A reforma trabalhista começou a valer neste sábado (11), mas nem todas as suas consequências estão claras. As dúvidas e divergências não atingem apenas trabalhadores e empresas. Especialistas em direitos e até juízes não chegaram a um consenso sobre alguns pontos.
Um dos principais é se as novas regras atingem todos os trabalhadores, inclusive os que estão atualmente empregados, ou apenas as pessoas que forem contratadas a partir deste sábado, quando elas entram em vigor.
O posicionamento oficial do Ministério do Trabalho é que a reforma trabalhista “se aplica a todos os contratos firmados com base na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) tanto para os novos, quanto para os antigos”.
O ministério, porém, já deu resposta diferente para a questão no passado, logo após a aprovação da reforma pelo Congresso, em julho.
Em uma nota enviada ao jornal “O Estado de S. Paulo”, a pasta afirmou que “só serão atingidos pela lei novos contratos de trabalho”. Dois dias depois, porém, o ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, disse que “todas as relações de trabalho que estão formalizadas mediante contrato estão sujeitas à nova legislação”.
A posição do governo, de que a reforma vale para todos, é acompanhada por entidades empresariais, como a CNI (Confederação Nacional da Indústria).
Juiz diz que questão é “controvertida”
Para o juiz do trabalho Guilherme Feliciano, presidente da Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho), “essa é uma questão controvertida”.
Ele afirma que, enquanto alguns juristas defendem que a lei deve se aplicar aos contratos em vigor, outros dizem o oposto, defendendo que a lei nova não pode retroagir sobre contratos anteriores a ela.
Feliciano cita, como exemplo do “princípio da irretroatividade”, o caso da mudança na lei de seguros, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu que elas não valeriam para contratos firmados antes da nova legislação.
“Isto não é, porém, garantia de que o STF terá o mesmo entendimento para os contratos de trabalho”, afirma o presidente da Anamatra.
Segundo professor, decisões serão diferentes
O advogado Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, professor de pós-graduação da PUC-SP, acredita que os juízes tomarão decisões diversas sobre isso, à medida que começarem a chegar ações na Justiça que envolvam a questão.
“Isso se dará porque o novo texto permite a negociação do contrato de trabalho, em vários aspectos, de forma direta entre empregado e empregador”, afirma.
Ele cita como exemplo o caso do banco de horas. Antes da reforma, o uso do banco como alternativa ao pagamento de horas extras ao funcionário só era permitido se fosse firmada uma convenção ou acordo coletivo entre trabalhadores e patrões, intermediado pelo sindicato da categoria.
Com a reforma, o banco de horas pode ser criado por meio de um acordo individual, diretamente entre o empregado e a empresa.
Para Freitas Guimarães, não é certo, ainda, se um funcionário que antes da reforma não tinha banco de horas poderá fazer um acordo direto com seu patrão para usar o recurso a partir do sábado, quando a nova regra começa a valer.
Ele diz que “a única certeza” é que os contratos de trabalho encerrados antes de a reforma começar a valer deverão ser julgados de acordo com as leis anteriores. “No mais, a jurisprudência acomodará os diversos entendimentos que virão”, afirma.
Depende da mudança, diz advogado
Para o advogado Carlos Eduardo Ambiel, especialista em direito trabalhista, a validade da reforma para pessoas que estão empregadas depende do tipo de mudança.
Ele diz que, de uma forma geral, o contrato de trabalho não pode sofrer mudanças que prejudiquem o trabalhador, um princípio que é definido por lei e que permanece após a reforma.
“Uma restrição é que contrato não pode ser alterado em prejuízo ao trabalhador”, afirma. “Aquilo que não tinha [antes da reforma] e a empresa quer implementar, desde que não seja um claro prejuízo, pode ser feito.”
Ambiel afirma que a maioria das mudanças e novas regras da reforma (que afeta quase 120 pontos da CLT) devem valer para todos os trabalhadores. Algumas, porém, apenas para contratos assinados depois do dia 11.
Uma delas é a do trabalho intermitente, em que o funcionário é pago por hora e não tem garantia de tempo mínimo de serviço por mês. Para Ambiel, o trabalhador que tem um contrato fixo de trabalho atualmente não pode passar a ser intermitente depois da reforma.
Outro exemplo é o de bônus e gratificações recebidos por funcionários, que não podem mais ser considerados como parte do salário. Quando viram parte do salário, não podem ser reduzidos. Não compondo mais o salário, esse bônus podem ser reduzidos ou eliminados.
Ambiel afirma que, se o funcionário recebe bônus como parte do salário antes da reforma, deve seguir assim, mesmo com as mudanças entrando em vigor.
Mudanças em processos trabalhistas
Além das mudanças nas formas de contratação e no ambiente de trabalho, a reforma trabalhista modifica regras e trâmites da Justiça trabalhista. Agora, por exemplo, o trabalhador poderá ter de pagar honorários do advogado da empresa, custas do processo e outras despesas, se perder a ação, o que não acontecia antes da reforma.
Mesmo nesse caso, Carlos Eduardo Ambiel diz que não há um consenso, se isso valerá para todos os processos, ou não.
Ele diz que, uma corrente de especialistas acredita que a nova regra valerá apenas para processos que entrarem na Justiça depois que a reforma começou a valer. Outra visão é que vai valer para qualquer processo cuja decisão do juiz seja tomada daqui para a frente.
“Certamente haverá divergências”, afirma Ambiel. “Em algum momento, os tribunais superiores vão ter que dar a palavra final. Isso é um processo natural”, afirma.
Fonte: UOL