Instituição argumenta que as imagens eram usadas para tornar a linguagem jurídica mais simples

A união de memes com legislação trabalhista trouxe diversas críticas ao Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso (TRT-MT). Por meio de suas redes sociais, a instituição fazia publicações com orientações polêmicas relacionadas aos direitos do empregado e do patrão. Diversas postagens foram excluídas, após as reações negativas do público que acompanha as páginas do tribunal.
O TRT-MT argumenta que os memes eram utilizados para tornar a linguagem jurídica mais simples e para facilitar a comunicação com seus seguidores nas redes sociais. As páginas são administradas pelo próprio setor de comunicação social da instituição. Em razão do modo descontraído com que tratava assuntos considerados complexos, o tribunal passou a ganhar seguidores de diversas partes do país.

Os elogios de outrora, porém, deram lugar a diversas críticas nas últimas semanas. Entre os exemplos de publicações que receberam comentários negativos está uma que se utiliza de um dos memes mais recentes da internet: o do rapper americano Akon apontando o dedo, como se estivesse dando um conselho. A imagem do cantor é acompanhada por uma breve argumentação sobre ações trabalhistas. "Vai ajuizar uma ação trabalhista? Irmão, cuidado para não pedir o que não tem direito. Você pode acabar pagando os honorários do advogado da empresa."

A publicação foi considerada uma espécie de ameaça ao trabalhador que entra na Justiça contra um empregador. "Esse dedo apontado é como um alerta, como se o funcionário estivesse cometendo um erro ao mover a ação trabalhista", justifica um jurista ouvido pela reportagem, que pediu para não ser identificado. Cinco minutos após publicar a imagem, o TRT-MT excluiu a postagem, pois justificou que "a mensagem extraída apenas com base no meme dava uma conotação distinta daquela pretendida."
Em outra postagem considerada polêmica, o TRT-MT orienta sobre os riscos profissionais de se relacionar com um colega de trabalho. "Paquerar o cremoso(a) no trabalho dá problema? Não há nada na legislação que proíba, mas é prudente evitar manifestações amorosas em serviço", aconselha. O texto é ilustrado pela imagem de um jovem negro sem camisa.
A página também orientou sobre a possibilidade de o patrão demitir o funcionário que falsificar atestados médicos. "O empregado acha que pode me enganar com atestado falso... Logo eu, 'Xeroque Romes [em alusão ao personagem Sherlock Homes]. ' Vou dar uma justa causa!", diz uma postagem do tribunal.
Todas as publicações mencionadas nesta reportagem —além de outras que também repercutiram negativamente— foram apagadas. Os seguidores apontavam, entre outras críticas, que elas faziam explicações equivocadas sobre a legislação trabalhista.
LINGUAGEM INADEQUADA
A BBC Brasil mostrou algumas das publicações feitas nas redes sociais do TRT-MT ao doutor em direito do trabalho Saul Duarte Tibaldi. Ele avalia que o tribunal teve boas intenções ao simplificar o juridiquês por meio de memes. No entanto, acredita que algumas publicações utilizaram linguagem inadequada.
"O tribunal quis traduzir as leis trabalhistas em linguagem acessível a todos, especialmente à nova geração. Todavia, alguns memes parecem excessivamente descontraídos ao expressar mensagens que veiculam o posicionamento de um órgão do poder Judiciário, beirando de modo imprudente o reforço de estereótipos negativos referentes a minorias raciais ou de gênero. Certamente, esta não foi a intenção dos responsáveis."
Para Tibaldi, as publicações feitas pela página do TRT-MT prejudicam a imagem da instituição. "O tom jocoso pode abrir margem a interpretações de duplo sentido que não colaboram com a seriedade das decisões que o tribunal deve emanar todos os dias sobre as questões mencionadas nas imagens. Todavia, ao que parece isto foi percebido e assumido pelos responsáveis", diz.
Advogado e professor de direito do trabalho, Luis* classifica como irresponsáveis as publicações feitas nas redes sociais da instituição. Ele mora em Belo Horizonte e afirma que passou a acompanhar a página após ser informado sobre os conteúdos que estavam sendo publicados.
"Um tribunal não pode agir desta forma. Foram centenas de memes irresponsáveis. Em algumas publicações, eles tratam como se o empregado estivesse cometendo um erro ao entrar em juízo. Em outras, ridicularizam quem discorda de uma fraude trabalhista", comenta.
"Os memes são tão equivocados que não achei que fossem reais. Entrei na página do tribunal e percebi que, infelizmente, o TRT de Mato Grosso havia agido desta forma", acrescenta.
REPERCUSSÃO

Na última quinta-feira (12), após excluir as postagens polêmicas, o TRT-MT se retratou em sua página oficial no Facebook. "Desculpa aí... falha nossa! O Tribunal Regional do Trabalho lamenta por algumas publicações recentes em nossas mídias sociais que possam ter indicado a adoção de posicionamentos polêmicos no mundo jurídico. Medidas já foram adotadas para que episódios dessa natureza não se repitam."

Na publicação, seguidores comentaram sobre a postura que a página vinha adotando nas últimas semanas. "Acho extremamente pertinente a conversão de vários pontos da lei, por meio de mídias fáceis e inteligíveis aos leigos. Todavia, sugiro que se passe sempre uma revisão jurisprudencial. Do contrário, alguns colegas começarão a utilizar as próprias publicações do site nas suas razões de recurso", afirma um advogado.
Em meio às críticas, algumas pessoas se manifestaram a favor das publicações. "Melhor página de tribunal do Brasil. Sempre vai ter gente chata. Ignorem", declara um seguidor. "Continuem com as publicações divertidas!", pede outro.
Em comunicado enviado à BBC Brasil, o Tribunal Regional do Trabalho de Mato Grosso informa que a utilização de memes em suas redes sociais foi suspensa. "Faremos uma pesquisa para subsidiar a decisão se devemos abolir ou continuar usando esse formato de comunicação. Caso o resultado da pesquisa seja pela continuidade, vamos estabelecer controles mais rigorosos para filtrar o conteúdo e impedir novos erros", pontua.
TRIBUNAL LAMENTA CRÍTICAS
O TRT-MT relata que recorreu à utilização de elementos da cultura pop e geek para se aproximar de um público diferente daquele que rotineiramente utiliza a Justiça do Trabalho. "As postagens, sobretudo as que se utilizam de memes, não devem ser vistas isoladamente, mas em conjunto com os textos que as acompanham, os quais explicam o conteúdo abordado. A finalidade do meme é chamar atenção e fazer com que o texto seja lido, pois nele se encontra a mensagem principal que se deseja transmitir."

"O Tribunal lamenta a repercussão que alguns memes causaram e reforça que nunca foi seu objetivo reproduzir estereótipos ou tomar posição sobre qualquer tema jurídico polêmico, mas apenas informar e alertar a população", acrescenta.

Fonte: Folha de S. Paulo