IMAGEM: UOL/MUNDO EDUCAÇÃO
Nobel de Economia vai para pesquisas sobre mercado de trabalho e relações de causa e efeito
Americano David Card foi premiado "por suas contribuições empíricas à economia do trabalho", e o israelo-americano Joshua D. Angrist e o holandês Guido W. Imbens, "por suas contribuições metodológicas para a análise das relações causais"
O Prêmio Nobel de Economia deste ano foi concedido ao americano David Card, "por suas contribuições à economia do trabalho", e a Joshua D. Angrist e ao holandês Guido W. Imbens, "por suas contribuições metodológicas para a análise das relações causais".
Usando experimentos naturais, David Card analisou os efeitos do salário mínimo, da imigração e da educação no mercado de trabalho.
O prêmio é de 10 milhões de coroas suecas, o equivalente a R$ 6,32 milhões, ao câmbio atual, além de uma medalha projetada pelo escultor sueco Gunvor Svensson-Lundqvist e um diploma.
Segundo o comitê do prêmio, os economistas premiados neste ano "demonstraram que muitas das grandes questões da sociedade podem ser respondidas": "A solução deles é usar experimentos naturais — situações que surgem na vida real que se assemelham a experimentos aleatórios".
ENTENDA A IMPORTÂNCIA DAS PESQUISAS
O trabalho dos três economistas contribuiu para responder, de maneira científica, a questões sobre, por exemplo, o impacto da imigração nos salários e no desemprego, ou o efeito da escolaridade na renda futura de um indivíduo.
São perguntas difíceis de responder pela falta de uma comparação precisa. Por exemplo, não é possível medir o que haveria acontecido em determinado mercado se a imigração não tivesse acontecido, ou qual seria a renda de uma pessoa se ela não tivesse concluído seus estudos.
Os laureados deste ano mostraram que é possível responder a essas e outras questões usando experimentos naturais: situações em que eventos fortuitos ou mudanças de política resultem em grupos de pessoas sendo tratados de forma diferente, de uma forma que se assemelhe aos ensaios clínicos em medicina.
Um dos experimentos de Card, por exemplo, derrubou a idéia corrente nos anos 1990 de que um aumento no salário mínimo seria a causa de uma alta do desemprego.
Embora dados mostrassem que havia uma correlação entre o valor do salário e o desemprego (os dois subiam ao mesmo tempo), isso não necessariamente significava que o salário fosse a causa do desemprego. Poderia haver algum outro elemento desconhecido afetando os dois números.
Para estudar o assunto, Card estudou cadeias de fast-food em cidades de fronteira entre os estados americanos de Nova Jersey e Pensilvânia, que tinham características parecidas. Em Nova Jersey, porém, o salário mínimo havia sido aumentado, enquanto em Pensilvânia continuou o mesmo.
As análises mostraram que o desemprego em Nova Jersey não se alterou de forma diferente que o da Pensilvânia nesses locais, derrubando a ideia de que o salário mínimo mais alto fosse a origem do problema.
Os dados de um experimento natural, porém, nem sempre são fáceis de interpretar. Por exemplo, sa escolaridade obrigatória é aumentada em um ano para todo um grupo de alunos, o impacto desse estudo mais longo não será o mesmo para todos os estudantes, porque alguns teriam continuado estudando naturalmente por contra própria.
Esses alunos mais afeitos a continuar estudando podem ter outras características que não o número de anos de escolaridade obrigatória afetando seus resultados no futuro.
"Uma diferença entre um experimento clínico [que usa uma amostra aleatória] e um experimento natural é que o pesquisador não tem controle sobre os indivíduos que estão sendo analisados", afirmou Eva Mörk, membro do comitê do prêmio e professora de economia na Universidade de Uppsala (Suécia).
É aí que entram as pesquisas de Angrist e Imbens, que demonstraram como conclusões precisas sobre causa e efeito podem ser tiradas de experimentos naturais.
Mörk usou como exemplo um estudo sobre o uso de bicicletas para ir ao trabalho na saúde dos funcionários de duas empresas muito semelhantes, com grupos de trabalhadores também semelhantes. Numa delas, porém, a companhia deu uma bicicleta de presente de Natal a cada membro da equipe.
Em ambos os grupos de trabalhadores, há alguns indivíduos que teriam adotado o ciclismo de qualquer forma, recebendo ou não o veículo de presente, e alguns que não deixariam de usar o carro, mesmo ganhando a bicicleta. O grupo que mostraria o efeito da bicicleta na saúde é o dos que começaram a pedalar porque receberam o veículo, mas o pesquisador não sabe quem eles são.
"Para complicar a vida do pesquisador, o efeito de pedalar pode ser muito diferente entre um funcionário que usaria a bicicleta de qualquer jeito, um que vai usar porque a ganhou de presente e um que continuará andando de carro", disse a professora.
Angrist e Imbens mostraram em 1994 que é possível ainda assim tirar conclusões sobre causa e efeito, e aumentaram a transparências sobre essas análises.
O conhecimento desenvolvido pelos pesquisadores é usado hoje não apenas nas ciências sociais, mas até mesmo em medicina ou em química, afirmou Tore Ellingsen, professor da Escola de Economia de Estocolmo.
DUAS MULHERES
Desde que o prêmio de economia passou a ser concedido, em 1969, só duas mulheres foram premiadas.
A economista Esther Duflo, pesquisadora do MIT (Massachusetts Institute of Technology), em 2019 a láurea com seu marido Abhijit Banerjee, também do MIT, e com o Michael Kremer, da Universidade Harvard. Dez anos antes, Elinor Ostrom, da Universidade de Indiana, havia se tornado a primeira mulher a receber o prêmio, dividido com Oliver Williamson, da Universidade da Califórnia em Berkeley.
Duflo foi também a mais jovem premiada da história do Nobel de Economia: tinha 46 anos. O americano Leonid Hurwicz, um dos três laureados em 2007, foi o mais velho a receber o prêmio, aos 90 anos.
Os três premiados deste ano representam universidades americanas: a pesquisa de Card foi feita na Universidade da Califórnia em Berkeley, a de Angrist, no MIT, e a de Imben s, na Universidade da Califórnia em Stanford.
Universidades e economistas americanos são três quartos dos 89 premiados desde 1969: 67 dos que receberam o Nobel de Economia eram pesquisadores americanos, alguns deles com dupla nacionalidade. A segunda nação com maior número de laureados é o Reino Unido, com 10 (alguns também com dupla nacionalidade), seguido, pela França, com 4, e pela Noruega, pela Holanda e por Israel, com 3.
Também receberam o Nobel dois suecos, dois indianos. Rússia, Finlândia, Polônia, Áustria, Alemanha, Itália, Hungria e Chipre têm um economista premiado.
Nas 52 edições do prêmio econômico entre 1969 e 2020, a láurea foi dividida por dois economistas 20 vezes, e em sete anos teve três premiados.
NOBEL DE ECONOMIA NÃO É UM PRÊMIO NOBEL
Popularmente chamado de Nobel de Economia e com o mesmo prestígio que os de outras áreas, o prêmio de ciências econômicas é o único que não fez parte do testamento de Alfred Nobel (1833-1896), um engenheiro e químico sueco, conhecido por ter inventado a dinamite e desenvolvido a borracha e o couro sintéticos.
Um ano antes de morrer, Nobel destinou 94% de sua fortuna de 31 milhões de coroas suecas (equivalentes a mais de R$ 1 bilhão nos dias de hoje) à criação de um prêmio que reconhecesse anualmente “o maior benefício à humanidade” nas áreas da química, física, medicina, literatura e paz.
Criado em 1968 pelo Banco Central da Suécia (Sveriges Riksbank), o prêmio de eonomia tem o nome oficial de Prêmio Sveriges Riksbank em Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel.
É concedido pela Real Academia Sueca de Ciências, de acordo com os mesmos princípios dos Prêmios Nobel originais, que são atribuídos desde 1901.
A candidatura é feita apenas por convite e, por regulamento, os nomes dos indicados e outras informações sobre as indicações não podem ser revelados até 50 anos depois.
Podem indicar nomes para o Nobel econômico membros da Real Academia de Ciências da Suécia, do comitè do prêmio, ex-premiados, acadêmicos escandinavos e de pelo menos outras seis instituições selecionadas a cada ano e outros cientistas de quem a Academia de Ciências considere adequado solicitar propostas.
O premiado é escolhido pela Academia de Ciências, a partir das recomendações do Comitê do Prêmio de Ciências Econômicas, composto por cinco membros.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO