IMAGEM: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL
A Medida Provisória 1.045, aprovada pela Câmara na quinta-feira (12/8) da semana passada, além de criar novas modalidades de contratação e mudar normas da CLT, também limita o acesso à Justiça gratuita. O texto ainda depende de aprovação pelo Senado.
A chamada minirreforma trabalhista restringe o benefício a pessoas com renda familiar mensal per capita de até meio salário mínimo, ou renda familiar mensal total de até três salários mínimos. Além disso, o beneficiário precisa ter cadastro no CadÚnico, o canal oficial do governo federal para programas sociais. As regras valem até mesmo para os Juizados Especiais Federais Cíveis, nos quais atualmente não há custas.
Nesta quarta-feira (18/8), advogados da área previdenciária — Thais Riedel, Diego Cherulli e Diego Leonel — se reuniram com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para defender a exclusão dos dispositivos referentes à Justiça gratuita, com o argumento de que tais alterações precisariam ser tratadas em lei complementar.
Segundo Riedel, que é presidente da Associação Confederativa Brasileira da Advocacia Previdenciária, as mudanças são um retrocesso à garantia de direitos e não poderiam ser feitas por uma medida provisória, já que a Constituição veda temas de Direito Processual Civil em MPs.
"A gratuidade de Justiça é um direito previsto na Constituição e um dos fundamentos do Estado democrático de Direito. Qualquer medida que restrinja esse acesso precisa ser muito bem avaliada, sob pena de destinar a Justiça apenas para quem pode pagar", ressalta.
A advogada lembra que muitos processos exigem prova pericial, e as custas das perícias precisam ser pagas para o ingresso da ação. "Perícias são, em geral, muito caras. Muitas famílias, especialmente quando estamos vivendo uma crise econômica brutal, com 14,8 milhões de pessoas desempregadas, não terão condições de arcar com essa despesa para acessar a Justiça", pontua. Ela também destaca que o INSS é o maior litigante do país.
Thais e os advogados também indicaram ao presidente do Senado que o assunto não tem conexão com o tema original da MP, e por isso não poderia ser incorporado ao texto: "É um jabuti, como chamamos na linguagem legislativa", explica a advogada.
A Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) também considera que as alterações sobre a Justiça gratuita são inconstitucionais e representam violação de direitos.
"A proposta trouxe de modo inadvertido e perigoso gravíssimas restrições ao acesso à Justiça gratuita, sem qualquer fundamentação idônea e sem ser objeto de debate ou emenda parlamentar. E tudo isso enquanto congressistas discutiam alterações das regras trabalhistas", afirma a presidente da Anadep, Rivana Ricarte.
Ela reforça que o momento de crise sanitária e econômica não seria oportuno para restringir o acesso à Justiça, frente ao aumento de pessoas em situação de vulnerabilidade. "Muitas famílias na pandemia tiveram que acionar os defensores para conseguir acesso à saúde, por exemplo. Se a limitação proposta pela MP estivesse valendo, grande parte dessas pessoas não conseguiria ter o devido acesso à Justiça", diz.
Em nota pública, o Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) também repudia as inserções da MP. Segundo a associação, tal limitação representa "o aniquilamento dos direitos sociais fundamentais". Negar a gratuidade da Justiça violaria não só o acesso a ela, como também o princípio constitucional da máxima proteção social.
Com as mudanças, o instituto entende que "o acesso à Justiça se tornará um risco inerente ao medo de ter que arcar, por exemplo, com as custas dos honorários do perito, do ônus da sucumbência, além das custas processuais que precisarão ser adiantadas". Isso agravaria a exclusão social dos desfavorecidos, especialmente em causas relativas ao INSS.
"O processo previdenciário não pode ser um fantasma, um medo sobre o risco de o segurado ou seus dependentes terem que arcar com os custos dos honorários de sucumbência ou da perícia médica", ressalta.
O IBDP diz compreender que as demandas vêm sobrecarregando o Judiciário. Porém, aponta que limitar o acesso à Justiça não seria "a via mais inteligente a combater a questão econômica".
Em vez de critérios objetivos baseados em renda, a associação defende que o direito à Justiça gratuita seja analisado caso a caso, conforme suas peculiaridades, com apresentação de prova de insuficiência financeira.
FONTE: REVISTA CONSULTOR JURÍDICO/CONJUR