Plataforma de gás israelense para o campo Leviathan no Mediterrâneo Oriental.

Os dois países, tecnicamente ainda em guerra, chegam a acordo sobre o primeiro contato direto em 30 anos

A bonança que promete o gás natural enterrado sob as águas do Mediterrâneo Oriental favorece a reaproximação entre os inimigos. Líbano e Israel, que permanecem tecnicamente em guerra desde que se enfrentaram em 2006, anunciaram na quinta-feira um acordo para negociar a delimitação de sua fronteira marítima, uma área disputada que corre entre os principais depósitos na costa do Levante. O entendimento entre os dois países, que há três décadas não mantinham conversas diretas, ocorre após três anos de mediação dos Estados Unidos.

Crise política e econômica do Líbano, exacerbada pela explosão massiva que devastou o porto de Beirute há dois mesese causou quase 200 mortes, parece ter acelerado os contatos diplomáticos atolados por uma inimizade regional de longa data. O acordo-quadro firmado com Israel estabelece que as negociações de delimitação da fronteira marítima acontecerão sob os auspícios da ONU, na sede da Força Provisória das Nações Unidas para o Líbano (UNIFIL) em Naqura, localizada a poucos quilômetros da fronteira. Israelense. Os Estados Unidos atuarão como mediadores e promotores do diálogo a pedido de ambos os países, conforme anunciado pelo presidente do Parlamento libanês, Nabih Berri, cujo partido, Amal, sofreu recentemente sanções do Departamento de Estado contra altos funcionários da organização moderada xiita.

O chefe da diplomacia norte-americana, Mike Pompeo, felicitou-se imediatamente pelo resultado obtido "após longos anos de intensos esforços internacionais", através de um comunicado oficial. O subsecretário de Estado para o Oriente Médio, David Schenker, já havia antecipado em setembro a reaproximação entre as partes e a disposição para iniciar as negociações.

Israel também foi rápido em confirmar o acordo para o início das negociações de delimitação da zona marítima, que por enquanto exclui as queixas pendentes de fronteira terrestre do Líbano. O ministro da Energia, Yuval Steinitz, afirmou que as negociações serão diretas e começarão em meados de outubro, após o fim do feriado judaico. O ministro das Relações Exteriores de Israel, Gabi Ashkenazi, por sua vez destacou o importante papel desempenhado pela mediação norte-americana na obtenção de entendimento.

Enquanto Israel já começou a explorar em sua zona econômica marítima os grandes campos de Tamar e Leviatán, atualmente operados pela petrolífera norte-americana Chevron, o Líbano tenta desde 2018 conseguir um consórcio liderado pela francesa Total e pela italiana ENI para iniciar a exploração da riqueza do gás que está sob suas águas de exploração exclusiva. Dois dos setores em que ainda não fizeram pesquisas estão na área em disputa com Israel.

“Se a demarcação for bem-sucedida, há uma margem muito ampla, principalmente no que diz respeito aos blocos 8 e 9, para que possamos pensar em poder pagar nossas dívidas”, disse Berri em Beirute, citado pela agência de notícias Efe. Em meio à pior crise nacional desde a guerra civil que devastou o Líbano entre 1975 e 1990, a delimitação da fronteira marítima ajudaria a desbloquear a concessão a empresas internacionais de pesquisa e exploração de recursos de hidrocarbonetos. Aliado do partido miliciano Hezbollah - declarado inimigo do Estado judeu - o Presidente do Parlamento atua com independência como responsável pelas negociações na fronteira marítima.

Delegação militar libanesa

Espera-se que a delegação libanesa nas negociações com Israel seja chefiada por membros do Exército, uma das poucas instituições estritamente nacionais dentro da complexa distribuição de poder confessional e étnico.

Mediterrâneo oriental, centro histórico de conflitos, esconde grandes reservas de gás longe de seu principal mercado. Por isso, a UE está promovendo um projeto de gasoduto para conectar —por Chipre, Grécia e Itália— os depósitos marítimos do Levante, como meio alternativo de fluxos de energia que reduzem a dependência europeia da Rússia.

O calcanhar de Aquiles do projeto é o alto custo de transporte do gás levantino, o que o tornaria mais caro em até 40% em relação ao gás russo. O orçamento da complexa obra de engenharia, superior a 6.000 milhões de euros, e as dificuldades técnicas de a realizar a profundidades até 3.300 metros abaixo do nível do mar condicionam o projecto. O Líbano, por sua vez, espera ter reservas de gás semelhantes às de Israel, segundo estimativas preliminares do governo de Beirute, ainda não confirmadas por prospecção.

FONTE: EL PAÍS