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Análise é baseada principalmente nos dados levantados a partir de notas fiscais eletrônicas nas bases da Receita

Enquanto a maioria das atividades econômicas no país registra retração de faturamento durante a pandemia do coronavírus, grandes setores têm conseguido não só evitar a crise como registrar crescimento de dois dígitos.

A conclusão é de estudo do Ministério da Economia, que aponta como vencedores da pandemia os setores de mineração, agricultura, logística e atividades financeiras.

O levantamento da pasta surgiu como forma de orientar a concessão de crédito por bancos públicos às atividades mais afetadas, mas também acaba trazendo mais clareza sobre a situação de diferentes setores no país durante a crise.

A pasta baseou sua análise principalmente nos dados de faturamento levantados a partir de notas fiscais eletrônicas nas bases da Receita Federal, além de documentos fiscais de 12 unidades federativas. Também foram usados indicadores adicionais como dados de transação de cartão de crédito.

O ministério usou como referência valores faturados pelas empresas de abril a julho de 2020 e fez dois cálculos a partir disso, para reduzir eventuais efeitos sazonais.

O primeiro comparou os números com igual período do ano passado. E o segundo confrontou os valores com os registrados no começo deste ano, de janeiro a março (antes da pandemia).
 

A mineração teve o maior crescimento. O setor registrou de abril a julho de 2020 um faturamento 37,6% maior frente aos mesmos meses de 2019 e de 26,2% frente a janeiro a março de 2020. Isso gerou um avanço médio de 31,9% no faturamento, conforme a metodologia da pasta.

Apesar de integrantes do próprio ministério ressaltarem ao longo dos últimos meses a dificuldade de medir dados em meio às distorções causadas pela pandemia, os resultados têm correspondência com números divulgados mais recentemente por empresas.

A mineradora Vale, por exemplo, apresentou na semana passada lucro líquido de R$ 15 bilhões no terceiro trimestre. O valor representa mais do que o dobro dos R$ 6,5 bilhões registrados um ano antes.

A Vale creditou o aumento ao crescimento da demanda chinesa por minério de ferro. As vendas tiveram um boom influenciadas por uma retomada no país asiático, que são impulsionadas por investimentos significativos em infraestrutura e construção para estimular a economia após o surgimento do novo coronavírus.

"A participação da venda para a China aumentou muito neste ano. É um efeito Covid", disse Marcello Spinelli, diretor-executivo da Vale, na quinta-feira (29).

Para Sérgio Lazzarini, professor do Insper, os dados do ministério coincidem com indicadores observados por economistas. Ele chamou atenção para o fato de o principal vetor no topo da lista ser o comércio internacional.

Está inserida nessa lógica a agricultura, segunda colocada na lista.

O preço das commodities no mercado global e o patamar do câmbio têm estimulado as exportações e o setor registra um avanço de 18% no faturamento. A pecuária, um pouco mais abaixo na lista, avança 10%.

Já setores ligados ao cenário doméstico também têm mostrado avanço impulsionados pela concessão do auxílio emergencial, embora em patamares não tão fortes.

Entra nessa análise a atividade de logística, terceira colocada na pesquisa, com crescimento de 15% movido também pela demanda por entregas.

"O auxílio emergencial forneceu renda e mudou o padrão de consumo, com as pessoas pedindo mais pela internet também por causa da pandemia", afirmou Lazzarini.

No caso das atividades financeiras, a crise gerou uma necessidade significativa por crédito por parte de empresas e pessoas. Isso alavancou os números em 14%.

"Os bancos vão bem na crise e fora da crise", resumiu o professor. Segundo ele, as instituições conseguem se proteger durante momentos de turbulência e contar com ajuda estatal em momentos como o atual, de necessidade de manutenção de emprego e renda.

Segundo o Banco Central, os bancos lucraram R$ 22,4 bilhões no primeiro trimestre deste ano e R$ 18,4 bilhões no segundo. Apesar de positivo, o lucro total registrado pelas instituições no primeiro semestre foi 31,9% menor que no mesmo período de 2019.

​Na outra ponta da lista, os maiores perdedores da crise foram as atividades artísticas, de transporte aéreo e de passageiros por outros modais, hotéis e restaurantes.

 
Mineração (de metais)
32
Agricultura
18
Logística, armazenagem, terminais, correios e entregas
15
Atividades financeiras
14
Mineração de carvão e outros produtos não-metálicos
13
Fabricação de produtos do fumo
12
Construção
12
Pecuária
10
Supermercados (comércio não-especializado)
10
Serviços de arquitetura e engenharia
8
 
Atividades artísticas, criativas e de espetáculos
90
Transporte aéreo
84
Transporte de passageiros (ferroviário, urbano, interestadual e intermunicipal)
75
Serviços de alojamento
71
Serviços de alimentação
64
Fabricação de veículos automotores, reboques e carrocerias
53
Fabricação de calçados e de artefatos de couro
42
Comércio de veículos, peças e motocicletas
38
Tecidos, artigos de armarinho, vestuário e calçados
38
Edição e edição integrada à impressão
30
 

As incertezas com o fim do ano e o fim auxílio do auxílio emergencial causam ainda mais dúvidas sobre o desempenho das atividades no cenário doméstico.

Os supermercados, por exemplo, têm mostrado dados de arrefecimento nos últimos dias com a diminuição do beneficio do governo e o avanço da inflação.

Mesmo atividades ligadas ao setor externo passam por incertezas. A Vale trabalha com a perspectiva de que a atividade econômica da China tende a se normalizar e retomar um caminho mais distante dos investimentos pesados em infraestrutura e em direção ao consumo.

"O nível de investimento no país ainda está pífio e sem perspectiva de melhorar. Ainda tem o risco de novas ondas do coronavírus e o calendário da vacina. Ainda é muito incerto o que vai acontecer no futuro", afirmou Lazzarini.

A lista vai orientar concessões de crédito como os com recursos do FGI (Fundo Garantidor de Investimentos), administrado pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). O programa tem previsão para usar até R$ 20 bilhões da União em garantias de empréstimos.

Uma portaria assinada pelo secretário especial de Produtividade e Emprego, Carlos da Costa, foi publicada recentemente para servir de referência a bancos públicos na concessão de empréstimos.

As instituições não são obrigadas a emprestar para os setores da lista, que serve apenas como orientação.

O Ministério da Economia afirmou que, caso haja alterações no cenário econômico, há possibilidade de novas portarias para atualizar a lista dos setores mais impactados.

FONTE: FOLHA DE S.PAULO