IMAGEM: MÁRCIA FOLETTO/AGÊNCIA O GLOBO
Dois meses depois da colisão do navio São Luiz com a Ponte Rio-Niteróis, em 14 de novembro, o graneleiro de 60 mil toneladas e 200 metros de extensão continua atracado no Porto do Rio e sem previsão de retirada. O acidente jogou luz sobre um cenário dramático na Baía de Guanabara: o navio é uma das 61 embarcações abandonadas na região. Em 13 de dezembro, o governo do estado anunciou que fará estudos para regulamentar a remoção desse lixo náutico, através da venda de aço, alumínio e outros materiais de sucata naval. A iniciativa, no entanto, traz o temor de que embarcações sem valor econômico fiquem de fora do projeto.
— Em 2013 houve leilão desses navios, incluindo o São Luiz, com a promessa de despoluir 80% da Baía de Guanabara por conta da Olimpíada. A empresa que venceu o certame retirou as embarcações de aço e alumínio, os materiais de maior valor, e que estavam na superfície, e não retirou uma única das embarcações afundadas, que são as mais perigosas. Nossa preocupação é que não aconteça, mais uma vez, a efetiva remoção da totalidade desse lixo — alerta o ecologista e cofundador do movimento Baía Viva, Sérgio Ricardo Potiguara.
Segundo o movimento Baía Viva, que atua na região desde 1984, cerca de 30% das embarcações deixadas na baía são de madeira apodrecida e, afundadas há cerca de 30 anos, provavelmente contêm óleo e outros poluentes tóxicos que vazam nas águas.
— O São Luiz é a ponta do iceberg, e tem 50 toneladas de óleo combustível em um tanque extremamente deteriorado — afirma o ecologista.
Venda como sucata
Em duas das 11 inspeções de monitoramento da Baía de Guanabara realizadas pelo Instituto Estadual do Ambiente (Inea), em parceria com a Capitania dos Portos, foram identificadas substâncias como óleo e efluente (não classificado). O Inea informa que não tem atribuição legal de fiscalizar o fundeio e o tráfego de embarcações, assim como não tem responsabilidade por embarcações abandonadas. O órgão acrescenta que atua quando acionado pela Marinha ou para checar risco de acidente ambiental na baía.
Diante do problema, o Baía Viva protocolou representações junto ao Ministério Público Estadual do Rio (MPRJ) e ao Ministério Público Federal, no dia 1º de dezembro, que foram distribuídas às Promotorias de Justiça de Meio Ambiente dos municípios que se situam no entorno da baía. A proposta é que seja dada uma declaração de perdimento das embarcações, para que tenham destinação imediata e segura.
Uma saída em estudo é o descomissionamento — atividade que inclui a remoção de estruturas, destinação adequada de materiais, para posterior venda. De acordo com a Secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico e Relações Internacionais, existem empresas do setor siderúrgico interessadas em comprar o ferro que pode ser extraído do navio. O projeto está em fase de estudo sobre a regulamentação.
A primeira reunião em que o governo do estado discutiu a retirada e a venda de sucata do São Luiz aconteceu em dezembro, com representantes de Companhia Docas, Capitania dos Portos, Inea, Secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico e Relações Internacionais e Comissão Estadual de Desenvolvimento da Economia do Mar (Cedemar). Foi criado um grupo de trabalho que levou à produção de um estudo da UFF sobre o monitoramento de embarcações abandonadas na baía.
— Advogados estão estudando os processos judiciais das 61 embarcações identificadas para ter um diagnóstico e prosseguir em direção ao descomissionamento desses navios — disse Cássio Coelho, o então secretário de Desenvolvimento Econômico e Relações Internacionais.
Essa venda pode gerar receita milionária, calcula Sérgio Ricardo:
— Estamos falando de centenas de milhões de reais com a quantidade de aço e alumínio que pode ser vendida. O governo não informou a destinação dos recursos que vão ser arrecadados. O Baía Viva sugeriu que a receita seja encaminhada para ressarcir os prejuízos socioeconômicos das comunidades pesqueiras.
Na secretaria, a informação é de que ainda é cedo para chegar a valores. Não existem ainda estimativas dos bens, mas algumas embarcações têm avaliações judiciais. Outras estão em péssimas condições, e talvez sequer tenham valor comercial, mas não há quem discorde que precisam ser removidas. A pasta informa, ainda, que a proposta do descomissionamento também inclui embarcações de madeira e de fibra.
Sem data para remoção
O São Luiz estava fundeado há seis anos na baía e foi abandonado pela empresa que alugou a embarcação, conforme explicou, por nota, o advogado da família à frente da Navegação Mansur, empresa a que pertence o navio. Ele informou que, apesar de não ter data prevista para a remoção do graneleiro, os sócios estão “em busca de viabilizar isso o mais rápido possível”. E disse ainda que estão discutindo na Justiça os danos que a empresa locatária causou.
Procuradas, a Capitania dos Portos e a Companhia Docas não retornaram. Em nota no dia 22 de novembro, a Marinha informou que “qualquer embarcação que esteja em porto ou estaleiro é de responsabilidade de seu proprietário, armador ou preposto, independentemente de seu estado de conservação”. Caso uma embarcação ofereça perigo à navegação ou risco de poluição hídrica, a Capitania dos Portos notifica o responsável para a adoção das medidas cabíveis, e, se não for atendida, a embarcação é apreendida e se inicia o processo de perdimento.
FONTE: JORNAL EXTRA