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Mecanismo usado pelo governo de Jair Bolsonaro para fidelizar o centrão é grave exemplo de como os recursos públicos são retirados do povo para beneficiar o presidente

Tema recorrente no discurso bolsonarista, o combate à corrupção nunca foi, de fato, uma questão cara ao presidente Jair Bolsonaro (PL). E um dos casos mais graves, que vem ganhando repercussão cada vez maior e do qual o atual governo não tem como se desvencilhar, é o orçamento secreto. Usado para garantir apoio incondicional do centrão ao atual mandatário — permitindo inclusive que pedidos de impeachment fossem barrados no nascedouro — o mecanismo tem sido apontado como um dos maiores casos de corrupção do país devido aos valores vultosos e à falta de transparência envolvidos. 

O orçamento secreto vem ganhando mais espaço no debate público, especialmente via redes sociais neste segundo turno. Uma das vozes mais ativas e contundentes a se posicionar sobre tema é a senadora e ex-presidenciável Simone Tebet (MDB-MS). Em entrevista concedida em agosto a um podcast, mas que tem repercutido com mais força nos últimos dias, ela fala sobre os valores exorbitantes destinados à prática e diz que o país pode estar diante “do maior esquema de corrupção do planeta Terra”. 

Embora o tema não seja novo, por muito tempo não foi tratado com a devida importância, apesar de ter havido diversas denúncias, embasadas em dados, feitas por diferentes veículos e lideranças políticas e sociais, que mostram o mal uso do dinheiro público por esse tipo de mecanismo adotado na Câmara. Com o crescente interesse da população sobre questões relacionadas ao governo federal devido à disputa eleitoral, o orçamento secreto passou a figurar entre principais assuntos da agenda nacional. 

Levantamento feito diariamente a partir das redes sociais pelo instituto de pesquisas Quaest, chamado “Bit by Bit”, mostrou que as menções ao orçamento secreto cresceram 510% na semana passada em relação aos sete dias anteriores, segundo informa O Globo. No Facebook, Twitter e Instagram, o termo foi citado 541 mil vezes, por aproximadamente 232 mil usuários no período entre 4 e 10 de outubro. Ao todo, cerca de 58% das menções foram negativas e 32% tinham teor informativo ou neutro. 

Prejuízos para o povo

O tema, de fato, merece total atenção. E é de se lamentar que não tenha sido foco de maior preocupação ao longo dos últimos anos — apesar dos esforços da oposição — uma vez que o orçamento secreto diz respeito diretamente à vida da população e ao funcionamento da democracia e das instituições. Afinal, além de mobilizar bilhões de reais para fins desconhecidos e que respondem tão somente aos interesses dos aliados de Bolsonaro, recursos têm sido retirados de áreas essenciais como saúde e educação para alimentar o orçamento secreto. Outro ponto que demonstra a gravidade do caso é que o uso desse mecanismo desvirtua o trabalho do parlamento e desequilibra o jogo democrático uma vez que permite que dinheiro público seja usado em favor do atual presidente e de seus apoiadores. 

Somente neste ano, o valor destinado ao orçamento secreto foi de R$ 16,5 bilhões. Para o ano de 2023, serão R$ 19,4 bilhões disponíveis, de acordo com a proposta de lei orçamentária encaminhada ao Congresso por Bolsonaro. “O relator vai, sozinho, comandar R$ 19 bi. Pro (Poder) Executivo, (o pedido do relator para liberar) esse dinheiro vai, mas ele vai sem rubrica, sem autoria (do parlamentar que definiu o uso do dinheiro). Ele é secreto porque eu não sei (quem está por trás da decisão do gasto)”, explicou Simone Tebet ao podcast.

Em julho, a revista Piauí revelou que municípios do Maranhão inflaram artificialmente o número de atendimentos feitos pela rede do SUS local a fim de receber mais recursos do orçamento secreto. Os dados obtidos impressionam pelo absurdo: “Santa Quitéria do Maranhão registrou mais exames para detectar infecção pelo vírus HIV do que a cidade de São Paulo. (A cidade de) Pedreiras disse ter feito tantas extrações dentárias que dá média de dezenove dentes extraídos por habitante. É a cidade mais banguela do Brasil”, escreveu a revista. Enquanto isso, tratamentos básicos e de fato necessários à população foram deixados de lado.

O jornal O Estado de S.Paulo, ainda em 2021, também denunciou indícios de compras superfaturadas de  tratores e equipamentos por valores acima dos de referência, com gastos totais de ao menos R$ 271,8 milhões. E recentemente, o governo anunciou cortes da ordem de 60% na Farmácia Popular — que disponibiliza medicamentos básicos para tratamentos de diabetes, asma e hipertensão, por exemplo — para poder dar conta dos recursos do orçamento secreto. Pela mesma razão, o governo anunciou há poucos dias cortes de R$ 2,4 bilhões para a educação, inviabilizando a rotina de universidades e institutos federais. 

Maior processo de institucionalização da corrupção

Não à toa, o orçamento tem sido denunciado de diversas formas, por entidades, políticos e veículos de imprensa. Para a Transparência Internacional, por exemplo, o orçamento secreto é “o maior processo de institucionalização da corrupção que se tem registro no país”.

Em outra manifestação, ao menos 40 entidades da sociedade civil emitiram nota contra o orçamento secreto, na qual apontam: “É certo que o orçamento público guarda certa margem de discricionariedade como instrumento de autonomia, independência e fortalecimento do debate político nas escolhas em matéria de políticas públicas, desde que sejam respeitadas as regras para tanto estabelecidas pelo próprio Congresso Nacional”. 

A nota segue salientando que “não se pode admitir, no entanto, que o mecanismo em comento seja utilizado para beneficiar individualmente agentes públicos apenas a partir de seus interesses político-eleitorais, em detrimento de toda a população que sofre com a ausência de investimentos financeiros e se encontra à mercê das mudanças legislativas pautadas por expedientes antidemocráticos”. 

FONTE: VERMELHO.ORG