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Senado decidirá futuro do político, que tem mandato até março; sessão teve deputado discursando por mais de 15 horas
A Câmara dos Deputados do Chile aprovou, nesta terça-feira (9), a abertura de processo de impeachment contra o presidente Sebastián Piñera. A ação está ligada à aparição do mandatário nos chamados Pandora Papers, em um caso de possível conflito de interesses envolvendo a venda de uma empresa ligada a sua família.
Na votação, 78 deputados se posicionaram a favor da abertura de processo, enquanto 67 foram contra e 3 se abstiveram. Eram necessários 78 votos.
Aprovado na Câmara, o pedido de impeachment passa agora a ser discutido no Senado. Piñera, que tem mandato até março de 2022 —o primeiro turno da eleição está marcado para o próximo dia 21— só perde o posto caso o afastamento seja determinado pela câmara alta.
Para isso, seriam necessários votos de dois terços dos parlamentares, ou seja 29 dos 43 senadores. Hoje, porém, a possibilidade de uma nova derrota é pequena, já que na Casa a aliança governista tem maioria. Caso ele seja realmente levado a deixar o cargo, quem assume até o fim do mandato é Rodrigo Delgado, hoje ministro do Interior.
Pesquisa do instituto Ipsos divulgada na última semana mostrou que 60% dos chilenos se dizem favoráveis ao impeachment do presidente. De acordo com o relatório mais recente do Instituto Cadem, Piñera tem 15% de aprovação popular —a rejeição tem impactado também o candidato governista à sucessão, Sebastián Sichel, hoje em quarto lugar nas pesquisas.
A sessão na Câmara nesta segunda (8) foi marcada por grande esforço da oposição para esticar ao máximo as discussões. Mais precisamente, até a madrugada de terça. Isso porque um parlamentar crítico a Piñera, Giorgio Jackson, cumpria quarentena depois de ter tido contado com uma pessoa infectada com o coronavírus e só poderia sair de casa após a meia-noite.
Com votos contados um a um de ambos os lados, a presença de Jackson era considerada fundamental pela oposição. Como parte da estratégia, o socialista Jaime Naranjo chegou ao Congresso carregando uma pasta com 1.300 folhas de papel. Ele discursou por 15 horas, fazendo pausas apenas para ir ao banheiro, de forma a prolongar a sessão e permitir a presença do colega quarentenado.
O texto acusatório aprovado na Câmara, apresentado pela oposição no começo de outubro, trata da "violação do princípio de probidade e do comprometimento grave da honra da nação".
O processo contra Piñera teve início depois da divulgação dos Pandora Papers. A investigação jornalística, capitaneada pelo ICIJ (Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos), revelou que o mandatário teria realizado uma operação com potencial conflito de interesses envolvendo uma conta offshore nas Ilhas Virgens Britânicas.
A venda da mineradora Dominga, que pertencia à família do atual chefe do Executivo, foi fechada em 2010, ano em que Piñera também ocupava a Presidência do Chile. Segundo a apuração jornalística, o comprador, amigo próximo do político, exigiu que não fosse criada uma área ambiental na zona de operação da empresa, o que atrapalharia a exploração de minério na região.
A transação, que movimentou US$ 152 milhões (R$ 838 milhões), seria dividida em três parcelas, sendo que a última apenas seria liberada caso não fosse estabelecida a área de proteção, requerida por ativistas. Na época, o governo acabou não delimitando a área como zona verde, e o pagamento, portanto, teria sido confirmado. O Ministério Público chileno também investiga o caso.
O mandatário apresentou sua defesa por escrito, na semana passada, na qual afirma que entregou seus negócios a um fideicomisso em 2009. Na realidade, Piñera foi dissociando-se de algumas de suas empresas apenas depois de críticas e acusações reveladas pela imprensa a partir do início de seu primeiro mandato, em 2010.
Ainda assim, o presidente afirma que o caso revelado pelos Pandora Papers não está entre eles. A concretização da venda da mineradora, porém, segundo a investigação jornalística, ocorreu nove meses depois da posse.
A sessão desta segunda começou às 10h, com a leitura da peça acusatória, de 99 páginas. Na sequência, começou a longa fala de Naranjo, que enfileirou argumentos pró-impeachment —de impactos no meio ambiente envolvendo a operação da mineradora até pontos técnicos da Constituição sobre o impedimento de um presidente e o uso de contas offshore.
O deputado fez um breve recesso à tarde, durante o qual um médico mediu sua pressão arterial e informou a bancada de que ele estava liberado para continuar discursando e participar da votação. Além das pausas para ir ao banheiro, ele também interrompeu o discurso algumas vezes avisando que tomaria "um pouquinho de água".
Perto da meia-noite, os parlamentares sentados em cadeiras próximas às dele exibiram para as câmeras que transmitiam a sessão cartazes nos quais se lia "Força, deputado Naranjo".
Nem Piñera nem seus apoiadores no Congresso fizeram questionamentos à estratégia da oposição. Segundo a defesa do presidente, como a causa discutida não tem mérito, apresentar um recurso seria reconhecer esse ponto. "Nossa defesa é contra a questão de fundo, a falta de mérito da acusação", disse o advogado Jorge Gálvez.
Além do episódio ligado aos Pandora Papers, que deu origem ao seu processo de impeachment, Piñera enfrenta desgastes de imagem por causa da Assembleia Constituinte, formada após reivindicações de grandes protestos que incendiaram o país em 2019, e por atritos com os povos mapuches.
No mês passado, ele anunciou a militarização de quatro zonas em regiões habitadas por esses indígenas depois que, em um protesto desses povos na capital, uma mulher foi morta em embate com os policiais. Parlamentares da Constituinte pediram uma investigação sobre possíveis abusos cometidos pelas forças de segurança chilenas.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO