A briga dos estaleiros com a Agência Nacional de Petróleo (ANP), para manter os índices de conteúdo local na indústria de petróleo e gás, parece longe do fim. O Sindicato Nacional da Indústria da Construção e Reparação Naval e Offshore (Sinaval) ingressou este mês com pedido no Tribunal de Contas da União (TCU) para que o órgão suspenda a celebração de aditivos aos contratos originais de exploração e produção de petróleo, firmados entre a ANP e as petroleiras desde 2005. O objetivo desses aditivos é reduzir os percentuais de conteúdo local em contratos vigentes. A ANP divulga hoje a lista final das empresas que entraram com os pedidos de aditivos. Até o dia 10 deste mês já havia 280 solicitações de aditivos por petroleiras (ver reportagem Trinta companhias já solicitaram redução do conteúdo local).
No pedido ao TCU, o Sinaval requer ainda que, na hipótese de o pedido da entidade ser aceito somente após a celebração dos aditivos, o tribunal suspenda os "eventuais efeitos", e intime a ANP a prestar os devidos esclarecimentos. O Sinaval já vinha discutindo o assunto do conteúdo local com a área técnica do TCU e, para embasar os argumentos, enviou correspondência ao tribunal, em junho, à qual anexou um parecer do ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Carlos Ayres Britto. Um dos pontos do parecer é que a ANP não teria competência para alterar a política de conteúdo local em vigor. O parecer sustenta também que o regime de conteúdo local tem respaldo na Constituição.
Os aditivos contratuais buscam reduzir os percentuais de conteúdo local para os contratos já celebrados entre as operadoras de petróleo e a ANP. Para os estaleiros, a medida é prejudicial ao interesse público pois tem como efeitos desemprego no setor, redução de arrecadação e perda de qualificação de mão de obra, entre outros pontos. A indústria da construção naval chegou a empregar, em 2014, 82 mil pessoas e hoje tem cerca de 28 mil empregados, segundo o Sinaval. Uma das situações mais críticas é a do Rio de Janeiro, onde o segmento emprega 3 mil pessoas, 10% do que empregava há quatro anos, ainda nas contas do Sinaval.
A discussão sobre o conteúdo local é estratégica para os estaleiros porque a atividade produtiva do setor depende de garantias de que uma parte das plataformas de produção de petróleo seja feita localmente. As petroleiras, porém, buscaram e conseguiram limitar as "amarras" representadas pela antiga política de conteúdo local nos últimos anos. Nos contratos vigentes, a ANP estabeleceu percentual de 40% de conteúdo local para plataformas em três segmentos: serviços de engenharia, máquinas e equipamentos; e construção, integração e montagem. O Sinaval quis garantir um subgrupo com 40% de conteúdo local para a construção de cascos de plataformas isoladamente, mas não conseguiu.
"Nunca foi colocada expectativa sobre contratos futuros. Isso é atribuição do CNPE", diz diretor-geral da ANP
Para os novos contratos, a resolução 07/2017 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) fixou percentual de conteúdo local de 25% para as plataformas na fase de desenvolvimento da produção. Os estaleiros divergem da diferença de percentuais fixada para o conteúdo local de plataformas nos contratos antigos e nos novos. Ariovaldo Rocha, presidente do Sinaval, disse que nas discussões sobre o tema a entidade pediu ao diretor-geral da ANP, Decio Oddone, que ajudasse a manter o percentual de 40% para os contratos futuros, o que não aconteceu.
Em nota o diretor-geral da ANP negou, porém, que tenha havido qualquer acordo nesse sentido com o Sinaval. A discussão, segundo Oddone, sempre foi sobre os contratos passados. "Eu sempre fui explícito em dizer que a ANP não formula política. Aplica as políticas definidas pelo CNPE. O que falamos foi: se houver uma proposta que atenda minimamente a todos em relação à questão do 'waiver' [revisão dos índices] para os contratos passados que estava em discussão por determinação do TCU, nós poderíamos levar para o Pedefor [fórum do setor de óleo e gás]. Foi o que fizemos. Nunca foi colocada qualquer expectativa quanto aos contratos futuros porque isso é atribuição do CNPE. Eles [Sinaval] solicitaram, mas nós negamos."
Procurado, o TCU não se manifestou sobre o assunto.
FONTE:VALOR