Bandeiras dispostas para a 54ª Cúpula do Mercosul

IMAGEM: Isac Nóbrega/PR

Para pesquisadora da Unesp, bloco vive momento de redefinição e de escolha de "prioridades"

A Argentina assumiu a presidência rotativa do Mercado Comum do Sul (Mercosul) na 61ª Cúpula do bloco, que terminou nesta terça-feira (6), em Montevidéu, capital do Uruguai. O encontro foi marcado por tensões prévias e troca de acusações durante a reunião das autoridades, depois que o Uruguai sinalizou para assinar novos tratados de livre comércio por fora do bloco, violando o estatuto do Mercosul. 

Há uma semana, Argentina, Brasil e Paraguai emitiram um comunicado conjunto prometendo ações de represália caso o Uruguai formalizasse sua entrada no Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico (TPP-11). 

Jair Bolsonaro (PL) foi o único presidente ausente na Cúpula do Mercosul, repetindo sua atitude na última conferência, realizada em julho no Paraguai. Nesta edição, o Brasil foi representado pelo vice-presidente, Hamilton Mourão (Republicanos), e pelo ministro das Relações Exteriores, Carlos Alberto França.

Ao assumir a presidência do bloco, a Argentina terá como prioridade na agenda revisar o acordo Mercosul - União Europeia, assinado em 2019, e iniciar negociações para um tratado de livre comércio com a China. "O Mercosul deve potencializar sua unidade para ver como enfrentar os dilemas que se apresentam. O grande segredo é ver como podemos unir esforços", disse o presidente Alberto Fernández.  

 A Argentina defende a inserção dos países sul-americanos nas cadeias mundiais de valor a partir do Mercosul para conferir maior estabilidade aos acordos. "Devemos decidir qual nível da cadeia queremos ser? Queremos o que agregue valor e dê trabalho. Vemos que Brasil e Paraguai têm uma visão similar, esperamos que o Uruguai também", disse o Ministro de Relações Exteriores da Argentina, Santiago Cafiero, durante a reunião em Montevidéu.  

Todos contra um? 

O anfitrião e presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, abriu a reunião entre presidentes com um discurso que tentou amenizar as polêmicas prévias à 39ª Cúpula, mas manteve a defesa da “liberdade” de cada país para assinar acordos comerciais que o favoreçam. 

"Ninguém veio para a reunião para encontrar mais conflitos, acreditamos que todos vieram para buscar mais consensos. Nós queremos estar abertos ao mundo. Lógico que se vamos em bloco, vamos melhor. É isso que nós queremos, mas não estamos dispostos a ficar quietos, sem fazer nada. Não podemos falar de ruptura, mas de resolver tensões", disse o presidente uruguaio.   

O presidente argentino Alberto Fernández foi contundente na resposta. "Você diz que não quer ruptura, mas numa sociedade quando alguém não segue as regras, está rompendo com as normas. Se as regras precisam ser mudadas, vamos discutir, mas enquanto isso não acontece, devemos respeitá-las", sentenciou. 

A Argentina disse estar disposta a modernizar o bloco, como o Uruguai sugere, revisando as assimetrias entre as economias maiores e menores, mas sem romper consensos prévios.  

"Nesse contexto de desigualdade e assimetria, que Mercosul não resolveu e pensamos em responder, não é uma loucura pensar num banco central. Não é uma loucura nem para o Brasil e nem para a Argentina. Eu estou mais interessado em comercializar com o Brasil, Uruguai, Paraguai, Chile e Bolívia do que comercializar com países fora da zona", afirmou Fernández.  

O presidente paraguaio seguiu o mesmo argumento, propondo mecanismos de compensação. "Nós somos o único país do Mercosul que não tem acesso competitivo aos grandes mercados pela falta de saída ao mar. Nosso bloco deve ter uma estratégia comum", defendeu Mario Abdo Benitez.  

Em nome do Brasil, o general Hamilton Mourão também disse que há disposição em discutir o regulamento interno, mas é necessário preservar a unidade do Mercosul. "Precisamos preservar a fluidez do comércio entre nós, o diálogo intrabloco e a capacidade de chegar a consensos", disse.   

Para a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Karina Mariano, a atitude do Uruguai pode ser um blefe, mas também serve para marcar posição. "Se ele vai ou não concretizar, vai depender muito da reação dos parceiros, em que medida os parceiros irão sentar para negociar e atender as demandas do Uruguai", afirmou em entrevista ao Brasil de Fato. 

A pesquisadora do Observatório de Regionalismo comenta que o bloco passou por certa deterioração nos últimos seis anos e que o Uruguai se apoia na flexibilização adotada durante a negociação de acordos com a União Europeia, em 2019, para defender suas negociações parciais com a China e outros países. 

Tensão entre chanceleres  

Como é de praxe, antes do encontro entre os presidentes do bloco, que acontece no segundo dia de Cúpula, há uma reunião do Conselho do Mercosul composto pelos chanceleres de todas as nações integrantes.  

Na reunião da última segunda-feira (5), já houve uma troca de hostilidades entre os ministros de Relações Exteriores do Uruguai, Francisco Bustillo, e da Argentina, Santiago Cafiero. 

Bustillo defendeu a decisão do governo uruguaio de solicitar a assinatura do Tratado Transpacífico, disse que é momento de "modernizar" o bloco e ofereceu apresentar os termos do pacto para que os países membros revisassem. No entanto, ele advertiu que o Uruguai irá ingressar no TPP-11, independentemente do aval do Mercosul. 

Em resposta, os chanceleres da Argentina, Brasil e Paraguai voltaram a criticar a postura dos uruguaios como "unilateral" por violar os estatutos do bloco.  

"Uruguai deve decidir se está com o Mercosul o se vai com a China. Pensamos que o principal é defender o bloco. E quando falo nós, estou me referindo à Argentina, Brasil e Paraguai", declarou o ministro argentino Santiago Cafiero.  

O ministro paraguaio Júlio César Arriola disse que as posições unilaterais "socavam a imagem do Mercosul" e o chanceler Carlos França afirmou que os acordos devem ser realizados de forma "transparente e honesta". 

Bustillo diz que não houve ruptura e não haverá. "Precisamos de um bloco que queira projetar-se nas dinâmicas e tendências mundiais. Necessitamos um bloco capaz de estreitar laços com outros países e blocos. Não podemos ficar imóveis", disse o chanceler uruguaio. 

As tensões entre Argentina e Uruguai também marcaram a 60ª Cúpula do Mercosul com uma troca de acusações entre os presidentes Alberto Fernández e Luis Lacalle Pou pelas intenções uruguaias de assinar um acordo de livre comércio com a China sem passar pelos demais países do bloco. Na ocasião, Lacalle Pou se referiu ao Mercosul como um "peso" para o Estado uruguaio. 

A China é o principal sócio comercial do Uruguai, seguido do Brasil, que concentrou 80% das exportações uruguaias de leite, malta, arroz e plástico, no primeiro semestre de 2022. 

O Partido Socialista do Uruguai criticou a postura do atual governo, "o país não é uma prancha de surf, senhor presidente", afirmaram em comunicado após Lacalle Pou dizer que a cúpula do Mercosul seria "entretida" pela troca de farpas prévias entre representantes do seu governo e demais membros do Mercado Comum do Sul.  

"Parece que todos os esforços do governo estão centrados em romper com os acordos regionais. A política exterior do país é uma responsabilidade séria, planejada, rigorosa, não depende de humores conjunturais", criticam em nota

Perspectivas 

Em 2023, a presidência rotativa do bloco deve passar para a Argentina, nos primeiros seis meses do ano, e em seguida para o Brasil. 

A Argentina está confiante de abrir uma nova etapa de cooperação no bloco com o governo Lula (PT). "Chega ao governo do Brasil, que é a economia mais pujante da região, um governo que pensa que as desigualdades sociais devem ser atendidas pela política [...] e que também considera que a produção regional, no novo rearranjo de nações, tem que ser através de blocos: pode ser pela América do Sul ou pelo Mercosul", afirmou Santiago Cafiero. 

Professora da Unesp, Karina Mariano acredita que a principal agenda comum entre Brasil e Argentina em 2023 será a reorganização do funcionamento interno do bloco. "Precisamos de um relançamento do Mercosul: definir como deveria ser a integração, quais são as prioridades e ver como ficarão as regras", defende.

Atualmente, a Bolívia aguarda a aprovação final de todos os membros para o seu ingresso no Mercosul, enquanto a Venezuela - suspensa desde 2017 - busca pleitear seu retorno para o bloco. "Daqui uns dois anos, quando o bloco estiver mais estabilizado, a entrada da Bolívia, que tem uma economia estável, parece mais factível. Agora no caso da Venezuela vai depender muito da situação interna, tanto estabilidade econômica, como política", analisa Mariano.
Em 2021, as exportações dos países do bloco para nações de fora do Mercosul somaram US$ 598,9 milhões, sendo soja, milho, ferro, carne e petróleo as principais commodities. China, Estados Unidos e Índia são os principais destinos das exportações.  

Já na relação intrabloco, o volume comercial foi de US$ 40,6 milhões, um aumento de 42% em relação a 2020. O Brasil representou uma fatia de 44% do comércio intrarregional, seguido da Argentina com 37%, Paraguai 11% e o Uruguai 8%, segundo o Sistema de Estatísticas de Comercio Exterior do Mercosul. 

Atualmente o Mercosul possui 11 acordos vigentes, sendo quatro extrarregionais. 

FONTE: BRASIL DE FATO