O espaço para vozes contrárias é raro e o apoio à proposta do governo é amplo: vai de 62%, no caso da Record, a 91%, no da TV Globo

Os principais veículos de informação do país fizeram uma cobertura positiva da proposta de Reforma da Previdência enviada pelo governo Michel Temer ao Congresso Nacional, deixando pouco espaço para opiniões divergentes, segundo levantamento realizado pela Repórter Brasil.
Os veículos das organizações Globo foram os menos críticos: 91% do tempo dedicado ao tema pela TV Globo e 90% dos textos publicados no jornal O Globo foram alinhados à proposta do Palácio do Planalto. Nos impressos O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, 87% e 83% dos conteúdo fizeram uma cobertura positiva. O Jornal da Record foi o mais equilibrado, com 62% do tempo sendo favorável à Reforma.
Para chegar a essa conclusão, a Repórter Brasil analisou mais de 400 textos dos três jornais de maior projeção nacional – Folha, O Globo e Estadão – e 45 minutos de matérias dos dois principais telejornais – Jornal Nacional e Jornal da Record. O período avaliado abrange a cobertura das duas semanas anteriores e das duas posteriores à entrega do texto da proposta pelo Executivo ao Congresso: de 21 de novembro a 20 de dezembro de 2016. Conteúdos em que prevaleciam o detalhamento do projeto, sem apresentação de contrapontos, ou o apoio explícito em entrevistas foram avaliados como favoráveis e alinhados à proposta. Esse é o critério utilizado pelas maiores empresas do Brasil especializadas em análise de imagem e reputação.
Em uma análise mais qualitativa do material, o levantamento aponta ainda a que, na TV e nos jornais, sobressai o tom alarmista, seguindo a ideia de que todos os setores do país precisam de dar sua “cota de sacrifício” para resolver o problema. Predomina a ideia de que, sem a aprovação da proposta, a Previdência vai quebrar e, no futuro próximo, engolirá o orçamento. Assim como nas propagandas veiculadas pelo governo, a mídia reverbera que não sobrará dinheiro para o básico: saúde, educação e segurança. Veja, abaixo, detalhes da análise feita por Repórter Brasil.
Saiba em detalhes como foi a cobertura de cada veículo:
Jornal Nacional: menos de três minutos contra a Reforma
No Jornal Nacional, dos 29min54s de cobertura do tema, apenas 9% do tempo foi dedicado a fontes ou dados contrários à Reforma da Previdência. A única reportagem considerada crítica à proposta foi uma de 2min47s que questionava a exclusão de integrantes das Forças Armadas, bombeiros e policiais militares da Reforma da Previdência.
Outras oito reportagens, que somam 27min07s, mostraram de maneira didática as modificações previstas e deram voz a membros do governo e da base aliada, reforçando o alinhamento do veículo com a proposta do Planalto. Elas ouviram economistas que ratificaram a ideia de que, sem as mudanças, em pouco tempo o sistema de aposentadorias e pensões no Brasil se tornará insustentável. “Reformar para manter”, “insolvência”, “sistema justo” e “espinha dorsal do ajuste fiscal” foram alguns dos termos utilizados.
Entre os entrevistados ouvidos pela emissora, 83% defenderam a Reforma – entre eles o presidente Michel Temer, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, e o secretário da Previdência, Marcelo Caetano – e 17% fizeram críticas pontuais a ela.
No dia em que a proposta foi entregue ao legislativo, 6 de dezembro, o JN veiculou matérias destacando que o “projeto dividia opiniões na Câmara” e que “centrais sindicais” se queixavam. Embora a cobertura apontasse para uma linha mais equilibrada, a edição privilegiou opiniões pró-reforma.
No total, 73% das entrevistas veiculadas pelo Jornal Nacional no período analisado traziam posicionamentos favoráveis à Reforma e 27% contrários. As críticas do deputado Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical, e de Vagner Freitas, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), quanto à dureza da idade mínima de 65 anos para homens e mulheres foram veiculadas entre avaliações de cinco estudiosos da área econômica sobre o déficit crescente da Previdência.
Jornal da Record: Conteúdo mais divergente da proposta que o do JN
O Jornal da Record também apoiou a Reforma mais do que criticou, mas de maneira mais equilibrada do que o Jornal Nacional. Enquanto no Jornal Nacional o conteúdo pró-reforma chegou a 91%, maior entre os veículos analisados, o do Jornal da Record foi o menor: 62%. O Jornal da Record também foi mais balanceado no que diz respeito às opiniões de políticos e economistas, com 71% dos posicionamentos favoráveis e 29% contrários.
Além de detalhar as alterações previstas, a emissora mostrou a preocupação de trabalhadores de baixa renda com o impacto da Reforma. Ao expor a apreensão de quem pode ser prejudicado no caso da aprovação da proposta, a Record humanizou uma cobertura que é sustentada pelos números frios da equipe econômica. Dedicou, porém, apenas 15m01s ao assunto, metade do tempo destinado pela concorrente.
A Repórter Brasil analisou as seis matérias que abordavam diretamente a Previdência disponíveis no site do programa, além de citações em conteúdo focado na crise dos Estados e na tramitação da PEC do Teto de Gastos. Nelas, vozes críticas como a do deputado Henrique Fontana (PT-RS) falavam em “virulência absurda” e que a proposta era um “tapa na população brasileira”. Contudo, o tempo de exposição foi maior para declarações de aliados de Temer que contemporizavam as falas contrárias.
O Globo: 90% da cobertura favorável à Reforma
No jornal O Globo, o apoio à Reforma foi mais explícito pois as vozes contrárias foram escassas. Nele, 90% dos textos foram considerados favoráveis às mudanças. O impresso utilizou espaços nobres – como cinco manchetes, seis chamadas de capa e 11 editoriais – para publicar conteúdo alinhado com a proposta do governo. Foram no total 118 textos, incluindo reportagens, artigos, colunas e notas que mencionavam o assunto.
As críticas, presentes em 10% dos textos, focaram principalmente no questionamento à exclusão de integrantes das Forças Armadas, policiais militares e bombeiros das mudanças propostas – e não na Reforma em si. Foi um viés semelhante aos textos publicados dos leitores. Embora apenas 15% tenham dito concordar com o projeto, os outros 85% demonstraram discordância especialmente pela “manutenção de privilégios”.
Usando expressões como “mal necessário” e “garantia do futuro”, O Globo privilegiou declarações de políticos, estudiosos e analistas pró-reforma: 72% dos entrevistados apoiaram a Reforma. Um exemplo foi a fala da diretora de rating soberano da agência de classificação de risco Standard & Poor’s, Lisa Schineller, que cobrou agilidade do Executivo com “sinalizações fiscais mais sólidas”. “Sem uma Reforma robusta da Previdência será difícil manejar o Orçamento”, reforçou Ronaldo Patah, estrategista da UBS Brasil Wealth Management.
Dentre as poucas vozes divergentes estão a do ex-secretário de Previdência Social e consultor do orçamento da Câmara Leonardo Rolim, que criticou a retirada de categorias, e a do deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que reclamou da idade mínima, das regras de transição e da necessidade de contribuir durante 49 anos para obter o benefício integral.
Contra esses argumentos, porém, a publicação trouxe números do governo. Na capa de 7 de dezembro, dia seguinte à apresentação do projeto ao Congresso, estampa: “Reforma da Previdência economizará R$ 738 bi”.
Míriam Leitão, colunista de O Globo que mais abordou a questão da Previdência, apoiou a Reforma, mas criticou o “ponto de desequilíbrio” gerado pela exclusão de militares, policiais e bombeiros, além das regras de transição mais suaves para os políticos. “A Reforma da Previdência não é de direita, nem de esquerda, é uma imposição da vida. As pessoas vivem mais, há proporcionalmente menos jovens e crianças e a equação tem que ser refeita. Serão várias Reformas nas próximas décadas”, justificou.
Folha de S. Paulo: Menos espaço do que os concorrentes
Entre os impressos, a Folha foi o que dedicou menos espaço ao projeto do governo. A Repórter Brasil analisou 104 textos – entre eles três manchetes, porém só uma teve a Previdência como tema central, seis chamadas de capa e seis editoriais. Colunistas como a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e o jornalista Vinícius Torres Freire, abordaram o assunto de forma sistemática. As críticas da parlamentar ajudaram a segurar a adesão do veículo em 83%, sete pontos percentuais abaixo de O Globo e quatro do Estadão.
Apenas 30% das fontes ouvidas pelo jornal foram contrárias à Reforma. Mais uma vez, entre as que se opuseram à proposta, há as que assim se posicionaram porque defendem a inclusão de bombeiros e policiais militares, e não porque acreditam que os princípios sejam equivocados. A Folha elenca argumentos como o aumento da “taxa de dependência” (a relação entre pessoas inativas, que chegam a 65 anos ou mais, e a população em idade ativa, entre 15 e 64 anos) cresceria de 11% em 2015 para 25% em 2035. O problema, conforme o jornal, é que o Brasil gasta cerca de 13% do PIB com a Previdência, parcela semelhante à de nações desenvolvidas, que já apresentam taxa de dependência alta.
Em outra direção, o veículo publicou editorial afirmando que o aumento do tempo de contribuição tende a prejudicar principalmente os mais pobres, que têm mais dificuldades de se manter em empregos formais. O mesmo texto, porém, afirma que a desvinculação de benefícios assistenciais do salário mínimo, a revisão das pensões por morte e a proibição de acúmulo de benefícios estão de acordo com as práticas internacionais.
A Folha ratifica a visão de que é preciso reduzir a distorção entre os benefícios de trabalhadores ligados ao INSS e de funcionários públicos em entrevista do secretário de Previdência, Marcelo Caetano, publicada na capa do caderno Mercado, com chamada na primeira página. No mesmo dia, 11 de dezembro de 2016, o veículo trouxe editorial elogiando a proposta do governo, sob a justificativa de falta de sustentabilidade decorrente do perfil demográfico da população, além de aposentadorias precoces e regras que beneficiam alguns setores.
O Estado de S. Paulo: Cobertura densa e apoio à reforma
Sustentado no argumento de que o Brasil precisa sanear suas contas para recuperar a credibilidade interna e externa, o Estadão abordou a Previdência em 182 textos, 87% favoráveis às mudanças. Embora esteja numericamente à frente dos concorrentes, dedicou apenas duas manchetes ao assunto – contra cinco de O Globo e uma da Folha –, além de 13 editoriais e 11 chamadas de capa.
O veículo privilegiou a publicação de reportagens factuais, apresentando as intenções do governo, sem submeter muitas das questões polêmicas ao escrutínio externo. Tanto que só 27% das fontes se posicionaram contrárias à proposta. Com um time de colunistas alinhado, mesmo os que deixaram claro que a Reforma não será suficiente para botar o país nos trilhos, reconheceram que ela é necessária.
O Estadão procurou traduzir em números o desafio que o Brasil terá caso não aprove a medida. Em paralelo, também se debruçou sobre o receio de que a tensão provocada por denúncias envolvendo o primeiro escalão de Temer pudesse levar o Congresso à paralisia e atrasar o ajuste das contas.
“Sempre que um caso como esse acontece, a avaliação de risco do mercado aumenta e limita a possibilidade de o governo entregar a economia arrumada até 2018”, observou a economista-chefe da XP Investimentos Zeina Latif, se referindo ao caso do ex-ministro Geddel Vieira Lima. No mesmo sentido, Samuel Pessôa, do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, foi ouvido para reforçar que será “trágico” se a agenda de Reformas não avançar – projetando que “o risco País subirá e afetará o câmbio”, haverá “choque inflacionário e a política de juros será comprometida. Sem mexer nos juros, não dá para sair da crise”.
Já no caso dos comentários na seção para opinião dos leitores, apenas 18% foram totalmente favoráveis à Reforma. As críticas dos outros 82%, no entanto, ficaram centradas na manutenção de “privilégios” de algumas categorias, como PMs, bombeiros e Forças Armadas, reforçando o viés do jornal. Só a concessão de aposentadorias e pensões para 296 mil beneficiários militares de Exército, Marinha e Aeronáutica custaram R$ 32,5 bilhões aos cofres do governo em 2015, frisou o veículo no dia seguinte à apresentação da Reforma.

 

Fonte: Carta Capital