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A possibilidade de trabalhar sem horário fixo e ganhando apenas pelas horas trabalhadas é um dos pontos da reforma trabalhista que mais tem recebido críticas e questionamentos. Essa nova forma de contratação é chamada de intermitente.

Como previsto por juristas, a polêmica sobre esse tipo de contrato chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) antes mesmos de as novas leis trabalhistas entrarem em vigor.

Nas últimas semanas, ao menos três entidades entraram com pedidos de ação direta de inconstitucionalidade sobre o tema, ou seja, questionando se a Constituição permite ou não o trabalho intermitente. Caberá ao STF decidir, mas não há previsão de quando isso deve acontecer.

Que argumentos são usados para defender que o trabalho intermitente fere a Constituição? E quais são usados para afirmar exatamente o contrário? Veja abaixo.

Permite um salário mensal abaixo do mínimo

O que define a lei:

Uma das críticas mais comuns nas ações no STF é de que o contrato intermitente não garante uma quantidade de trabalho por mês e, consequentemente, não há certeza de quanto será o salário. No fim do mês, se trabalhar poucas horas, o empregado pode receber menos do que o mínimo (R$ 937, em 2017).

A lei garante apenas que o salário por hora de serviço deve estar estipulado no contrato, e que ele não pode ser menor do que o salário mínimo por hora (R$ 4,45, em 2017) ou diário (R$ 31,23, em 2017).

Quem diz que é inconstitucional:

A possibilidade de ganhar menos do que um salário mínimo mensal torna a medida inconstitucional, segundo o procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, em nota técnica do Ministério Público do Trabalho emitida antes da aprovação da reforma trabalhista.

Quem concorda é o professor da UnB (Universidade de Brasília) e juiz do trabalho Paulo Henrique Blair de Oliveira. Para ele, não é porque a lei garante o piso por hora que um salário abaixo do mínimo mensal não é contrário à Constituição.

A Constituição diz que os trabalhadores têm direito a um salário mínimo "fixado em lei, nacionalmente unificado" e que seja "capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social". Para o professor da UnB, o trabalho intermitente "na prática, representa apenas formalizar a precariedade".

Quem diz que não é inconstitucional:

Nelson Mannrich, professor titular de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo), defende que o trabalho intermitente é constitucional, porque a lei estabelece os valores mínimos a serem pagos por hora e por dia, e define que o salário do intermitente deve respeitar esses valores mínimos.

"Ninguém vai ganhar abaixo do salário mínimo. Vai ganhar o mínimo por hora", diz o professor.

Transfere ao trabalhador os riscos do negócio

O que define a lei:

Os riscos de qualquer negócio são do patrão, e não podem ser transferidos ao empregado, segundo define a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Assim, um trabalhador não pode ter seu salário descontado quando a empresa tiver prejuízo, por exemplo.

Quem diz que é inconstitucional:

O procurador-geral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, diz que, por não garantir o salário mínimo mensal, o contrato intermitente acaba transferindo para o trabalhador os riscos do negócio, em "violação ao princípio constitucional de justiça social".

Como o trabalhador intermitente só é chamado para trabalhar conforme a quantidade de serviço, ou seja, conforme a empresa tem uma procura maior, parte do risco do negócio acaba sendo transferido do patrão para o empregado, de acordo com essa visão.

Quem diz que não é inconstitucional:

O juiz do trabalho Paulo Oliveira diz que esse é um "argumento de peso" contra o trabalho intermitente, mas afirma que não se trata exatamente de uma inconstitucionalidade. Isso porque é um princípio que está na CLT, não na Constituição.

"É um argumento de força, muito importante, mas não é um argumento que precisa necessariamente apelar para a norma constitucional", afirma.

Fere a dignidade humana

Quem diz que é inconstitucional:

Um dos argumentos da ação da Fenattel (Federação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Telecomunicações e Operadores de Mesas Telefônicas) no STF é que o trabalho intermitente fere o "princípio da dignidade humana", estabelecido na Constituição, e que, portanto, seria desumano, de acordo com a entidade.

Segundo a ação, a nova lei "coloca o trabalhador numa condição de mero objeto, como ferramenta, equipamento, maquinário, à disposição da atividade econômica empresarial, quando, onde e como o empregador bem entender".

Quem diz que não é inconstitucional:

Nelson Mannrich, professor titular de direito do trabalho da USP, diz que essa visão "é equivocada". "A relação de emprego é uma relação pessoal, qualquer empregado fica à disposição do empregador. É diferente de servidão, de escravidão."

Paulo Oliveira, professor da UnB e juiz do trabalho, também diz que esse ponto especificamente não fere a Constituição. "Tratar o trabalhador como apenas um pedaço dos recursos empresariais, ainda que não seja o desejável, já é atitude aplicada mesmo no contrato regular."

Leva a um retrocesso social

Quem diz que é inconstitucional:

O contrato intermitente fere o "princípio da vedação do retrocesso", diz a Fenepospetro (Federação Nacional dos Empregados em Postos de Serviços de Combustíveis e Derivados de Petróleo) em ação no STF.

A ideia é que uma lei não pode reduzir, suprimir, diminuir, ainda que parcialmente, o direito social estabelecido na legislação anterior, ou mesmo na consciência geral. O trabalho intermitente, segundo a Fenepospetro, representaria perda de direitos.

Quem diz que não é inconstitucional:

Paulo Oliveira, professor e juiz do trabalho, diz que esse princípio não está diretamente expresso na Constituição e que "o risco de retrocesso está sempre presente na sociedade".

Apesar de concordar com a tese, ele reconhece que apenas uma "corrente pequena de juristas lê na Constituição o princípio da vedação do retrocesso". Por isso, diz, não acredita que o STF dê razão a esse argumento. "Nunca vi o Supremo fazer referência ao princípio nesse sentido."

Para Mannrich, professor da USP, o retrocesso social é uma "questão abstrata". "A sociedade não tem como ter um projeto novo? Dar uma nova dimensão à sociedade, com outros valores?", questiona.

Fonte: UOL