É normal se dizer que estamos todos no mesmo barco. Numa reunião de trabalho, num encontro de família, numa situação difícil, vem sempre a frase: “estamos todos no mesmo barco”. É um sinal de esperança. Vamos enfrentar os desafios. As coisas vão melhorar porque pior que está não pode ficar. Juntos, unidos, vamos resolver o problema, vamos vencer e dar a volta por cima. Leia a palavra do presidente do Saperj, Alexandre Guerra Espogeiro.
Para nós, que estamos há várias gerações a bordo do barco Pesca, o que não falta é problema para resolver, desafio para enfrentar. Por exemplo: não existe dor maior do que perder um barco. O barco fica a deriva, bate nas pedras ou encalha na areia. Já vivemos isso de um barco encalhado na areia. Busca-se socorro, manda-se ofício para a Marinha, entra-se em contato com uma firma especializada nesse tipo de sinistro. Retira-se o óleo do motor porque, além do prejuízo pela perda da embarcação, pode acontecer uma multa milionária por poluição de uma praia. A maré sobe, a maré desce, o mar fica violento e as ondas vão martelando o barco, desmantelando tudo até não sobrar nada, só destroços. Não é um espetáculo bonito de se ver.
Por falar em multa, pode acontecer de um barco, seguindo a lei do seu porto de origem, pescar, inadvertidamente, numa área proibida pela lei de um outro estado. Sua produção é apreendida e ainda recebe um auto de infração de alguns milhares de reais. É claro que se pode entrar na Justiça para contestar a decisão, para esclarecer os fatos, explicar o possível equívoco, mas os peixes apreendidos já foram doados para instituições de caridade e, como diz o ditado, não adianta chorar o leite derramado. A saída é fazer um curso intensivo sobre leis do mar ou incluir um advogado na tripulação.
Mas pode acontecer coisa pior. Como o naufrágio recente da embarcação Kairos, do Espírito Santo. O mestre pediu socorro via rádio, informando que o barco de pesca estava com um vazamento, entrando água, correndo o risco de afundar a 150 milhas da costa, equivalente a 241 km de distância. A Marinha foi acionada, um helicóptero e até oito embarcações de pesca foram para a região. Três pescadores com vida foram encontrados em meio aos destroços da embarcação e disseram que os outros três pescadores não resistiram, afundaram e morreram. Entre nós, ninguém entende bem aquela velha canção que diz que “é doce morrer no mar”. A vida nunca foi fácil a bordo do barco Pesca.
É claro que sempre pode aparecer alguém com uma visão mais ampla da realidade e afirmar que estamos só olhando para o nosso umbigo, e perguntar: “E o Brasil? E o barco Brasil? A situação do barco Brasil é pior do que a sua. Está tudo um desgoverno! Não se sabe se o mestre-presidente continua a bordo ou não. Se o destino do barco Brasil é navegar tranquilo ou ir ao fundo”.
Só podemos dizer também estamos dentro desse barco Brasil, numa Secretaria de Aquicultura e Pesca acoplada ao Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) e que publicou no dia 27 de julho a Portaria 1.275 que permite o exercício da pesca profissional em todo o País. A norma torna válidos os registros suspensos ou ainda não analisados existentes no Sistema de Registro Geral da Atividade Pesqueira (SISRGP).
Para isso, a portaria reconhece como documentos válidos para o exercício da atividade de pesca os protocolos de solicitação de registro ou comprovantes de entrega de relatório para a manutenção de cadastro devidamente atestados pelos órgãos competentes. A medida vale até o início do processo de recadastramento dos pescadores que será realizado pela secretaria até o final do ano. Quer dizer: ainda estamos na fase de cadastro. Um dia saberemos quem somos, quantos somos e tudo vai ficar bem.
Mas tem gente com visão mais ampla ainda, e pronta para falar que a situação do barco Terra é periclitante. Os estudiosos estão cansados de avisar que o aquecimento global traz consequências e impactos para o clima e para os ecossistemas. Garantem que o derretimento das calotas polares continentais e a resultante elevação do nível médio do mar, eventualmente, ocasionarão alagamentos e perdas de habitats marinhos e terrestres. Maiores temperaturas alteram a circulação da atmosfera e dos oceanos, aumentando o número, energia e distribuição geográfica de eventos extremos, como furacões. E por aí vai.
Diante de tudo isso, só nos resta repetir que estamos todos no mesmo barco. Mareados e enjoados, esperançosos e desesperados, vencidos e derrotados, trabalhadores e desempregados, mas todos no mesmo barco. No barco Pesca. No barco Brasil. No barco Terra. Precisamos fugir da deriva, encontrar um rumo e procurar sobreviver da maneira mais digna possível.
Alexandre Guerra Espogeiro
Presidente do Saperj