Antes usado como vitrine em campanhas eleitorais, programas sociais como Luz para Todos, Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e Minha Casa, Minha Vida estão praticamente desaparecendo em meio à restrição fiscal. Diante do sucessivo aumento das despesas obrigatórias, puxado pela Previdência Social, há cada vez menos espaço no orçamento para essas ações.
No caso do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, os pagamentos chegaram à marca de R$ 20,7 bilhões em 2015, recuaram para R$ 7,9 bilhões em 2016 e somam apenas R$ 1,8 bilhão de janeiro a agosto deste ano. O PAA, que permite a compra de produtos da agricultura familiar pelo governo federal, teve desembolsos de R$ 41 milhões neste ano (até junho), uma redução de 91% nos pagamentos contra 2016 todo.
Já o Luz Para Todos, que dá acesso à energia elétrica para a população rural, tem recuo de 79% no período (para apenas R$ 44 milhões neste ano). Os números foram compilados pelo Valor a partir de dados do governo e do Congresso.
O secretário-executivo adjunto do Ministério do Planejamento, Rodrigo Cota, defende que "não é correto" dizer que o governo está reduzindo o desembolso social - já que o gasto obrigatório com a Previdência Social, incluída por ele nas contas, continua em alta. "O gasto social está crescendo. O que está sendo reduzida é a capacidade do Estado brasileiro de fazer política pública discricionária. Essa é a verdade incontestável e definitiva, e é essa realidade que nos leva a trabalhar com tanto afinco pela reforma da Previdência e pela revisão de programas e políticas públicas", afirma.
"O Ministério do Planejamento não concorda com a afirmação de que o gasto social ou o gasto com as políticas sociais estejam sendo reduzidas. O que está acontecendo é que o gasto com as políticas sociais de natureza obrigatória está avançando e tomando o espaço das políticas discricionárias em geral", reafirmou.
Os programas Minha Casa, Minha Vida, PAA, Luz para Todos e Bolsa Verde (voltado à transferência de renda para famílias que vivem em áreas de conservação ambiental), por exemplo, são considerados despesas discricionárias e, portanto, estão sujeitos a cortes para garantir o cumprimento da meta fiscal - que neste ano é de déficit primário de R$ 159 bilhões. Segundo Cota, um reforço ao orçamento desses programas só será possível com a aprovação da reforma da Previdência.
Ele reforçou que o gasto social é puxado pelo pagamento de aposentadorias e pensões, Benefício de Prestação Continuada (BPC), abono salarial e seguro-desemprego. "O que está crescendo é o gasto e as políticas com programas obrigatórios, e isso está reduzindo o gasto com políticas discricionárias, sejam elas sociais ou não. Onde mais você está tendo sacrifício em matéria de gasto público é no investimento em infraestrutura", frisou, acrescentando também o gasto de manutenção do Estado.
Cota destacou que o governo está fazendo revisão de seus programas para avaliar sua efetividade. Esse trabalho está sendo feito pelo Comitê de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas Federais (CMAP) para aperfeiçoar o uso dos escassos recursos públicos.
O assessor especial do Ministério do Planejamento Arnaldo Lima afirma que, considerando a Previdência Social, o gasto com social no país corresponde a 68,7% da despesa pública total, valor bem acima da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 45,2%. Ele frisou, no entanto, que uma distorção no Brasil é que os gastos com a área social são concentrados nas pessoas mais velhas. A despesa previdenciária no Brasil corresponde a 57,1% do gasto público total, sendo que a média dos países da OCDE é de 17,5%.
De acordo com especialistas ouvidos, o governo não tem escolha diante da crise fiscal a não ser cortar atualmente as despesas discricionárias. Para eles, o caminho é aprovar reformas em pagamentos obrigatórios - principalmente na Previdência.
Pedro Olinto, coordenador de Desenvolvimento Humano e Pobreza do Banco Mundial, afirma que o corte em programas sociais não é uma escolha do governo, mas a "única alternativa" diante da crise fiscal e da impossibilidade de reformas em gastos obrigatórios.
"Em momentos de crise, é necessário ajuste fiscal e o melhor dos mundos seria focar nos gastos obrigatórios. Infelizmente, não conseguimos aprovar a reforma da Previdência [no Congresso]. Então, para beneficiar alguns privilegiados, estamos sacrificando programas sociais para os mais pobres", afirmou Olinto.
Olinto acredita que a outra opção - ou seja, a ausência de um ajuste fiscal - poderia ter um efeito também ou ainda mais nocivo às classes mais baixas, já que manteria inflação e juros altos, além de forçar aumentos de impostos. Efeitos que, diz, acabam afetando com mais força os mais pobres.
Mesmo assim, Olinto recomenda que o governo busque medidas em outras áreas para balancear o quadro fiscal e, assim, manter os desembolsos com programas sociais. Além da Previdência, ele sugere rever medidas que beneficiam empresas, como a desoneração da folha de pagamento, e diminuir gastos do governo com servidores.
Olinto diz ter ressalvas a certos programas sociais, mas não ao Bolsa Família. Ele lembra que o Banco Mundial já lançou um estudo no fim do ano defendendo um aumento de até 10% o orçamento do programa.
Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV/Ibre), vê na restrição fiscal uma oportunidade para repensar certos programas sociais. Em sua opinião, alguns deles - como o Bolsa Família - devem ser mantidos e até ampliados, mas há críticas à execução de ações como o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), que apoia estudantes em universidades privadas.
"O Fies é caro e não atinge tanto benefício dado o custo dele. Ele tinha custo inflado para beneficiar poucas pessoas", afirma o pesquisador, que também contesta o Minha Casa, Minha Vida e encara com normalidade a redução do Bolsa Atleta (voltado ao patrocínio de esportistas). "Havia um projeto para o país ser melhor na Olimpíada [de 2016, no Rio de Janeiro], mas acabou esse projeto. Então vejo esse retrocesso de forma bem natural".
Com a crise fiscal, diz, o governo deve criar uma avaliação mais forte dos programas e "racionalizar" os desembolsos. "Hoje não temos avaliação oficial no detalhe e, sem isso, fica até difícil justificar os cortes", afirma. "Vamos ter que criar uma cultura de avaliação de políticas públicas. Assim, metade dessa discussão que estamos tendo ia acabar", diz.
Fonte: Valor Econômico