Apesar da fila de 14 milhões de desempregados no país, o mercado de trabalho começa a dar sinal de recuperação. Um deles é em relação à renda. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), as empresas brasileiras começaram a oferecer salários maiores no momento da contratação, considerando apenas as vagas com carteira assinada. Após quedas consecutivas registradas durante dois anos, os chamados salários de admissão passaram a subir nos últimos meses e fecharam o mês de maio em alta de 3,82%, em relação ao mesmo mês do ano passado, já descontada a inflação, alcançando R$ 1.458,14.
Foi a sétima alta seguida, na comparação com o mesmo mês do ano anterior. O suficiente para que analistas enxerguem uma mudança de tendência. A primeira alta do indicador foi registrada em novembro, quando o salário médio de admissão cresceu 1,44%. Antes disso, houve uma queda quase ininterrupta dos salários de entrada por dois anos — a sequência foi interrompida apenas pelo resultado de setembro de 2015, que foi positivo.
Na prática, isso significa que quem entra no mercado de trabalho hoje está ganhando, em média, mais do que quem era contratado no ano passado. O fenômeno pode ser explicado por fatores que vão desde a menor disponibilidade de mão de obra mais barata até mudanças na composição do mercado de trabalho — se a retomada estiver sendo puxada por contratações que pagam mais, isso pode elevar a média salarial.
— Pode indicar que o mercado está começando a melhorar. As empresas estão aumentando o salário dos trabalhadores que são admitidos — resume José Márcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio.
INFLAÇÃO BAIXA AJUDA A IMPULSIONAR GANHOS
A inflação ajuda a explicar a melhora das altas reais, descontadas a variação dos preços. O IPCA encerrou 2015 em 10,67%, no ano em que as fortes altas da energia elétrica afetaram os resultados. Desde então, desacelerou e, em maio, acumula alta em 12 meses de 3,6%. Isso faz com que seja mais fácil que elevações salariais ganhem da inflação. Em 2015, para ter aumento real de 2%, era preciso que os salários subissem 12,67%. Hoje, só precisam subir 5,6% para ter este ganho.
O efeito inflação já começou a ser sentido por trabalhadores na ativa. Segundo o levantamento Salariômetro, as categorias voltaram a fechar acordos salariais com reajuste real neste ano. De janeiro a abril, são quatro meses de aumentos acima da inflação. Até dezembro de 2016, os reajustes perderam para a alta de preços por 20 meses seguidos.
— Estamos observando uma mudança de direção no rendimento médio e na massa de rendimentos — avalia Hélio Zylberstajn, professor da USP e coordenador do Salariômetro.
O começo da recuperação de postos de trabalho pressiona o mercado. Apesar da concentração de abertura de vagas no setor agropecuário, com balanço positivo de 77.030 empregos de janeiro a maio, outros setores, como o de serviços (65.232) e a indústria da transformação (34.722), também contrataram mais que demitiram.
— À medida que tem uma pressão por mais emprego, isso vai aquecer os salários de admitidos. Empresas começam a procurar pessoas para ampliar sua capacidade produtiva — avalia o economista Tiago Cabral, do Ibre/FGV, que pondera que o movimento ainda não é generalizado. — (A recuperação) está focada em alguns setores. Em maio, principalmente no setor rural, que está puxando os demais. Em abril, teve uma resposta mais positiva de serviços e indústria, que ficaram em segundo e terceiro na abertura de vagas. A recuperação da atividade vai se estendendo aos poucos.
João Saboia, professor do Instituto de Economia da UFRJ e especialista em mercado de trabalho, vê os dados como indicadores de mudança de cenário. Mas chama atenção para uma das características desta recessão: apesar da onda de desemprego, a renda dos trabalhadores que conseguiram manter seus empregos foi pouco afetada. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Mensal, divulgada pelo IBGE, o rendimento real (descontada a inflação) girou em torno dos R$ 2 mil. Em abril, ficou em R$ 2.122.
— Teve um fenômeno bem curioso nesta recessão. A renda não caiu tanto quanto o emprego. Talvez agora haja uma retomada gradual. A alta de salários dos admitidos é uma mudança clara a partir do fim de 2016. É uma novidade em relação ao período que vai desde meados de 2014 — destaca.
Empregadores já percebem o movimento. Para Hugo Leonardo, diretor da Russel Serviços, especializada em serviços terceirizados, o momento mais agudo da crise — em que era mais fácil conseguir funcionários pagando salários mais baixos — começa a ficar para trás. Na última semana, ele precisou contratar um operador de motoniveladora. Não conseguiu contratar ninguém pelo piso de R$ 1.800 e elevou a proposta para cerca de R$ 2.200:
— Em 2014, 2015, o vento estava ao nosso favor. A oferta de mão de obra era muito grande. Do fim de 2016 para cá a realidade mudou. A oferta não está tão grande como no fim de 2014.
O contratado foi o técnico Leandro de Souza, de 30 anos, que estava desempregado há um ano. Apesar da falta de vagas, ele, que é solteiro e não tem filhos, resolveu ficar com o seguro-desemprego até conseguir uma vaga com o salário que almejava.
— Com esse salário, eu me sinto mais valorizado. As propostas anteriores não eram suficientes para as minhas despesas — conta.
Na Frugale, empresa especializada no serviço de catering corporativo, os salários de contratação subiram. Segundo Maurício Nogueira, diretor de operações, as contratações passaram de uma faixa de R$ 900 para R$ 1.200. Os salários, complementados por comissões, são para atendentes de carrinhos de doces, disponibilizados em empresas. A razão para a alta está no investimento em expansão e profissionais mais qualificados, com mais escolaridade.
Uma das beneficiadas é a vendedora Isabela Soares, de 26 anos. Ela foi contratada em janeiro, com salário de R$ 1.100. Com até R$ 800 em comissões, consegue pagar as contas e planejar o futuro, que inclui terminar o ensino médio e cursar faculdade. Ela não tinha pretensão salarial e estava desempregada há dois anos.
— Eu queria trabalhar. Quando você está há dois anos fora do mercado, quer apenas trabalhar — reconheceu Isabela.