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Em 2021 a luta laboral nos EUA intensificou-se. Muitos trabalhadores abandonaram publicamente empregos mal pagos e com más condições e houve uma onda grevista. 2022 é o ano da sindicalização. Amazon, Apple, Starbucks e outros locais onde os sindicatos não se conseguiam organizar assistem a processos liderados por jovens não filiados nos sindicatos tradicionais.

Em meados de 2021, dois fenómenos agitavam o mundo laboral norte-americano. Passou a falar-se em “grande demissão” e em “greve geral não declarada”. Por um lado, uma onda inédita de trabalhadores estavam, publicamente e nas redes sociais, a despedir-se, levando a hashtag #QuitMyJob a subir nas tendências das redes sociais. Denunciavam os baixos salários e o assédio laboral sem medo e abandonavam os empregos com estrondo.

Por outro, os EUA assistiam a uma vaga grevista de uma dimensão inaudita nos tempos mais recentes. Em outubro, cunhou-se mesmo um neologismo, o striketober, para descrever toda a mobilização desse mês.

Sonali Kolhatkar explicava-nos o que estava a acontecer e como, em empresas emblemáticas do capitalismo norte-americano como a Kellogg’s e a Deere por exemplo, os trabalhadores se estavam a organizar para processos de luta prolongados e como em muitos locais recusavam as propostas iniciais de acordo das entidades patronais, forçando-as a ir mais longe nas cedências.

A jornalista apontava então a baixa taxa de sindicalização no país como um dos limites destes movimentos: a "grande demissão" era afinal uma resposta corajosa mas individual onde falhavam respostas coletivas e as lutas coletivas que despontavam, mesmo quando radicais e vitoriosas, estavam contidas nos estritos limites do pequeno universo de trabalhadores sindicalizados.

Mas o ambiente estava sem dúvida a mudar. Como mostrava Kim Moody, que dizia tratar-se de uma viragem nas lutas de classes na principal potência capitalista, aproveitando a força dada pela escassez da mão de obra e pelas vicissitudes de uma pandemia que mostrou aos trabalhadores desqualificados o quão eram essenciais apesar dos patrões os manterem em condições laborais péssimas.

E, por essas alturas, a questão da sindicalização tinha voltado também a estar na ordem do dia. Em março/abril desse ano, tinha despontado uma esperança de renascimento do movimento sindical norte-americano. Com uma diminuição sucessiva do número de sindicalizados, com muitas direções sindicais burocratizadas e/ou acomodadas e dependentes da política mainstream e alguns sindicatos com passados obscuros, com muitos locais onde o acesso estava bloqueado aos sindicalistas pelas leis laborais anti-sindicais e contra a liberdade de organização que caracterizam aquele país, o sindicalismo norte-americano parecia num impasse duradouro.

As esperanças de um momento que quebrasse este impasse começaram por ser canalizadas para Bessemer, no Alabama, onde num armazém da Amazon decorria o processo de campanha, votação e lenta contagem de votos que poderia levar à criação do primeiro sindicato no gigante da distribuição online Amazon. As leis dos EUA ditam que, caso o patrão não aceda à criação de um sindicato, é necessário que a maioria dos trabalhadores num local votem para que este se torne realidade. Esta condição terá de ser ainda posteriormente ratificada por um organismo estatal. Este entrave é um elemento perene do bloqueio na sindicalização.

Apesar destas esperanças e do mediatismo nacional, os esforços sindicais nessa votação foram derrotados. E Dan Le Botz questionava as razões disto ter acontecido: a empresa lançou uma milionária e sofisticada campanha para derrotar o sindicato e os principais organizadores sindicais vinham de fora. Contudo, descobriram-se várias irregularidades nos procedimentos da Amazon durante o processo e as autoridades determinaram que o escrutínio fosse repetido. Votos contados, a repetição resultou num aumento do lado pró-sindicalização mas não o suficiente para uma vitória. Contudo, no momento de publicação deste dossier, o desfecho do processo continua incerto porque há centenas de votos contestados e o assunto voltou a ser relegado para o regulador estatal que decidirá.

Mas o momento simbólico acabou por chegar passado um ano, na mesma empresa, noutra parte do país. A 1 de abril de 2022, a potente imagem de trabalhadores abraçados a saltar de felicidade percorreu o mundo. Finalmente nascia um sindicato na Amazon, no Armazém JFK8 de Nova Iorque, a partir de um grupo de trabalhadores jovens e não ligados ao sindicalismo tradicional.

Estas são características identificadas por Harold Meyerson não só neste caso mas também em vários dos outros processos de sindicalização que já estavam a decorrer e nos outros desencadeados pelos exemplos de vitórias recentes como esta. Se ao longo dos últimos dois anos até já se tinham registado alguns avanços com processos de sindicalização em setores de trabalhadores com “empregos protegidos”, ou seja aqueles em que, pelas suas competências particulares, estarão mais protegidos do despedimento, agora passava-se a outro patamar.

A grande diferença é que, ancorados, para além do momento do mercado de trabalho, também na politização que o precedeu, salienta o editor do The American Prospect, a revolta estendeu-se aos millenials que os empregadores podiam facilmente substituir e entrou em locais de trabalho e empresas até agora inalcançáveis.

Para além da Amazon, o outro exemplo sintomático é o da Starbucks, onde há “uma mão de obra desproporcionalmente jovem e altamente escolarizada mas submetida a todos os caprichos de horários e a todas as ameaças de despedimento que a direção possa fazer”. Aí, depois da primeira vitória de uma votação de sindicalização no final do ano passado, em Buffalo, Nova Iorque, há já cem lojas com votações de sindicalização ganhas e decorrem ainda outras centenas.

análise de John Logan vai no mesmo sentido do que esta, destacando “a natureza não convencional das campanhas de organização”, a forma como estão a conseguir quebrar o medo instalado e a desfazer os argumentos tradicionais dos patrões que costumam insistir na ideia de que os sindicatos são elementos estranhos à empresa e que só querem ganhar dinheiro com as quotas. Desta vez, são pessoas de dentro das empresas, com “um grau significativo de auto-organização”, o que marca, de acordo com este especialista em relações laborais, “uma mudança profunda relativamente à forma como o movimento sindical operava tradicionalmente, tendendo a ser mais centralizado e dirigido por dirigentes sindicais experientes”.

Alex N. Press junta o setor do retalho a estas duas experiências e fala sua importância mo “contágio” que faz com que uma vitória desencadeie novos processos de ação coletiva. Empresas como a Target e a Trader Joe’s estão a assistir agora a processos de sindicalização um pouco por todos os Estados Unidos.

Onde também isto está a acontecer é na Apple. Em abril uma primeira loja da empresa, em Atlanta, desencadeou o processo que vai a votos no início de junho e as perspetivas são de vitória: 70 dos 100 trabalhadores desse local de trabalho assinaram o pedido de realização da votação num sinal claro da sua vontade. Várias outras lojas estão a juntar-se ao movimento.

Em todas estas empresas, e nisso os autores que participam neste dossier são unânimes, os patrões não estão dispostos a ceder facilmente à vaga de sindicalização. Alex N. Press conta como lançam campanhas anti-sindicais apoiadas nos gestores locais, despedem pessoas que acham que estejam a liderar os movimentos e fazem contratos milionários com escritórios de advogados e empresas de consultadoria para tentar evitar que os trabalhadores possam organizar-se.

Para ela, os trabalhadores da Amazon e da Starbucks “enfrentam empresas que farão tudo o que estiver ao seu alcance para quebrar a sua determinação e ímpeto”. E o momento é decisivo: se “há sempre uma guerra de classes”, estas campanhas são uma ofensiva há muito esperada pela classe trabalhadora e "será um golpe para todos nós se elas não forem bem sucedidas”.

FONTE: ESQUERDA.NET