Brasília – Plenário da Câmara dos Deputados antes da discussão do relatório do impeachment (Antônio Cruz/Agência Brasil)

IMAGEM: ANTONIO CRUZ/AGÊNCIA BRASIL

 

A eleição para a presidência da Câmara será das mais importantes do período pós-constituinte, tanto sob a perspectiva de poder de agenda do novo presidente da Casa, quanto do ponto de vista simbólico em relação ao governo Bolsonaro.

Essa eleição será muito parecida com a eleição do sucessor de Eduardo Cunha, após sua renúncia em julho e a poucos meses de sua cassação em setembro de 2016, quando de um lado estava o candidato de Cunha e do “Centrão”, o então deputado Rogério Rosso (PDS-DF) e, de outro, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que firmou o compromisso de independência da Casa em relação ao programa defendido por Cunha e pelo “Centrão”, que era um misto de fisiologismo e de ataque a direitos e liberdades das minorias e dos movimentos sociais.

Naquela oportunidade prevaleceu, inclusive com o apoio de parcela expressiva da oposição, a candidatura de Rodrigo Maia, que foi reeleito em 2 outras oportunidades e honrou os compromissos de independência da Casa, de diálogo e de não perseguição à oposição, assim como os de não pautar a agenda conservadora que representava o ideário de Cunha, do “Centrão” e de Bolsonaro em relação a valores e comportamentos.

É preciso considerar, que caso o País não tivesse contado com postura de independência do presidente da Câmara, em relação ao Poder Executivo, nos últimos 2 anos e caso tivesse prevalecido a agenda governamental de costumes, de armamento da população, de desprezo aos direitos humanos e ataque ao meio ambiente, as instituições não teriam tido força para conter o ímpeto autoritário do presidente da República nesse período. A Câmara funcionou como mecanismo de freios e contrapesos ao governo federal.

Nesta eleição de 2021, tal como em 2016, há 2 candidatos competitivos e com visões distintas sobre democracia, valores e comportamentos: Arthur Lira (AL), líder do PP e do “Centrão”, e Baleia Rossi (SP), líder e presidente nacional do MDB. O primeiro é o candidato oficial do governo Bolsonaro e do “Centrão” e o segundo é o candidato de um grupo de partidos, articulados por Rodrigo Maia, sob o compromisso de independência da Casa em relação ao Poder Executivo.

Na política, os apoios, os acordos e os compromissos assumidos importam. Assim, um candidato patrocinado pelo presidente Bolsonaro tende a honrar os acordos firmados e seguir as orientações e recomendações de seu patrono, em toda sua extensão, tanto no aspecto de intolerância em relação à oposição, com possível perseguição, quanto na pauta envolvendo temas associados à visão de mundo do governo, como a defesa da “escola sem partido”, do armamento da população, do excludente de ilicitude e do estatuto da família, dentre outros aspectos envolvendo liberdades, valores religiosos e éticos-morais retrógados. Já um candidato ancorado numa plataforma que postule a independência do Legislativo, o respeito à oposição e aos direitos das minorias ficará ética e moralmente constrangido em agir de modo diferente ou em desacordo com os compromissos assumidos.

É fato que quem for eleito terá, durante 2 anos, enorme poder de agenda. Basta dizer que além de dirigente do processo legislativo, de representante da Casa e de chefe de Poder, o eleito disporá de muito poder regimental1, que pode ser convertido em capital político próprio ou distribuído entre seus pares.

Quanto ao simbolismo dessa disputa, é notório que a vitória do líder do “Centrão” favorece o presidente Bolsonaro, abre espaço para a agenda de comportamento e valores do governo, além de reduzir a praticamente zero a possibilidade de impeachment do atual presidente da República e ampliar as chances de reeleição do titular do Poder Executivo. Já a vitória do presidente do MDB, sob essa perspectiva, significará uma derrota do governo Bolsonaro e uma vitória política da frente política articulada por Rodrigo Maia em torno de Baleia Rossi, além de reduzir as chances de reeleição do presidente da República e, principalmente, de aprovação de pautas antidemocráticas e retrógadas do ponto de vista civilizatório.

Há convergências e divergências entre os 2 principais candidatos. Em relação às convergências, podemos dizer que ambos são defensores da agenda liberal e fiscal do mercado e que também manteriam inalteradas 3 prerrogativas dos parlamentares e dos partidos:

1) a continuidade das emendas impositivas;

2) a permanência do Fundo Partidário, a principal fonte de custeio dos partidos; e

3) o Fundo Eleitoral, destinado a financiar as eleições municipais e gerais, além de brigar pelo retorno do horário eleitoral gratuito aos partidos, extinto desde a adoção desse fundo. Mas as divergências sobre a democracia, os direitos humanos e o respeito a minorias, as políticas externa, ambiental, cultural, educacional e cientifica, bem como sobre a autonomia entre os poderes são centrais nessa disputa.

Nesse contexto, os partidos de oposição, em geral, e os de esquerda e centro-esquerda, em particular, estavam diante de um grande dilema: lançar candidato próprio ou apoiar o candidato capaz de derrotar o governo Bolsonaro e seu ideário antidemocrático. Teriam que optar entre a ética da convicção e a ética da responsabilidade. Se optassem pela primeira, lançariam candidato próprio e marcariam posição na disputa, ficando fora da Mesa e possivelmente da presidência de comissões temáticas e especiais, além de correrem o risco de eleição do candidato patrocinado por Bolsonaro, com todas as consequências que isso representa. Se decidissem pela segunda (como decidiram), podem evitar a vitória do chamado bolsonarismo e do “Centrão”, além de firmar compromissos programáticos que criem condições para resistir à agenda de desmonte do Estado. PT, PDT, PCdoB, PSB e Rede — mantendo a independência parlamentar, garantindo espaço na Mesa e nas comissões e com base em compromisso de independência da Casa —, fizeram a opção certa e vão apoiar o candidato Baleia Rossi, que enfrenta o candidato de Bolsonaro na disputa.

As circunstâncias dão a dimensão dos desafios. Frente à atual conjuntura, com um governo disfuncional, de visão autoritária e persecutória, com uma pauta preconceituosa à diversidade e retrógrada em relação aos direitos humanos e ao meio ambiente, além de irresponsável em relação ao combate à Covid-19, contar com um presidente da Câmara que mantenha a independência da Casa, que dialogue com as forças de oposição e que assuma os compromissos de evitar pautar matérias que signifiquem retrocesso civilizatórios e viabilize a tramitação de proposições de interesse das oposições, é fundamental para se fazer a travessia até 2022. A eleição de Lira significará a vitória de Bolsonaro e do “Centrão” e, portanto, de todas as pautas, valores, posturas e comportamentos que representam.

(*) Jornalista, consultor e analista político, mestrando em Políticas Públicas e Governo na FGV, diretor de Documentação licenciado do Diap e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Púbicas”. Publicado originalmente na Revista eletrônico Teoria&Debate, edição de janeiro.
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NOTA

1 Entre as atribuições relevantes do presidente da Câmara, pode-se exemplificar:

1) levar para votação em plenário matéria com prazo vencido nas comissões; 2) incluir matéria na ordem do dia das sessões ordinárias e extraordinárias; 3) convocar sessões extraordinárias; 4) criar comissões especiais para apreciação de PEC; 5) indicar relator quando a proposição for incluída na ordem do dia sem parecer das comissões ou quando o projeto estiver em urgência; 6) ceder e cassar a palavra dos integrantes dos colegiados; 7) suspender ou levantar a sessão quando necessário; 8) responder as questões de ordem; 9) anunciar o resultado das votações, simbólicas ou nominais; 10) declarar a prejudicialidade de proposição; 11) designar o procurador, ouvidor e corregedor parlamentar; 12) admitir denúncia por crime de responsabilidade do presidente da República, dando início a processo de “impeachment”; 13) aceitar pedidos de CPI (comissão Parlamentar de inquérito); e 14) anular ou declarar como não-escrito partes de parecer ou de projeto de lei de conversão a medida provisória, entre outras.