A longa recessão deixou um legado preocupante no mercado de trabalho: o desemprego de longa duração. São pessoas que buscam incessantemente uma vaga, sem encontrar, há um ano ou mais. Havia um contingente de 5,029 milhões de pessoas nessa condição no quarto trimestre de 2017, 130% a mais do que no mesmo período de 2014.
Especialistas dizem que o quadro preocupa porque, em geral, quanto mais longa a duração da busca por emprego, menores podem ser as chances de conseguir uma colocação. Isso pode ocorrer pela desatualização profissional ou por um estigma decorrente do longo período de afastamento. É ainda um prazo capaz de desestruturar muitas famílias.
Nem mesmo o surpreendente ritmo de recuperação do emprego no ano passado foi capaz de interromper esse ciclo. O total de pessoas sem trabalho há mais de um ano estava 5% maior no quarto trimestre de 2017, frente ao mesmo período do ano anterior. As vagas geradas no ano absorveram a mão de obra que procurava emprego há menos tempo.
“Há um estigma da parte do contratante, como se o tempo que o candidato ficou desempregada sinalizasse uma limitação profissional. Esse trabalhador precisa se reinventar, fazer cursos, requalificar-se. Tem gente que precisou mesmo mudar de área profissional para voltar, como vemos nessa nova massa de autônomos e informais”, afirmou Sergio Firpo, professor de economia do Insper.
O país encerrou o ano passado com 12,3 milhões de pessoas desempregadas, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua (Pnad Contínua), do IBGE. Isso significa que duas em cada cinco pessoas que buscavam emprego eram desempregadas de longa duração.
Segundo Fernando de Holanda Barbosa Filho, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), a parcela mais jovem da população tem sido a mais afetada por esse desemprego de longo prazo. Do total de desempregados há um ano ou mais, 54,1% estão na faixa de 14 a 29 anos de idade.
“São pessoas sem experiência para ofertar e que acabam ficando para trás na busca por emprego. Na faixa de 14 a 19 anos, são 850 mil pessoas em busca de vaga há mais de um ano. É um jovem que poderia estar estudando, fazendo outras coisas”, disse o economista, que levantou os dados a partir dos microdados da Pnad Contínua, pesquisa domiciliar do IBGE.
Outro recorte mostra que o desemprego de longa duração afeta variadas faixas de escolaridades. Dos 5,029 milhões de desempregados há um ano ou mais, 43,6% têm até o ensino médio incompleto; outros 40,2% têm o ensino médio completo; 9,4% têm superior completo. O restante está distribuído em outras níveis de escolaridade, como os sem instrução (2,2%).
Para o economista do Ibre-FGV, a pouca presença de pessoas sem instrução nessa fila de emprego não chega a ser uma surpresa. São geralmente trabalhadores em atividades consideradas braçais, como marceneiros, pedreiros e pintores. Esses profissionais têm na informalidade uma válvula de escape e não param por muito tempo na fila de emprego.
“O que surpreende é que 9,4% das pessoas que estão há mais de um ano buscando emprego tenha ensino superior. São 483 mil pessoas. Provavelmente são pessoas com ambição salarial maior, que talvez não estejam dispostas a aceitar menos, ou dar um passo atrás na carreira. Pode ter recebido alguma oferta, mas recusado”, disse Barbosa Filho.
Mesmo tendo experiência, curso superior e uma pós-graduação numa instituição reconhecida, Luiz Felipe Brasil Martin, 47 anos, morador do Rio, é um dos trabalhadores qualificados em busca de vaga no mercado. Ele procura emprego desde 2016, quando deixou de prestar serviços para um empresa de softwares. Formado em comunicação social, com MBA em marketing na FGV, queixa-se da pouca oferta no seu perfil.
“Tenho qualificação e 28 anos de experiência de mercado. Mesmo assim, em 2016, ninguém chamava para nada, nem entrevistas. Em 2017 fiz uma bateria de entrevistas, sobretudo na minha área, de marketing e vendas. Mas na área de representação comercial você precisa de um capital inicial para cobrir custos de deslocamento e telefonia, já que recebe comissão. E eu estou descapitalizado”, disse ele, que embora busque vaga no mercado também tem perfil empreendedor e não descarta voltar a investir nisso.
Com a conjuntura da cidade, na qual a crise se agravou no ano passado, na contramão do resto do país, Martin optou por morar com o pai, no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio. Chegou a considerar uma troca de área profissional e estudou para um concurso público do Tribunal de Contas do Município do Rio, que oferecia salários de até R$ 10 mil para o cargo de técnico analista. Fez a prova, mas concluiu que seu perfil não é de “concurseiro”.
“O racional diz que as coisas podem até começar a melhorar neste ano, mas é preciso controlar também o emocional e não desanimar. Envio currículo todos os dias. A coisa vai apertando e você até reduz o seu filtro de busca. Mas quando a qualificação está muito acima da vaga, o contratante fica preocupado. Acha que você pode desistir na primeira oportunidade”, disse.
As estatísticas do IBGE mostram que 2,8 milhões de pessoas procuravam emprego ininterruptamente por dois anos ou mais no país no quarto trimestre de 2017, contingente 143% maior do que no fim de 2014.
O risco é que esses trabalhadores se tornem “desalentados”, termo usado para pessoas que desistem de procurar vaga, porque não acreditam que vão encontrá-la. Tornam-se “inativas”. Nos três últimos meses de 2017, havia 4,352 milhões de pessoas no país nesta situação, segundo informou o IBGE na sexta-feira.
Fonte: Valor Econômico