IMAGEM: Brendan Mcdermid/Reuters
Cerca de 3,3 mil profissionais buscaram visto preferencial para os EUA em 2020, maior número em dez anos
O médico paranaense Guilherme Agnoletto nunca planejou se mudar para os Estados Unidos. Após fazer residência em neurocirurgia, ele recebeu ofertas de especialização no exterior. Ao visitar o país e ver de perto a estrutura do centro de pesquisas, resolveu não voltar ao Brasil.
Ele hoje mora com a esposa, Marjorie, e a filha, Isabella, que nasceu nos EUA, em Salt Lake City (Utah). “Não é fácil resolver as questões burocráticas, a gente se forma no Brasil e tem de passar por provas de aptidão e fazer outra residência, mas aqui eles fazem de tudo para reter talentos e tornar o profissional mais produtivo. Ainda não deu tempo de sentir saudades.”
A família de Guilherme não é um caso isolado. O número de pedidos de trabalhadores brasileiros considerados prioritários e de alta qualificação —como cientistas, atletas ou altos executivos— por um visto de trabalho nos Estados Unidos chegou a 3.387 no ano passado, um aumento de 10,5% em relação a 2019 e o maior patamar em ao menos dez anos.
Segundo dados do Departamento de Imigração norte-americano, compilados por consultorias especializadas do setor, o novo movimento de fuga de cérebros do Brasil ficou mais intenso nos dois primeiros anos de governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Em 2019 e 2020, a busca pelo visto permanente dos tipos EB1 e EB2 aumentou 40%, na comparação com os anos de 2017 e 2018, e 135% quando se compara com 2015 e 2016, quando o país estava em recessão.
No ano passado, apesar do número crescente de solicitações, houve uma queda nas aprovações por conta da pandemia. Um terço dos pedidos ficou pendente naquele ano fiscal, encerrado em setembro.
Na comparação com o resto do mundo, enquanto os pedidos de entrada no mercado de trabalho norte-americano feito por brasileiros cresceram em 2020, a soma de solicitações feitas por todas as nacionalidades teve uma queda de 13%.
Segundo Leonardo Freitas, diretor-executivo da empresa de advocacia de imigração Hayman-Woodward, desde 2018 já era possível perceber um movimento maior de brasileiros que passaram a buscar o caminho do aeroporto como forma de mudar de vida. “Não são apenas profissionais de saúde. São cientistas, engenheiros e economistas que saem em busca de oportunidades.”
O governo do ex-presidente Donald Trump queria rever as regras de elegibilidade, mas segundo as consultorias, não era tão difícil para o trabalhador altamente qualificado conseguir um visto na época e deve ficar mais fácil no governo atual, de Joe Biden.
Pessimista em relação às crises econômica e política que o país tem enfrentado nos últimos anos, o empresário Geraldo Neto, 56, se mudou com a família para uma cidade na Flórida em 2017. O plano inicial era que apenas a filha mais velha deixasse o Brasil, para fazer faculdade.
“A gente olhava para os filhos recém-formados dos nossos amigos, sem emprego ou grandes perspectivas e ficava com receio de que o mesmo acontecesse com a nossa filha.”
Com medo da violência no Rio, Geraldo, a mulher e as duas filhas resolveram ir juntos para o exterior. Hoje, a mais velha estuda design na Pensilvânia, e a família pretende continuar morando fora ao menos até que a mais nova conclua a graduação.
“Antes da mudança, eu já era um investidor-anjo [que aporta recursos em startups]. Aqui, continuo fazendo o mesmo, investindo em empresas nos Estados Unidos, na Europa e também no Brasil”, conta. Ele, que diz ter se adaptado ao novo país, pondera que, apesar dos problemas, ainda acredita em uma virada da economia brasileira nos próximos anos.
As preocupações com a violência, as crises políticas e econômicas e a falta de crença em uma solução no curto prazo são apontadas principalmente pelas famílias com filhos, avalia Jorge Botrel, sócio da consultoria JBJ Parterns. “O Brasil passa, sem dúvida, por uma nova rodada de fuga de cérebros.”
“Há cada vez mais médicos, empresários, altos executivos de empresas e profissionais de tecnologia que sonham em morar no exterior. Sendo que mais da metade deles acaba buscando os EUA”, diz Botrel.
Em seguida, Portugal, Canadá e Inglaterra aparecem como os destinos de preferência. Mas enquanto os Estados Unidos e o Canadá costumam atrair profissionais mais jovens e em início de carreira, quem vai para Portugal geralmente tem mais renda. Nos últimos anos, as empresas também têm ajudado em mais processos de expatriação para a China e os Emirados Árabes.
Uma exceção é o médico pernambucano Daniel Kitner. Mesmo com uma carreira consolidada, ele se mudou com a mulher e os três filhos para os EUA. Após 20 anos de carreira, o geriatra teve de recomeçar praticamente do zero para conseguir exercer a profissão.
“Viemos em busca de qualidade de vida e foi como começar do zero, gastar muitas horas de estudo, viajar carregando livros e fazendo anotações. Mas compensou, a família se adaptou muito bem. Para o Brasil, no entanto, é sempre ruim perder profissionais qualificados”, diz o médico.
O caminho favorito dos profissionais qualificados é buscar o complemento de estudos no exterior por meio de um MBA ou solicitar a expatriação enquanto é funcionário de uma multinacional com filial no Brasil.
“Os EUA abriram uma porta para quem quer empreender e estão com alguma disponibilidade sem precisar fazer investimentos milionários", diz Freitas.
“Alguns deles costumam voltar depois e veem o movimento como uma forma de ganhar experiência e de crescer em uma empresa do Brasil mais tarde”, diz Maitée Camargo, associada sênior da Egon Zehnder, consultoria de gestão de executivos. Ela acrescenta que um diretor de multinacional no Brasil raramente vira presidente sem passar por outros postos no exterior.
Ela lembra que o movimento contrário, de vinda de executivos estrangeiros para o Brasil, teve um boom em 2008, com a crise internacional, e durou até 2012. Agora, esse fluxo se inverteu novamente.
Quem também optou por uma carreira no exterior foi a executiva Camila Finzi, 48. Ela, que ocupava um posto de chefia em uma multinacional farmacêutica no Brasil, onde já trabalhava há 11 anos, esperou as filhas crescerem para aceitar um posto nos Estados Unidos. Após mudar de país com o marido e as duas filhas, ela recebeu uma oferta de outra empresa, no Texas, onde vive hoje.
“Ganhamos em qualidade de vida, apesar de as pessoas não serem tão abertas. Sair do Brasil abriu muitas possibilidades na carreira e, se quiser voltar, vou levar essa experiência extra”, diz a executiva.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO