IMAGEM:RTE
Um dos grandes problemas dos oceanos diz respeito à sua fraca regulação e governança. Aproveitando estas brechas, está a indústria da pesca. Um estudo com imagens de satélite e inteligência artificial revelou que 75% da frota de pesca industrial mundial opera com navios clandestinos — os chamados “navios escuros”, que nunca se identificam e frequentemente invadem áreas marinhas protegidas.
Segundo o Smithsonian Magazine, pela primeira vez, os pesquisadores criaram um mapa global da atividade humana nos oceanos e nos litorais, publicado na revista Nature. Ao aproveitar imagens de satélite, dados de GPS e inteligência artificial, a equipe descobriu atividades desenfreadas e não regulamentadas em alto-mar, incluindo embarcações de pesca não rastreadas e um aumento no desenvolvimento de energia offshore.
A amplitude e intensidade da atividade humana no mar
‘O estudo ajuda a eliminar os pontos cegos e a esclarecer a amplitude e a intensidade da atividade humana no mar. A afirmação é do principal autor do trabalho, David Kroodsma, diretor de pesquisa e inovação da organização sem fins lucrativos Global Fishing Watch.
Os pesquisadores descobriram que entre 72% e 76% dos navios de pesca industrial do mundo não aparecem em sistemas públicos de rastreamento. Por isso, relatórios anteriores sobre o uso dos oceanos ignoraram grande parte dessa frota.
Nós já sabíamos que a pesca ilegal se alastra tal qual uma pandemia. No mar argentino o prejuízo supera os US$ 2,5 bilhões de dólares! O Chile, em medida inédita, destacou um submarino para vigiar as frotas ilegais.
Mas agora descobrimos que isso é apenas a ‘ponta do iceberg’, em outras palavras, das barbaridades cometidas pela indústria mundial da pesca.
Como descobriram a ‘frota escura’ da indústria da pesca?
A equipe coletou dados de sistemas de identificação automática (AIS) — dispositivos usados em todos os navios para transmitir sua localização e velocidade, registrados publicamente.
Em seguida, analisaram dois milhões de gigabytes de dados de satélite da Agência Espacial Europeia. E traçaram um panorama do tráfego oceânico entre 2017 e 2021. A equipe treinou um modelo de inteligência artificial para identificar embarcações e outras estruturas no mar. Ao comparar este mapa com as localizações apresentadas nos relatórios AIS, os pesquisadores descobriram muito mais embarcações de pesca do que o previsto.
O número crescente de “frotas negras” estava especialmente concentrado nas águas ao redor do sul da Ásia e da África. Imediatamente soou um alarme para os pesquisadores. Muitas embarcações que participam da pesca ilegal cortam deliberadamente sua conexão AIS.
“Tínhamos uma ideia de que estávamos perdendo uma grande parte da atividade que acontecia no oceano, mas não sabíamos quanto”, disse Fernando Paolo, um dos principais autores do estudo e engenheiro da Global Fishing Watch.
De cada dez embarcações, sete estão localizadas na costa da Ásia
Por exemplo, dados públicos anteriores sugeriam que a quantidade de pesca nas águas europeias e asiáticas era semelhante. Em vez disso, o novo mapa mostra uma história diferente: de cada dez embarcações no oceano, sete estão localizadas na costa da Ásia, enquanto apenas uma está perto da Europa.
No Mar Mediterrâneo, números anteriores mostravam que a pesca no lado europeu era dez vezes maior do que no lado africano. Mas o novo estudo sugere que a quantidade de pesca em ambos os lados é aproximadamente a mesma.
A frota de pesca industrial e as áreas protegidas
Outro estudo, de 2025 e comentado pelo New York Times trouxe algum alívio. Os dados foram fornecidos pela mesma Global Fishing Watch.
Apenas 8% do oceano é protegido por essas zonas, e a maioria não proíbe explicitamente a pesca industrial. De acordo com o Marine Protection Atlas, menos de 3% do oceano proíbe totalmente as atividades em escala industrial, como arrasto ou a mineração em alto-mar.
Atualmente tenta-se mudar esta triste realidade para 30%, ou seja, há um consenso de que os países precisam proteger 30% de sua área continental e mar territorial, enquanto a ONU protegeria outros 30% em alto-mar.
Jennifer Raynor, professora da Universidade de Wisconsin e principal autora de um dos estudos, e seus coautores analisaram quase 1.400 zonas protegidas com proibições explícitas de pesca industrial. Eles encontraram cerca de cinco navios de pesca por 100.000 quilômetros quadrados em qualquer avistamento por satélite, em comparação com 42 em águas costeiras desprotegidas.
FONTE: MAR SEM FIM/ JOÃO LARA MESQUITA - 22/08/2025