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Nunca houve tanta gente procurando trabalho por tanto tempo. A falta de postos provoca a deterioração das famílias. As propostas dos candidatos "pelo menos dos que têm disposição em apresentá-las" estão aquém dos desafios

Quatro semanas separam este domingo das eleições, ainda sem definição clara sobre quem será o novo ocupante do Palácio do Planalto. E, portanto, sobre quais serão os rumos tomados por ele para resolver um dos maiores problemas dos brasileiros atualmente: o alto e insistente índice de desemprego, que está na faixa de 12,3%, pelos dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). São 12,9 milhões de pessoas procurando emprego, o equivalente a todos os moradores de São Paulo, cidade mais populosa do país.
Embora continuem alarmantes, os números se tornaram comuns nos últimos anos — desde o primeiro trimestre de 2016, há mais de 11 milhões de desempregados no Brasil. Tanto que, quando Geusa da Silva, 42 anos, diz que está há dois anos procurando emprego, ninguém acha estranho. É uma situação comum na vizinhança. Só no Distrito Federal, onde ela mora, há 316 mil desempregados, segundo a Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). No caso de Geusa, demitida em 2015 do supermercado em que trabalhava, de nada adiantou enviar currículos. Ela nunca mais conseguiu uma assinatura na carteira de trabalho. No país, 3,1 milhões de pessoas estão na mesma situação, buscando uma vaga há pelo menos dois anos, de acordo com o IBGE. O nível é o maior da série histórica, iniciada em 2012. Nunca teve tanta gente procurando emprego há tanto tempo no país.

A esperança dessas pessoas é que o presidente escolhido em outubro seja capaz de sair do campo das promessas eleitorais e colocá-las, de fato, no mercado de trabalho. Vivendo à base de doações da igreja e da ajuda da irmã, Geusa diz esperar que, depois das eleições, encontre um emprego que a faça “pelo menos conseguir comer direito”. A maior queixa dela é “nunca poder comer carne ou frango” e não se alimentar mais de uma vez por dia, senão faltam alimentos no fim do mês.

Não por acaso, a recuperação do mercado de trabalho é a maior preocupação dos eleitores mais pobres que ainda não decidiram em quem vão votar, de acordo com pesquisa eleitoral da Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgada em agosto. Entre quem recebe até um salário-mínimo, a maior concentração do grupo ainda sem um candidato definido, 60% das pessoas consideram o desemprego como o principal problema do país. Quem conseguir convencer essas pessoas de que as colocará de volta na ativa tem, portanto, grandes chances de subir nas pesquisas e, quem sabe, conquistar a faixa presidencial.

Programas

Mas, mesmo diante de números preocupantes e do potencial de votos que podem conseguir com boas propostas, boa parte dos presidenciáveis trazem ideias vagas e pouco práticas quanto ao assunto nos programas de governo, com pontos difusos e muitas lacunas, avaliam os especialistas consultados pelo Correio. Como — e se — o problema será resolvido ainda é um mistério. “Estamos em um momento eleitoral avançado e sequer temos a plataforma do candidato que ganhará a disputa. Isso é determinante para traçar o cenário futuro”, diz o professor de ciências econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Mário Rodarte, que define o cenário atual como “de lentidão e incertezas”.
O novo presidente pode ser, de cara, um sinal positivo para que os investimentos hoje represados saiam do papel e as contratações voltem a ocorrer em ritmo mais acelerado. Mas, caso seja eleito um candidato menos dedicado a esse objetivo, o resultado do pleito pode ser encarado com descrença pelos investidores, e o alto nível de desemprego, se estender por ainda mais tempo. “Só se cria emprego quando há novos negócios, novos investimentos. Para que o país entre em uma trajetória virtuosa, tem que vir alguém comprometido a retomar o ritmo de investimento na economia”, resume o gerente executivo de Política Econômica da CNI, Flávio Castelo Branco.

Ajustes

Para trilhar esse caminho, é preciso que o próximo governante se comprometa com o ajuste fiscal, defende Bruno Ottoni, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do IDados. “O mais relevante para essa retomada, a maior preocupação em relação a isso, é a situação fiscal. Há um deficit grande e crescente no país”, lembra. Sem ajuste fiscal, não há como trazer a confiança de volta para os investidores, afirma Ottoni. “Eles precisam ter a sinalização de que a dívida brasileira vai entrar em uma trajetória não explosiva, de que o país será solvente e vai pagar as obrigações. A partir de então, começa a se desenhar um cenário mais animador para os investidores e também para os consumidores”, explica o especialista.
Rodarte, da UFMG, acrescenta a necessidade de uma “revisão política completa”, que envolve diminuir os níveis da taxa de juros e políticas fiscais que privilegiem investimentos governamentais em setores estratégicos. “Tem que unir os setores que mais geram empregos, como a construção civil, com o aumento de obras públicas e casas populares”, defende. Na preparação para as urnas, o ideal é que os brasileiros busquem um nome não apenas que se proponha a alavancar o nível de confiança necessário para reativar a economia, mas que esteja disposto a tocar políticas públicas inclusivas e com olhar voltado para a qualificação profissional. “Em um cenário político conservador, não vejo melhoria a médio ou longo prazo. Precisa de partidos com proatividade na condução econômica em redução de desigualdades e investimento em ciência e tecnologia”, observa o professor.

Perspectivas

Essas iniciativas podem mudar as perspectivas de famílias como a de Maria Almeida, 42, que mora no bairro Santa Luzia da Estrutural, cidade a 15 minutos de Brasília. A mulher trabalhava com serviços gerais de carteira assinada em uma empresa que faliu no ano passado. Desde então, não consegue mais emprego. Mãe de cinco filhos, Maria sobrevive com o auxílio do programa Bolsa Família, que corresponde a R$ 400, e com uma cesta básica que a igreja fornece todo mês. As prioridades na casa, construída com madeiras e tapumes, são a alimentação, material escolar básico dos filhos e sandálias para as crianças menores, pois não há saneamento básico na rua em que moram, e os calçados estragam com facilidade.
A alimentação na casa da família é pouca, as refeições não podem passar de três por dia. A fralda para as crianças menores também são limitadas: apenas uma por noite para cada filho. Durante o dia, eles andam nus e descalços. A filha do meio de Maria tem problemas de saúde que afetam a fala e a concentração na escola, mas faltam recursos para cuidar da menina de 12 anos, que tenta cursar o 5º ano do ensino fundamental. “Ela precisa fazer um raio x da cabeça, mas eu não tenho dinheiro para pagar e não consigo pelo hospital público”, conta. Sem emprego, fica ainda mais difícil.
Sem a ajuda do pai dos filhos, é a avó quem supervisiona a casa enquanto a mãe procura emprego, entregando currículos, ou faz faxina em casa de família, quando aparece. “A diferença de quando eu trabalhava de carteira assinada para este momento é grande. Meus filhos estão dormindo no chão, porque eu não consigo comprar colchão para eles. As crianças só param de pedir comida quando dormem, então eu tenho que priorizar a alimentação”, lamenta. Maria afirmou que, devido ao cenário político atual, faltam esperanças para conseguir emprego. “Eu tento todos os dias: entrego currículos e faço faxinas por aí, mas não passa disso. O jeito é ir pedindo doações”, conclui.
 
FONTE:CORREIO BRAZILIENSE