerca de 16,3% na América e de 13,2% na Europa. O Sudoeste asiático perde apenas meio por cento, enquanto a China e Hong Kong registam já em agosto aumentos de 4,1% em relação a 2019.
A generalidade das regiões tem estado a recuperar o número de escalas semanais, segundo a UNCTAD, mas ainda assistimos a quebras de cerca 3% a nível mundial em relação a agosto 2019.
De acordo com a Alphaliner, a margem dos principais operadores de transporte marítimo no segundo trimestre de 2020 saltou de 2,6 para 8,5%, combinando assim o excelente preço baixo de aquisição dos combustíveis e o preço dos fretes. Os 10 maiores operadores todos registaram margens operacionais positivas no segundo trimestre, chegando mesmo três deles a apresentar crescimentos de 2 dígitos.
Por seu lado, e de acordo com dados apresentados pela Dynamar, sobre os volumes e resultados apresentados pelos principais operadores para o semestre de 2020, registaram-se quebras acentuadas no volume de cargas transportadas no primeiro semestre, mas existem também operadores que, ainda assim, conseguem apresentar resultados positivos (tabela 1), como já referido, devido ao preço dos fretes e do baixo preço a que estão os combustíveis de momento. O resto do semestre está a ser encarado com otimismo por parte dos operadores, acreditando-se em alguma recuperação até ao final do ano, apesar da ainda incerteza relacionada com novas vagas da pandemia, que globalmente ainda funciona a velocidades diferentes, nas várias partes do globo onde o transporte marítimo atua, mas acreditando no momentum que se vive.
Por cá, alguns portos têm conseguido aproveitar também esse momento de tendência crescente. Apesar de no período de janeiro a julho de 2020 haver uma diminuição de cerca de 6,4% na carga contentorizada em TEU (de acordo com a AMT), registou-se no mês de julho um acréscimo de quase 1%, invertendo a tendência de dois meses negativos anteriores. O Porto de Setúbal registou um aumento da carga movimentada em TEU, tendo Sines e Leixões variações negativas de pequena expressão no primeiro semestre, aproveitando certamente o balanço do segundo semestre para tentar reposicionar alguma movimentação e atingir variações positivas neste setor do transporte marítimo.
Dentro da incerteza que este ano trouxe para o transporte marítimo, assistimos a uma resposta impensável dentro do cenário que ainda nos domina, com tripulações cativas a bordo – mais do que o esperado e desejável -, com o tráfego de passageiros a ser quase reduzido a cinzas, não só a nível europeu mas também em todos os mercados mundiais de expressão, e com todos os acidentes e fatores externos (guerras comerciais e decisões políticas, por exemplo, em algumas partes do globo) a que o Shipping tem assistido.
A previsão é de recuperação, lenta é certo, mas ao que parece consistente no transporte marítimo, sendo o setor dos passageiros um caso à parte neste momento, enfrentando consequências desastrosas. Os operadores do mercado contentorizado parecem ter encontrado um modo de viver nesta incerteza, fugindo à cruz com artefactos internos e aproveitando as condições subjacentes aos mercados que consigo se relacionam, nomeadamente o dos combustíveis, que tem permitido grandes níveis de poupança nos trajetos globais a que o transporte marítimo nos habituou nos últimos anos.
FONTE: TRANSPORTES&NEGÓCIOS/PEDRO GALVEIA