A desaceleração da inflação tem impulsionado a recuperação mais rápida que o esperado dos rendimentos do trabalho. Depois de caírem 2,3% em termos reais no ano passado, os salários acompanhados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua avançaram em média 2,3% entre janeiro e maio, na comparação com o mesmo intervalo de 2016, para R$ 2.109. Essa melhora, entretanto, se traduz apenas parcialmente em bem-estar social, já que o país ainda não consegue gerar vagas de forma consistente.
Ainda que a renda e o poder de compra de quem está empregado aumente, o volume de recursos disponíveis para consumo cresce menos. Diante de uma população ocupada que ainda encolhe - 1,7% em média entre janeiro e maio -, a massa salarial avança apenas 0,6% na mesma comparação, para R$ 183,6 bilhões. O número de brasileiros desempregados, que aumentou quase ininterruptamente nos últimos dois anos, estabilizou em maio e junho pouco abaixo dos 14 milhões.
Carlos Lopes, economista da Votorantim Corretora, observa que, mesmo levando em conta a renda nominal, sem a influência da inflação, os salários têm desempenho mais favorável. De janeiro a maio, eles subiram em média 7,3%, contra 6,5% no mesmo intervalo de 2016. "As empresas, mesmo com queda no faturamento, continuam concedendo algum aumento", pondera.
A dinâmica é consequência da estrutura do mercado de trabalho no Brasil, onde é reduzida a margem para flexibilização dos salários, inclusive em períodos de crise, diz o economista-chefe da Verde Asset Management, Daniel Leichsenring. "O Brasil é um país que protege salário, não emprego", ele comenta.
Essa rigidez, acrescenta, é uma das razões que explicam o volume tão expressivo de vagas cortadas durante a recessão. Diante da queda intensa das receitas e da dificuldade para reduzir temporariamente a remuneração do colaboradores, a alternativa encontrada por muitas empresas foi enxugar o quadro de funcionários. Só no setor formal, em 2015 e 2016 foram cortados quase três milhões de postos de trabalho. "Socialmente, seria melhor se o salário pudesse cair um pouco e as empresas pudessem manter mais funcionários", diz o economista.
Outro fator que contribui para manter, de certa forma, o nível mais elevado dos salários mesmo em momentos de crise é a inércia inflacionária, afirma o professor da Faculdade de Administração e Economia da Universidade de São Paulo (FEA-USP) Helio Zylberstajn. Isso fica evidente, ele exemplifica, quando se observa os salários dos trabalhadores informais, que crescem em relação ao mesmo intervalo do ano anterior há quatro meses. "Isso é impressionante, mesmo na informalidade você vê esse aumento nos salários".
Zylberstajn é coordenador do boletim Salariômetro, publicação da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) que acompanha o resultado dos acordos e convenções coletivas das mais diversas categorias. A publicação mostra que os reajustes salariais fixados em negociações neste ano, depois de empatarem com a inflação em todo o segundo semestre, estão garantindo ganhos reais consecutivamente desde fevereiro.
Em maio, último dado disponível, só 4,1% das correções foi abaixo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), um dos menores percentuais da série, iniciada em 2007.
Lucia Garcia, responsável pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), ressalta que a fotografia mostrada pelo levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) é diferente daquele mostrado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na região metropolitana de São Paulo, a renda média real dos ocupados cai de forma ininterrupta, no confronto com igual período do ano anterior, desde agosto de 2014. "Seria difícil que tivéssemos queda na região metropolitana enquanto no interior está tudo bem", ela argumenta.
A "sensação térmica" do mercado de trabalho, diz a economista, ainda é de crise, mesmo com a desaceleração dos índices de preços. O terceiro trimestre, ela complementa, é sazonalmente mais favorável ao emprego, por causa, por exemplo, das contratações da indústria para as encomendas do fim do ano. "Se entrarmos nesse período na situação em que estamos hoje, não estaremos bem", ela afirma.
O economista Tiago Barreira, do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre-FGV), estima que a renda média real medida pela Pnad Contínua suba em média 2% em 2017. Sem uma geração de emprego de fôlego, a massa salarial cresceria menos, 1,3%. O quadro para 2018 é o inverso - rendimento médio com alta de 1,1% e massa com avanço de 2,3%. Lopes, da Votorantim, projeta alta de 1,1% para renda média neste ano de 0,4% no próximo.
Fonte: Valor Econômico