As forças empenhadas em dissolver as bases de qualquer projeto nacional deram nova demonstração de vontade ofensiva. Na quarta-feira (19), conseguiram reunir 287 votos (contra 144) para avançar a reforma trabalhista na mesma Câmara dos Deputados que abriu o processo de impeachment contra a ex-presidente. É verdade que foram 80 sufrágios a menos do que os obtidos para levar a então mandatária ao cadafalso, mas revela uma disposição radical cujas consequências se prenunciam funestas.

Clemente Ganz Lúcio, diretor do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), chama a atenção para o caráter interligado dos projetos constitucionais em curso. O dinheiro poupado do corte de benefícios previdenciários proposto é importante para viabilizar a PEC dos gastos, aprovada em outubro passado. Como o teto estabelecido impede o aumento de dispêndio público, será preciso tirar das aposentadorias para manter o mínimo de funcionamento em outras áreas (segurança, saúde, educação etc.).

Por outro lado, o regime de urgência aprovado para as alterações na legislação existente desde os anos 1940 pode eliminar direitos históricos da classe trabalhadora. Além de permitir, entre outras muitas medidas, que o negociado prevaleça sobre o legislado, abrindo o caminho para que a CLT vire letra morta onde os sindicatos são mais fracos, o parecer do deputado Rogério Marinho (PSDB-RN) investe contra o imposto sindical. Embora a contribuição obrigatória seja fonte inequívoca de burocratização, aboli-lo no contexto desta reforma significa esvaziar a principal fonte de resistência ao retrocesso generalizado.

Para completar, a Câmara, ao ampliar, em março, por 231 a 188 votos, o raio de ação das empresas terceirizadas, que agora podem realizar também as atividades-fim de outras firmas, colocou nova parcela da força de trabalho mais longe do alcance da fiscalização. Pode-se imaginar o quanto tudo isso precarizará as relações de trabalho, tendendo, talvez, a diminuir a base de arrecadação da Previdência e reforçando a necessidade de cortar benefícios.

Aos poucos, como se viu na manifestação de 15/3, a sociedade começa a acordar para o tamanho do retrocesso em curso. Redução do valor do trabalho, deterioração dos serviços públicos, destruição e venda do patrimônio nacional para estrangeiros, desindustrialização acelerada e ameaça às liberdades democráticas. Resta saber se haverá tempo para desligar o modo demolição em que o jogo atual vem sendo jogado antes que seja tarde. Parte da resposta virá nos protestos previstos para sexta que vem.

Fonte: Folha de S.Paulo