IMAGEM: PETRONOTÍCIAS
Candidato pretende retomar política de conteúdo nacional com objetivo de viabilizar expansão da cadeia de fornecedores. Revisão da legislação de fomento à indústria naval é outra das metas em caso de um terceiro governo, com objetivo de incentivar encomenda de novas embarcações aos estaleiros nacionais. Lula vê espaço para atividades além construção de navios e plataformas — como para energia eólica offshore —, além de desmontes e desmantelamentos de embarcações e estruturas flutuantes
Nesta semana Portos e Navios publica entrevistas com três candidatos à Presidência da República dentre os quatro mais bem posicionados nas pesquisas eleitorais, segundo a BTG/FSB (nº BR-07560/2022) e Ipec (BR-01390/2022).
O tema central é a indústria naval brasileira. Optamos por concentrar a maior parte dos questionamentos nesse setor, por entendermos que é o mais suscetível às mudanças políticas, dentre os assuntos que compõem a linha editorial da Portos e Navios. É também o que sofreu maior impacto econômico, político e pandêmico nos anos recentes.
Iguais perguntas foram enviadas aos candidatos Luiz Inácio Lula da Silva (PT), da coligação ‘Brasil da Esperança’; Jair Bolsonaro (PL), da coligação Pelo Bem do Brasil; Simone Tebet (MDB), da coligação Brasil para Todos; e Ciro Gomes (PDT).
Igual prazo foi dado a todos os candidatos. A candidatura do atual presidente da República não respondeu aos questionamentos da Portos e Navios.
As entrevistas estão publicadas na ordem em que as respostas chegaram à Redação. A segunda delas, nesta terça-feira (20), é com Luiz Inácio Lula da Silva.
Nascido em 27 de outubro de 1945 no município de Garanhuns, no interior de Pernambuco, Lula migrou para a cidade do Guarujá (SP) com sua família, aos sete anos de idade. Em 1956, conseguiu seu primeiro emprego aos 12 anos, em uma tinturaria. Dois anos após, começou a trabalhar com carteira assinada pela primeira vez, nos Armazéns Gerais Columbia. Pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), tornou-se metalúrgico após concluir o curso de torneiro mecânico — profissão que exerceu por diversos anos.
Em 1972, foi eleito como primeiro-secretário e, três anos mais tarde, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema (SP), sendo reeleito em 1978.
Em 1980, fundou o Partido dos Trabalhadores (PT) ao lado de outros sindicalistas, intelectuais, políticos e representantes de movimentos sociais. Em 1982, disputou as eleições ao governo de São Paulo. Em agosto de 1983, participou da fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Em 1986, foi eleito o deputado federal mais votado do país para a, então, Assembleia Constituinte. Em 1989, foi candidato a presidente da República, assim como em 1994 e 1998, sem obter êxito nas urnas. Sua eleição para o maior cargo do país ocorreu em 27 de outubro de 2002, aos 57 anos de idade, quando conquistou quase 53 milhões de votos. Foi reeleito para um segundo mandato em 29 de outubro de 2006, obtendo mais de 58 milhões de votos, a maior votação da história do Brasil. Agora, em 2022, o petista volta a concorrer à presidência da República.
Portos e Navios – O Brasil possui estaleiros de diferentes portes, ociosos ou com poucos projetos. Analistas dizem que falta uma política de Estado, independentemente do governo que assuma o poder, para que a construção naval garanta uma carteira perene de projetos e maior estabilidade. Qual a visão de sua campanha sobre esse setor?
Luiz Inácio Lula da Silva – Nós pretendemos desenvolver um grande plano de investimentos, em especial de infraestrutura, para alavancar a retomada econômica do país e a geração de empregos de qualidade. Entre as prioridades desse plano estão os investimentos na indústria naval brasileira.
Retomaremos a política de conteúdo nacional, para viabilizar a expansão de uma cadeia de fornecedores localizados no Brasil, para diversas áreas, entre elas a indústria naval, como já fizemos em nossos 13 anos à frente do governo federal, quando o setor se expandiu e alcançou 82 mil empregos diretos e 320 mil indiretos. Com o desmonte dessa política, o setor naval hoje está com suas estruturas produtivas altamente ociosas e empregando apenas 22 mil trabalhadores diretos e 80 mil indiretos – uma perda de 75% da mão de obra no setor.
Revisaremos a legislação de fomento à indústria naval, propiciando as condições para incentivar a encomenda de novas embarcações aos estaleiros nacionais. Consideramos que há espaço para a diversificação de atividades do setor para além das plataformas, embarcações e reparo da frota existente, incluindo torres e navios para energia eólica offshore, desmontes e desmantelamentos de navios e estruturas flutuantes, inclusive de plataformas de petróleo, entre outras.
Portos e Navios – Empresas e entidades setoriais alegam que o Custo Brasil inviabiliza a competitividade dos estaleiros nacionais, principalmente frente aos concorrentes asiáticos. Seu programa de governo tem propostas que contribuam com o aumento da competitividade para toda a cadeia industrial (estaleiros, fornecedores, subfornecedores)?
Luiz Inácio Lula da Silva – O déficit de competitividade da indústria naval brasileira tem várias causas e não apenas o alegado Custo Brasil. A curva de aprendizagem, a atualização tecnológica e a formação de mão de obra também desempenham um papel relevante. O período de 2003 a 2015 demonstrou que houve uma curva rápida de aprendizagem no setor, que resultou em entregas antecipadas à Petrobras, antecipando receitas para a empresa.
Infelizmente, a paralisação dos investimentos, ocorrida desde 2016, impactou demais o setor e na retomada será necessário recompor essas capacidades. Acreditamos que, no próximo período, será possível ter uma curva de aprendizagem mais rápida do que a do momento anterior.
Portos e Navios – A campanha enxerga a indústria naval brasileira com potencial de gerar emprego e renda para o país, que ainda possui milhões de desempregados? Em qual escala esse setor pode contribuir?
Luiz Inácio Lula da Silva – O setor de infraestrutura é intensivo em mão de obra. Com os investimentos do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), entre 2007 e 2016, o emprego no setor de infraestrutura cresceu em um ritmo 60% superior ao ritmo do conjunto da economia. Com isso, o Brasil alcançou taxas de pleno emprego em 2014. A indústria naval não é diferente do conjunto do setor de infraestrutura. Ela é importante para que o Brasil alcance índices de investimentos mais altos, que propiciem a retomada do crescimento econômico e, juntamente a isso, amplie a quantidade de empregos de qualidade no país.
Portos e Navios – Em 2022, o governo sancionou a Lei 14.301/2022 (BR do Mar), que trouxe mudanças nas leis de afretamento de embarcações, flexibilizando a importação de navios para operarem na costa brasileira (cabotagem). Essa lei, que ainda passa por regulamentação, foi criticada por alguns segmentos da indústria por desestimular a construção naval do país. Sendo eleito, esse programa vai receber uma atenção especial em seu governo?
Luiz Inácio Lula da Silva – Estimular o transporte por cabotagem é uma diretriz importante para a logística brasileira. Portanto, nosso governo dará atenção especial ao setor. Concordamos com as críticas à Lei 14.301/2022 (BR do Mar), no que se refere ao desestímulo da construção naval do país e a precarização no uso da mão de obra, ao desobrigar a contratação de tripulação brasileira. Devemos aprimorar o marco regulatório da BR do Mar, com o intuito de incentivar a cabotagem, proteger os empregos locais e a indústria naval nacional.
Portos e Navios – Qual seria sua proposta para ampliar a navegação por hidrovias, considerando que nossos rios ainda são poucos explorados em comparação às rodovias, por exemplo? Qual seria seu projeto para o setor hidroviário do Brasil?
Luiz Inácio Lula da Silva – Nos governos Lula e Dilma foram feitos investimentos com o objetivo de ampliar e melhorar a navegabilidade dos rios e de reformar ou construir terminais hidroviários de carga e passageiros, especialmente no Norte do país, onde esse tipo de transporte é estruturante. Foram concluídos 35 empreendimentos em hidrovias e 49 estavam em andamento, em maio de 2016. Destacam-se as ações estratégicas como as eclusas de Tucuruí, os terminais hidroviários na região Norte e as obras na Hidrovia do Tietê.
Nosso governo pretende implementar, entre outras, as seguintes ações para o setor aquaviário: ampliar a navegabilidade dos rios brasileiros, a partir de ações de dragagem, derrocagem e sinalização por meio de soluções sustentáveis; construir ou reformar terminais fluviais de carga e passageiros, equacionando o sistema de gestão dessas infraestruturas com a revisão do arcabouço legal existente.
Também pretendemos aprimorar os serviços e a qualidade do transporte de passageiros, visando aumentar a segurança e a dignidade dos usuários; fomentar a construção de embarcações com recursos do Fundo da Marinha Mercante (FMM) e incentivos para utilização de conteúdo nacional.
Portos e Navios – A movimentação de cargas nos portos brasileiros vem crescendo nos últimos anos, muito em função das exportações de commodities agrícolas. Quais são as propostas para tornar o setor portuário brasileiro mais moderno, eficiente e competitivo?
Luiz Inácio Lula da Silva – A atividade portuária é essencial ao país, respondendo por uma parcela substantiva da corrente de comércio exterior e do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. As importações e exportações pelos portos bateram por volta de 1,2 bilhão de toneladas, em 2021. Durante os nossos governos, os investimentos realizados propiciaram o aumento da movimentação portuária em cerca de 90%, saltando de 529 milhões de toneladas em 2002, para mais de um bilhão de toneladas, em 2016.
Essa situação é fruto das mudanças implementadas pelos governos do PT, em especial, a partir dos investimentos públicos e da Lei dos Portos (Lei nº 12.815/2013), que foi o novo marco regulatório para o setor, fundamental para organizar e fomentar a ação do setor privado na área. Atualmente, graças à mudança no marco regulatório, existem 214 TUPs (Terminais de Uso Privado), 43 ETCs (Estações de Transbordo de Cargas), quatro IPTs (Instalações Portuárias de Turismo), 174 contratos de arrendamentos e 29 contratos de transição.
Além do novo marco regulatório, nós tomamos outras medidas institucionais, que transformaram a organização do sistema portuário nacional com o Plano Nacional de Logística Portuária (PNLP), os Planos Mestres de cada porto; a padronização dos Planos de Desenvolvimento e Zoneamento (PDZs), o programa Porto sem Papel, o Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – Reporto, entre outros.
Para continuar ampliando a capacidade dos portos brasileiros, nós devemos buscar maior eficiência operacional das instalações portuárias existentes, aumentando a competitividade das exportações brasileiras. Esse é, certamente, o maior desafio do setor portuário. Nos portos públicos, o foco é no investimento na infraestrutura com recursos das autoridades portuárias e do OGU (Orçamento Geral da União), assim como fizemos nas gestões do presidente Lula e da presidenta Dilma.
Para enfrentar esses desafios do setor portuário será necessário trabalhar em várias dimensões, como investir na melhoria da gestão dos portos públicos, de forma a preservar as funções públicas das autoridades portuárias, como planejamento e fiscalização e com o foco na redução das tarifas; dar continuidade ao processo de arrendamento em áreas novas ou de arrendamentos vencidos e autorização para instalação de terminais de uso privado, buscando a otimização operacional, ganhos de escala e aumento da concorrência.
Vamos aperfeiçoar o programa Porto sem Papel, visando à desburocratização e à agilidade nas operações portuárias; retomar as obras de expansão com investimentos públicos da infraestrutura portuária – áreas operacionais, sistemas de atracação, dragagem, derrocamento, acessos rodoviários e ferroviários dos principais portos do país; promover a sustentabilidade ambiental das instalações portuárias, considerando sua adaptação às políticas de combate às mudanças climáticas e de transição da matriz energética do transporte marítimo.
Portos e Navios – Pequenos a grandes embarcadores reclamam do Custo Brasil. É possível reduzir os custos do comércio exterior brasileiro?
Luiz Inácio Lula da Silva – Acreditamos que o sistema de comércio exterior do Brasil pode e deve ser aperfeiçoado. Por essa razão, vamos priorizar a desburocratização e o aumento da eficiência do comércio exterior, de modo a favorecer um aumento da competitividade e a inserção internacional ativa das empresas brasileiras nas cadeias de suprimentos globais. Assim, nós vamos revisar a legislação do comércio exterior brasileiro, digitalizando os procedimentos e concluindo o processo de integração dos órgãos anuentes no portal único de comércio exterior.
Outra medida fundamental que enfrentaremos serão os investimentos necessários para a superação dos gargalos de acesso aos portos, rodoviários ou ferroviários, a exemplo do que fizemos no PAC, por exemplo, com as marginais à direita e esquerda do Porto de Santos.
FONTE: PORTOSeNAVIOS