O governo do presidente Temer só não caiu ainda porque conta com uma base política forte, cujo principal sustentáculo é o PSDB, e porque o mercado: 1) espera a aprovação da reforma trabalhista, e 2) ainda não achou um nome de consenso para sucedê-lo em eleição indireta.
Antônio Augusto de Queiroz*
A situação do presidente Michel Temer está ficando de tal modo insustentável que, ou ele renuncia por vontade própria ou será “renunciado” no sentido de que o Congresso irá conduzir as ações do governo ou será forçado a renunciar por pressão da sociedade, do mercado e da mídia. Nem mesmo a absolvição no processo de cassação da chapa pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) conseguiu aliviar ou distensionar o ambiente político.
Vamos às causas. Duas dimensões foram determinantes para o afastamento da presidente Dilma e a assunção e efetivação de Michel Temer na Presidência da República: a ético-moral e a econômico-fiscal.
A primeira, pelo menos do ponto de vista da mobilização popular, foi a que motivou o apoio ao processo de impeachment da ex-presidente Dilma. Esse foi o pretexto utilizado: 1) pelos veículos de comunicação para denunciar, 2) pela população para se mobilizar, e 3) pelo Congresso para afastá-la da Presidência da República.
A segunda, essa restrita ao interesse do mercado e seus defensores, foi a que motivou o setor empresarial e alguns órgãos de fiscalização e controle do Estado a apoiar a derrubada da presidente, que era vista como intervencionista na economia, especialmente nos marcos regulatórios de infraestrutura, e também como suspostamente irresponsável do ponto de vista fiscal, por ter feito “pedaladas” e ampliado o gasto público, principalmente na área social.
O presidente Temer, ao montar seu governo, priorizou a dimensão econômico-fiscal, propondo uma agenda de reformas e formando uma equipe econômica do agrado do mercado, mas negligenciou o aspecto ético-moral.
Ora, um governante que sucede alguém destituído sob o fundamento de praticar ou permitir desvio de conduta, não pode, em hipótese alguma, deixar margem para qualquer questionamento nesse campo, sob pena de igualmente ser afastado de suas funções pelos mesmos motivos.
A explicação para tanto é simples. Se parcela expressiva da sociedade apoiou o processo de impeachment de Dilma por suposta degradação ético-moral de seu governo, por que razão iria ser indiferente às mesmas práticas pelo governo Temer? Quem militou a favor do afastamento da presidente anterior teria, por uma questão de coerência e até com mais razão, também que militar a favor do afastamento de seu sucessor, se este fosse acusado, como de fato vem sendo - e com provas irrefutáveis -, das mesmas práticas de sua antecessora.
A prova de que o governo Temer padece de acusações, e até mais graves do que aquelas feitas à ex-presidente, está no fato de que ele levou para sua assessoria amigos e conselheiros que estavam ou estão associados, por iniciativa própria ou a serviço do presidente, a denúncias por prática de irregularidades.
Entre estes colaboradores, formais ou informais, pode-se mencionar: os ex-deputados Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves, Geddel Vieira Lima, Rodrigo Rocha Loures, Tadeu Filipelli, Moreira Franco, Eliseu Padilha, José Yunes, além do coronel João Batista Lima Filho.
A foto exibida na edição de 7 de junho de 2017 no Jornal Nacional da Rede Globo, quando o então vice-presidente Michel Temer e seus auxiliares e aliados diretos assistiam à votação do processo de impeachment da Dilma, foi devastadora porque a quase totalidade dos presentes ou já foram presos ou estão respondendo a denúncia de desvio de conduta.
Se esse fato, por si só, já seria desabonador, o aparecimento de outros, como a delação dos irmãos Batista, do grupo JBS; a provável denúncia do Ministério Público contra o presidente; e as possíveis delações do doleiro Lúcio Funaro e de Rocha Loures, comprometem ainda mais a credibilidade do governo.
Registre-se que a delação da JBS, além de ter levado à prisão de um dos principais auxiliares do presidente Temer, de sua “mais estrita confiança”, como ele mesmo declarou, resultou na divulgação de áudios com diálogos comprometedores envolvendo o próprio presidente, cuja repercussão foi demolidora para o governo.
Além disso, uma denúncia ou pedido de abertura de processo contra o presidente pelo Ministério Público é tida como certa, e isso terá uma repercussão extremamente negativa, a ponto de levar ao afastamento de vários partidos da base do governo, a começar pelo principal deles, o PSDB.
Por fim, uma possível delação do doleiro, operador de figuras importantes do PMDB, como o ex-deputado Eduardo Cunha, e de Rocha Loures, homem “da mais estrita confiança” do presidente, filmado recebendo e carregando uma mala de dinheiro, não deixará pedra sobre pedra.
Não bastasse tudo isso, o governo ainda é acusado de manobrar para blindar ou dar foro privilegiado a aliados enrolados, como Moreira Franco e Rocha Loures, e de fazer concessões exageradas a uma base fisiológica em troca do apoio às reformas e à rejeição a pedido de impeachment ou do Ministério Público para cassar ou processar o Presidente. Para isso, tem até mesmo passado por cima da Constituição, reeditando medidas provisórias com grave desvio de finalidade.
Aliás, o governo do presidente Temer só não caiu ainda porque conta com uma base política forte, cujo principal sustentáculo é o PSDB, e porque o mercado: 1) espera a aprovação da reforma trabalhista, e 2) ainda não achou um nome para sucedê-lo em eleição indireta que reúna as seguintes condições: i) tenha votos no Congresso para se eleger, ii) mantenha a equipe econômica, iii) defenda a agenda de reformas, especialmente a reforma da previdência, iv) não seja investigado ou responda processo no âmbito da Lava-Jato, e v) tenha maturidade e equilíbrio emocional para exercer, nesse momento de crise, as funções de Líder da Nação, Chefe de Estado e Chefe de Governo.
Portanto, mesmo saindo vitorioso no TSE, a continuidade do governo Temer depende de uma série de variáveis de difícil controle, entre as quais: 1) da não saída do PSDB da base; 2) da continuidade das reformas; 3) da não-denúncia do Ministério Público; 4) da não-delação de Rocha Loures e de Lúcio Funaro; 5) de baixa pressão popular; e 6) da ausência de consenso sobre um nome para sucedê-lo em eleição indireta.
Com tantos problemas, se conseguir terminar o mandato é porque Michel Temer foi “renunciado”, ou seja, entregou a administração do País à equipe econômica e pagou o preço cobrado pelos partidos de sua base no Congresso não mais para aprovar reformas, mas para evitar a autorização para abertura de processo no Supremo Tribunal Federal ou para evitar a abertura de processo de impeachment. É esta a situação do presidente Temer!
(*) Jornalista, analista político e diretor de Documentação do Diap