O governo federal não precisa do apoio de 308 votos de deputados federais para aprovar a parte da Reforma da Previdência que causará o maior impacto entre os trabalhadores mais vulneráveis. Enquanto a imposição de uma idade mínima de 65 anos para homens e 62 para mulheres depende de emenda ao artigo 201 da Constituição Federal, outras mudanças propostas podem ser desmembradas e passar como leis complementares ou ordinárias, apresentadas na forma de medidas provisórias pelo Palácio do Planalto.
Caso o clima político continue instável (a Procuradoria-Geral da República ainda está analisando o encaminhamento de uma nova denúncia contra Michel Temer), e a garantia de apoio de 308 deputados federais se torne tarefa literalmente custosa, o governo já sinalizou o desmembramento da proposta, buscando aprovar mudanças que demandem maioria absoluta ou simples.
De acordo com Diego Cherulli, vice-presidente da Comissão de Seguridade Social social da Ordem dos Advogados do Brasil-DF e diretor de assuntos parlamentares do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário, dentre essas mudanças está o aumento da carência de 15 para 25 anos.
”A classe média não tem problema de jubilação do benefício. O pobre tem”, afirma Cherulli, referindo-se à necessidade de alcançar esse período de contribuição para poder pedir a aposentadoria. Para os mais pobres, a idade mínima já existe no Brasil uma vez que eles não conseguem se aposentar por tempo de contribuição (35 anos para homens, 30 anos para mulheres). ”Esse pessoal vai acabar perdendo o que contribuiu e tendo que procurar o Benefício de Prestação Continuada [BPC, o salário mínimo concedido a trabalhadores idosos pobres], que pode ser menor que a pensão que ele teria direito a receber.
Hoje, é necessário um mínimo de 180 contribuições mensais (15 anos) para poder se aposentar por idade (65 homens e 60 mulheres). Com a reforma, o número salta para uma carência de 300 contribuições (25 anos). Como explicado acima, isso não afeta diretamente os extratos superiores da classe média, que já contribuem por mais tempo ao sistema, mas a faixa de trabalhadores mais pobres que, contudo, não entram nas categorias de pobreza extrema, beneficiadas com o BPC.
Esse plano de contingência, que já estaria sendo discutido de acordo com fontes no governo ouvidas por este blog, é criticado por especialistas. ”Esse plano B é viável. Mas atinge uma gama da população que deveria ser protegida e não garante a segurança que o governo espera”, afirma Ivandick Rodrigues, professor de Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e ex-presidente da Comissão de Previdência Complementar do Instituto dos Advogados Previdenciários. ”Porque da mesma forma que é fácil mudar uma lei ordinária ou complementar hoje, também será fácil voltar atrás no futuro, o que não garante a segurança jurídica para relações previdenciárias.”
”A depender da estratégia e da proposta do governo, os projetos teriam que ser apresentados por lei complementar à Constituição, o que demanda maioria absoluta [ou seja, 257 votos na Câmara], ou lei ordinária, que demanda maioria simples [ou seja, maioria dos presentes em sessões deliberativas com, pelo menos, 257 parlamentares]”, explica Marcus Barberino, juiz do Trabalho da 15a Região e com atuação em casos envolvendo grandes empresas, terceirização ilegal e fraudes previdenciárias.
Ao mesmo tempo, as regras para aposentadoria de trabalhadores rurais da economia familiar, extrativistas, pescadores, coletoras de babaçu, entre outros, também podem sofrer mudanças através de projetos de lei e não por propostas de emenda à Constituição. Nesse sentido está a mudança de 15 anos de comprovação de trabalho (com arrecadação de imposto previdenciário no momento da venda da produção) para 15 anos de comprovação de contribuição, com pagamento mensal de carnê. O que, dada às condições de vulnerabilidade social desse grupo, inviabilizará sua aposentadoria – conquistada cinco anos antes do restante dos trabalhadores urbanos e rurais, segundo a Constituição.
De acordo com o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), a maioria dos trabalhadores (52%) já se aposentaram por idade até 2014. Outros 18% por invalidez e 1% por acidentes. A modalidade de aposentadoria por tempo de contribuição (com um mínimo de 35 ou 30 anos) representa 29%. E dados da própria Previdência Social apontam que 79% dos trabalhadores que se aposentaram por idade apenas no ano de 2015 contribuíram menos de 25 anos. Sendo que 13,9% (entre 21 e 24 anos), 31% (entre 16 e 20 anos) e 34% (15 anos).
O mesmo Dieese afirma que, em 2014, a média de contribuição foi de 9,1 meses a cada ano. Porque a rotatividade do mercado de trabalho e a informalidade são grandes. Ou seja, para cumprir 15 anos de contribuição, considerando essa média de nove meses de contribuição a cada 12, uma pessoa precisa, na prática, de 19,8 anos para se aposentar. Subindo para 25 anos de mínimo, o tempo de contribuição efetivo terá que ser de 33 anos.
O problema é que, nas regiões mais pobres do país, a informalidade ultrapassa os 70%.
Isso não afeta tanto os servidores públicos, com estabilidade. O aumento na idade mínima de 65 e 62 anos para a maioria dos servidores que ingressaram na carreira até 2003 faz parte da proposta do relator da reforma na Câmara, Arthur Maia (PPSBA).
Fonte: Blog do Sakamoto / Uol