Total de conversações que geraram acerto caiu 26% no RS e mais de 40% no país de janeiro a março. Fim da contribuição sindical obrigatória é maior causa de impasses
Dúvidas e divergências relacionadas à reforma trabalhista estão gerando impasse nas negociações entre empregados e empregadores. A dificuldade para o entendimento aparece com mais força nas convenções coletivas, realizadas entre sindicatos laborais e patronais.
Dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) indicam que, de janeiro a abril de 2018, apenas 447 convenções foram concluídas, o equivalente a redução de quase 42,9% em relação a igual período de 2017. No caso dos acordos coletivos, celebrados entre sindicatos e uma ou mais empresas e menos amplas do que as convenções, foram 3.402, queda de 27,2% sobre o intervalo de janeiro a abril do ano passado.
Levantamento do Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mostra quadro semelhante, embora sem abril. No primeiro trimestre, foram 2.557 acordos e convenções coletivas fechados no país, diminuição de 40,1% sobre igual período de 2017. No Estado, a retração é de 26,3%.
O ponto mais polêmico envolve o financiamento dos sindicatos de trabalhadores. Pela legislação anterior, havia a previsão de que o valor arrecadado pelas entidades era descontado do empregado. Tratava-se da contribuição sindical obrigatória, equivalente a um dia de salário do trabalhador no ano.
A partir da reforma, o desconto é feito só se o funcionário formalizar essa intenção na empresa. O Ministério Público do Trabalho (MPT) avalia que essa decisão não precisa ser individual. Poderia ser por meio de assembleia-geral.
Representante regional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Liberdade Sindical do MPT, o procurador Gilson Luiz Laydner de Azevedo relata que, diante da falta de segurança jurídica e da oposição de entidades patronais em torno das contribuições, as negociações emperram. O advogado Flávio Obino Júnior, consultor trabalhista da Fecomércio-RS, estima que 80% dos casos de impasse são relacionados a essa questão.
– As negociações estão represadas principalmente pela contribuição negocial. Sindicatos de empregados insistem em regra de contribuição que atinja todos os representados, sem autorização individual. E as entidades (patronais) não concordam – diz Obino.
A economista Daniela Sandi, do Dieese no Estado, observa que as rodadas de negociações têm sido mais longas. A demora é relacionada a pontos controversos da reforma trabalhista (em vigor desde novembro de 2017, mas alvo de questionamentos na Justiça), como homologações das demissões pelos sindicatos e, em especial, o financiamento das entidades laborais. Com menos recursos, elas tenderiam a perder poder para negociar em nome dos interesses das categorias.
– Sem recursos financeiros, as entidades que representam os empregados perdem a capacidade para se manter e, consequentemente, de organização e mobilização, o que abre caminho para que empresas avancem sobre direitos e ampliem ainda mais o processo de precarização das relações de trabalho, reduzindo também os salários – argumenta Daniela.
Por enquanto, há mais insegurança jurídica
Supervisor do Sistemas de Acompanhamento de Informações Sindicais do Dieese, Luis Ribeiro entende que as negociações estão mais arrastadas por conta da insegurança jurídica gerada pela reforma.
– As convenções abrangem mais acordos e cláusulas sociais, conjunto mais amplo de garantias. Caíram quase à metade e têm a ver com a reforma. Nos acordos, são questões mais específicas – diz Ribeiro.
Segundo o vice-presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado e coordenador da Comissão de Política e Relações do Trabalho da entidade, Rafael Lonzetti, para organizações laborais com comprovada atuação na defesa da categoria não será difícil convencer representados a contribuírem:
– Quem representa a sua categoria de verdade, tem de sobreviver. Somos favoráveis à existência de sindicato laboral representativo.
Ele avalia ainda que um dos princípios da reforma trabalhista, de prevalecer o acordado sobre o legislado, tem sentido apenas se houver, na ponta dos empregados, uma entidade com força de negociação.
Quando há acerto, maioria é com reajuste acima da inflação
Apesar do número menor de negociações fechadas, aumentou o percentual de acordos que acabaram com as categorias obtendo reajuste real. Levantamento do Salariômetro, da Fundação
Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), mostra que, no primeiro trimestre, em 85% dos casos foram conseguidos aumentos acima da inflação. No mesmo período do ano passado, o percentual ficou em 57%.
Para o supervisor do Sistemas de Acompanhamento de Informações Sindicais (Sais) do Dieese, Luis Ribeiro, os dados refletem a inflação mais baixa e o nível da economia um pouco melhor do que no primeiro trimestre de 2017.
– Os indicadores econômicos (no primeiro trimestre) ao menos se estabilizaram. Pararam de piorar – avalia Ribeiro.
Os dados do Dieese, que chegam até abril, captam movimento parecido. Pelas estatísticas do órgão, 75% das negociações no primeiro quadrimestre conseguiram aumento real. O indicador utilizado é o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Com impasse, vez do Judiciário
Sem acerto entre as partes, a questão poderá ser levada para a Justiça do Trabalho e é ajuizada ação de dissídio coletivo.
O Judiciário decidirá, então, a questão.
Há ainda a possibilidade, mesmo que rara, de não ser feita nova norma coletiva, conforme a característica da categoria.
O que vale após o fim da vigência da norma coletiva anterior
A partir da reforma trabalhista, este é um ponto controverso e que deve ser discutido na Justiça.
Até novembro do ano passado, quando a nova legislação entrou em vigor, o entendimento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) era de que benefícios e vantagens dos trabalhadores existentes na norma coletiva anterior (fruto de convenção coletiva, acordo coletivo ou sentença do judiciário) valiam até ser definida a nova.
A partir da reforma, em caso de impasse, esses benefícios não se mantêm com o fim da vigência na norma, explica o procurador do MPT Gilson Luiz Laydner de Azevedo.
As vantagens vão depender do desfecho da negociação ou de decisão judicial.
O exemplo
Pela Constituição, a remuneração da hora-extra deve ter adicional de ao menos 50% da hora convencional.
Determinada categoria, entretanto, conseguiu, por convenção ou acordo, percentual de 80%.
A interpretação anterior era de que o adicional de 80% continuaria valendo em caso de impasse, ao fim do prazo de vigência da norma anterior.
Agora, com a reforma trabalhista, o empregador poderia pagar o mínimo constitucional (50%), até definir-se a nova norma.
Fonte: Zero Hora