IMAGEM: ENVIRONMENT AMERICA
Luis Cláudio Furtado Faria, Vitor Chavantes Godoy da Costa e Mariana Rodrigues da Costa
A energia eólica offshore, como se sabe, é uma fonte de energia limpa e renovável gerada a partir da energia do vento em alto-mar, onde o deslocamento de ar atinge maior velocidade, sendo também mais constante devido à ausência de barreiras físicas. Para sua exploração, são necessárias megaestruturas flutuantes, nas quais são instaladas as turbinas eólicas responsáveis pela geração da energia. Embora o termo offshore se refira a parques eólicos em alto-mar, as turbinas eólicas também podem estar localizadas perto da costa e instaladas, até mesmo, em estuários de rios.
Segundo especialistas do setor, o Brasil possui potencial para ser líder mundial de geração de energia eólica em razão de condições naturais bastante favoráveis, mais especificamente de uma plataforma continental rasa conjugada com a presença de ventos constantes e um mar calmo, o que tende a reduzir os custos na geração da energia, aumentando também o rendimento dos aerogeradores.
A exploração dessa matriz de energia no país tem chamado atenção, principalmente, de grupos internacionais que buscam diversificar seus portfólios, passando a investir e a explorar fontes de energias renováveis. Além disso, os parques eólicos offshore apresentam potencialmente menor impacto ambiental do que a construção de usinas hidrelétricas, o que reforça a atratividade e interesse em relação a essa fonte de energia renovável.
No âmbito do Direito Marítimo e das embarcações, que interessa mais diretamente a esta coluna, a expansão dessa fonte alternativa de energia deve impulsionar a busca por embarcações especializadas na instalação de parques eólicos offshore, embarcações essas que, em alguns casos, ainda são pouco comuns no mercado, em especial o brasileiro. Mesmo no cenário internacional, segundo os especialistas no setor, a frota global poderá ser insuficiente para atender a demanda da energia eólica offshore em futuro breve, caso a indústria de eólicas continue se desenvolvendo no ritmo atual.
A instalação de parques eólicos offshore, vale destacar, é uma operação complexa, que necessita de embarcações capacitadas para a execução do projeto de forma segura e com precisão. As turbinas eólicas, como mencionado, são megaestruturas que demandam fundações com centenas de toneladas. Por isso, a avaliação acerca da capacidade da embarcação responsável por içar pesados guindastes e fundações para instalação das turbinas eólicas, por exemplo, são fatores que devem ser levados em conta para a execução da operação.
Uma das embarcações geralmente utilizadas para a instalação de parques eólicos offshore, segundo os especialistas em engenharia naval, é do tipo heavy lift ou crane heavy lift, sendo um dos principais gargalos para a implantação de parques eólicos offshore no país. A falta ou reduzido número dessas embarcações pode aumentar significantemente os custos e/ou o tempo de instalação necessários para o desenvolvimento de novos projetos.
Mas os desafios não param por aí. A instalação de parques eólicos offshore requer diferentes tipos de embarcações, que são imprescindíveis a esse tipo de projeto em todas as suas fases. Por exemplo, embarcações de transporte de tripulação, de apoio logístico e suporte a mergulhadores, SOVs, rebocadores em geral, embarcações de lançamento de cabos (cable lay vessel) e embarcações especializadas na instalação das turbinas eólicas, dentre outras, costumam ser necessárias para viabilizar um projeto dessa natureza.
Nesse ponto, ainda segundo os engenheiros navais, seria possível haver uma sinergia com as embarcações que já atuam no setor de óleo e gás offshore. As estruturas flutuantes já empregadas na exploração de óleo e gás poderiam ser adaptadas para a instalação de parques eólicos, enquanto outras embarcações poderiam ser utilizadas para rebocar estruturas eólicas construídas em terra para alto-mar. A capacitação e atratividade dos estaleiros nacionais para essas adaptações será, assim, relevante para o sucesso dessa empreitada.
A correta adaptação ou conversão desses navios será imprescindível para a precisão da instalação dos parques eólicos offshore, que possuem suas particularidades no que diz respeito à geração e ao processamento da energia. Por exemplo, as embarcações deverão ser desenhadas, especificamente, não para a perfuração e extração, mas para carregar, transportar, elevar e instalar fundações de turbinas eólicas. Da mesma forma, as embarcações precisarão ter seu limite de carga ampliado, para comportar o transporte das referidas turbinas ou seus componentes.
Ademais, o desenvolvimento de embarcações específicas para instalação dos parques eólicos offshore também causará impactos em outro mercado, que é o de seguros marítimos. A exemplo do que ocorre no setor de óleo e gás, os riscos que circundam a operação são variados, exigindo a adaptação das coberturas de seguro para contemplar o processo de instalação desses equipamentos por embarcações específicas.
Ultrapassados os aspectos relacionados às embarcações em si, no âmbito estritamente jurídico, vale apenas contextualizar o assunto, lembrando os seguintes marcos jurídicos do tema:
O Governo Federal editou o Decreto nº 10.946/2022, que dispõe sobre a cessão de uso de bens da União para geração de energia eólica a partir de empreendimentos offshore. Um ponto a se destacar do texto legal é a previsão de realização de licitações tanto para as chamadas "cessões independentes" - quando o agente apresenta o projeto de exploração - quanto para as "cessões planejadas", hipótese em que é o governo que mapeia as áreas a serem exploradas, lançando uma chamada para projetos por meio de leilões organizados.
Paralelamente ao decreto 10.946/2022, a Comissão de Infraestrutura do Senado recentemente aprovou também o projeto do marco regulatório para a exploração da energia offshore (PL 576/2021). Diferentemente do decreto, o Projeto de Lei prevê o regime de autorização (e não de cessão) para a instalação de projetos de geração de energia na costa brasileira, voltado principalmente para atender eólicas offshore, mas que serve também para futuras demandas em solar flutuante ou de energia das marés.
O PL 576/2021 prevê ainda autorizações realizadas de forma "independente" e "planejada", a exemplo do decreto 10.946/2022, com a diferença de que, no tocante às autorizações independentes, qualquer empresa poderia provocar o governo federal para contratar as áreas no modelo de oferta permanente e, no que diz respeito às autorizações planejadas, a realização de leilões somente seria necessária quando houvesse mais de um interessado no mesmo "prisma energético" (denominação da área onde poderão ser desenvolvidas as atividades de geração de energia). Por fim, recentemente, em tema que também requer maior aprofundamento, o Ministério de Minas e Energia colocou em consulta duas portarias que dispõe sobre a regulamentação da cessão de áreas offshore para instalação de parques eólicos.
Os esforços das autoridades brasileiras para regulamentação do tema vão ao encontro do que já vem sendo adotado em outros países. O diagnóstico da Roadmap Eólica Offshore Brasil aponta que a maioria dos países analisados também se utilizam de leilões e licitações para a contração dos direitos de exploração. É o que ocorre, por exemplo, na Bélgica, no Reino Unido, na França, na Dinamarca, na Holanda, na China e nos Estados Unidos.
Em resumo, a expansão da energia eólica offshore no país tem potencial para impulsionar o setor marítimo em futuro breve, sobretudo no que diz respeito à contratação ou conversão de embarcações já existentes para realização do serviço de instalação dos parques eólicos no leito marinho.
Lucas Leite Marques é sócio do escritório Kincaid Mendes Vianna Advogados com especialização em Direito Marítimo, Portuário e Internacional.
Luis Cláudio Furtado Faria sócio da área contenciosa do escritório Pinheiro Neto Advogados.
FONTE: MIGALHAS