Na jornada por horas ou dias, não está claro como será feito o pagamento complementar ao INSS
A medida provisória (MP) editada pelo governo para ajustar a reforma trabalhista acabou criando uma série de dúvidas para patrões e empregados, sobretudo no que diz respeito aos contratos por dias ou horas, a chamada jornada intermitente. A modalidade é nova e foi criada pela reforma. As alterações feitas já começaram a valer, mas, na prática, nem mesmo o governo sabe informar como empregado e empregador farão para levar as novas normas para o dia a dia. Um dos pontos que estão sem resposta é sobre como será feita a contribuição complementar pelo trabalhador cuja soma das remunerações for menor que o salário mínimo. Segundo especialistas, o governo pode ter que alterar mais uma legislação, a previdenciária, para fazer valer as novas regras. Enquanto isso, permanece o clima de insegurança em relação ao novo texto, que já está em vigor, mas ainda pode ser modificado no Congresso.
A MP diz que, nos casos em que o salário do mês for menor que o mínimo (hoje em R$ 937), o empregado deve recolher a diferença ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS), o INSS, para não ter o mês descontado do tempo para a aposentadoria, nem da carência para acesso a benefícios. Na interpretação do Ministério Público do Trabalho (MPT), a mesma regra deve valer ainda para contratos parciais e para empregados que trabalham sob a forma de pessoa jurídica.
O problema é que, na prática, o sistema da Receita Federal não dá a alternativa de contribuição “fatiada”. Além disso, não há uma guia para o trabalho intermitente, apenas para empregados domésticos e autônomos. As guias para autônomos não podem ser usadas pelo intermitente porque só preveem alíquotas de 11% e 20% e o empregado por horas ou dias que recebe menos que um salário mínimo deve recolher 8%.
— O governo vai ter que editar uma norma regulamentando essa situação. Ou o sistema terá que começar a aceitar contribuições menores. Há uma dúvida que, possivelmente, vai levar a muita judicialização — afirmou o advogado e especialista em Direito do Trabalho, Paulo Lee.
O especialista em Direito do Trabalho Rodolfo Torelly acredita que será preciso criar um sistema semelhante ao utilizado pelos microempreendedores individuais (MEI). Mas critica a burocracia:
— Imagine o trabalho que será para fazer essa conta... E, ainda: quem ganha menos de um salário mínimo tem condições de pagar adicional?
O advogado Silvio Senne, da consultoria Sage, vê necessidade de ajustes em duas leis previdenciárias de 1991 para que a regra seja regulamentada. Para isso, seria preciso editar novo projeto de lei ou medida provisória, o que aumenta o grau de incerteza sobre a reforma.
— Gera insegurança — resume.
Ele também entende que o trabalhador não pode ter o tempo descontado caso não consiga fazer a contribuição complementar por falta de um sistema adequado para isso:
— Enquanto não houver possibilidade prática de fazer essa contribuição, o trabalhador não pode ser punido por isso.
Na avaliação do advogado Domingos Fortunado, sócio da área trabalhista do escritório Mattos Filho, impedir o acesso dos trabalhadores que não conseguirem fazer a contribuição adicional é contestável na Justiça.
— Isso vai ser questionado. É impossível que a pessoa contribua e não receba por isso. Seria um valor retido pelo Estado sem qualquer contrapartida — pontua o especialista.
No fim da noite da última quinta-feira, a Receita Federal informou que a Caixa vai disponibilizar, no dia 24 de novembro, uma nova versão do Sistema de Recolhimento do FGTS e Informações à Previdência Social para atender aos trabalhadores intermitentes. O Fisco ainda informou que está sendo elaborado um novo código de pagamento para a Guia de Previdência Social, em que o segurado poderá recolher eventuais contribuições complementares.
Férias e 13º sem definição
Gisela Freire, sócia da área trabalhista do Souza Cescon, entende que a situação é mais grave porque o recolhimento é obrigatório. Ela defende uma medida para que o trabalhador que não conseguir fazer a complementação tenha acesso ao seguro social, ainda que de forma proporcional. Mas lembra que a Constituição proíbe que qualquer benefício seja inferior ao salário mínimo:
— Se a contribuição fosse facultativa, haveria margem para discussão. Mas a lei causou uma situação complicada. Eles vão ter que fazer alguma alteração para que se proporcionalize (os benefícios).
A MP da reforma trabalhista também deixa no limbo os trabalhadores por horas ou dias com relação a três direitos básicos: aviso prévio, férias e décimo terceiro salário. Segundo técnicos do governo envolvidos nas discussões, a medida não deixa claro como será feito o pagamento desses encargos e isso terá que ser corrigido pelo relator no texto substitutivo da proposta. A ideia é forçar o entendimento e aplicar para os intermitentes as mesmas regras dos demais trabalhadores: quem trabalhar por 15 dias, no mínimo, para um mesmo empregador fará jus a décimo terceiro e férias proporcionais. O mesmo deve valer para a indenização do aviso prévio (nas rescisões de contrato de trabalho, sem justa causa), que é calculado com base na média dos últimos 12 salários, limitado a 90 dias, de acordo com o tempo de serviço.
— O trabalho intermitente terá que ser repensado no Congresso, porque há várias lacunas na MP — disse um técnico.
Outro ponto que dará dor de cabeça é o trabalho autônomo, porque a MP dificulta o trabalho da fiscalização entre essa categoria e um trabalhador regular.
— A tramitação de uma alteração de mais de cem pontos da CLT de forma apressada não possibilitou que os atores sociais discutissem melhor os temas da reforma. Saiu uma lei que peca pela questão técnica. Alguns dispositivos são muito confusos — avalia o advogado Paulo Lee.
Fonte: Extra