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Brasil pode ser um importante aliado dessa transição da navegação mercante para uma operação mais limpa.

Indústria naval e órgãos regulatórios unem esforços para reduzir as emissões de poluentes das embarcações mercantes. O Brasil pode ser aliado importante dessa transição

Todos os anos, 100 000 navios mercantes cruzam os oceanos para transportar 80% de tudo o que é consumido no mundo. Essa frota colossal é tão indispensável quanto poluente: 98% das embarcações são movidas a combustíveis fósseis, o que as tornam responsáveis por 3% das emissões globais de gases causadores do efeito estufa. Parece pouca coisa, mas é muito: o percentual equivale a tudo o que é emitido pelo Japão, um dos países mais ricos e com elevado índice de industrialização. Até pouco tempo atrás, as preocupações das autoridades ambientais concentravam-se apenas nos automóveis e aviões — tanto é assim que carros elétricos e aeronaves movidas a combustíveis renováveis se tornaram alvo de robustos investimentos. Agora, contudo, emergem diversas iniciativas para limpar a frota marítima, e isso poderá fazer grande diferença para a saúde sustentável do planeta.

A Organização Marítima Internacional (IMO), agência das Nações Unidas que atua como reguladora da navegação, estabeleceu metas para zerar as emissões de poluentes do setor até 2050. A partir de 2027, uma penalidade — cujo formato final ainda está em debate — começará a ser aplicada com o objetivo de desestimular o uso de combustíveis fósseis no transporte marítimo. De acordo com a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento, descarbonizar a marinha mercante mundial poderá custar entre 8 bilhões de dólares e 28 bilhões de dólares por ano. Além disso, a infraestrutura necessária para o uso de combustíveis neutros em carbono demandará entre 28 bilhões de dólares e 90 bilhões de dólares anualmente. Não é difícil imaginar, portanto, o impacto financeiro que as medidas provocariam, aumentando o custo do frete e, por consequência, o preço final das mercadorias vendidas aos consumidores.

Outro entrave é a idade da frota — muitos navios em circulação são velhos demais para ser reformados ou jovens demais para ser descartados. Duas propostas estão sendo discutidas pela IMO. A primeira, apoiada por países como Brasil, China, Noruega e Argentina, envolve a adoção de um sistema de balanço de créditos e déficits. Nesse modelo, os navios seriam penalizados pelas emissões que ultrapassassem a meta progressiva de redução. A segunda proposta, apoiada especialmente pela União Europeia e as ilhas do Pacífico, é mais rígida e defende a implantação de um imposto fixo sobre todas as emissões dos navios, não apenas sobre o excedente da meta. Nesse acaso, a ideia é criar um fundo para financiar a transição energética dos navios. “Inicialmente, a transição para práticas mais ecológicas implicará custos adicionais, especialmente para países em desenvolvimento”, afirma Arsenio Dominguez, secretário-geral da IMO.

Um estudo feito pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq/USP) indica que, com a implementação do imposto fixo defendido pela União Europeia, o custo de transporte da soja do Brasil para a China aumentaria em pelo menos 14 dólares por tonelada já em 2027. Como o barco não pode remar contra a maré, a indústria começa a se mobilizar para entregar soluções mais limpas e, por ora, mais viáveis. Os navios estão sendo adaptados para operar no sistema de propulsão de duplo combustível, num modelo parecido com os motores flex dos automóveis. Para isso, são considerados combustíveis alternativos, especialmente biocombustível, hidrogênio verde, gás natural e amônia, além de baterias para propulsão elétrica.

Alguns projetos saíram do papel e já estão singrando os mares. A montadora BYD construiu um navio com sistema que utiliza, além do combustível convencional, o gás natural liquefeito para transportar suas encomendas de carros elétricos. Em maio, o Explorer 1 saiu do Porto de Lianyungang, no norte da China, para atracar no Porto de Suape, em Pernambuco, carregando 5 000 veículos da marca. A empresa diz que outras sete embarcações se juntarão à frota verde nos próximos anos. “Atualmente, pouco mais de 1% da frota global possui propulsão por bicombustível”, diz Jayendu Krishna, chefe da consultoria marítima Drewry, sediada em Singapura. “No entanto, quase 30% da carteira de encomendas global inclui navios com essa tecnologia, indicando uma tendência crescente e um compromisso significativo do setor de navegação rumo à descarbonização.”

Krishna lembra que a Evergreen Marine, a maior empresa de transporte de contêineres de Taiwan, encomendou 24 embarcações movidas a biocombustível. Não é só. A alemã Hapag-Lloyd e a canadense Seaspan estão reformando suas embarcações para adotar o sistema de biocombustível, enquanto o gigante dinamarquês Maersk já tem três navios de contêineres movidos a metanol e outros 25 encomendados. Trata-se, de fato, de uma revolução. “Estamos investindo em combustíveis e tecnologias para a redução das emissões em toda a cadeia”, afirma Danilo Veras, chefe de relações públicas da Maersk para a América Latina. A empresa almeja reduzir em 35% suas emissões de gás carbônico até 2030. Há projetos ainda mais ousados. O grupo norueguês Yara lançou o primeiro cargueiro autônomo e elétrico do mundo, o Yara Birkeland, mas seu custo de produção supera em três vezes o de uma embarcação convencional do mesmo porte.

O combustível do futuro para a marinha mercante ainda não está definido, mas o Brasil desfruta de vantagens competitivas nessa área. “O comércio exterior vai ter aumento de custos, ainda mais o Brasil, que tem uma rota longa para a Ásia, nosso maior parceiro comercial”, afirma o almirante Ilques Barbosa Junior, ex-comandante da Marinha e coordenador de relações institucionais do Cluster Tecnológico Naval do Rio de Janeiro, um espaço que fomenta inovações no setor. “Mas, por outro lado, a descarbonização naval representa uma oportunidade para o nosso etanol.” Recentemente, a finlandesa Wärtsilä, fornecedora de equipamentos navais, fechou uma parceria com a brasileira Raízen, gigante com atuação no segmento de energia, para o desenvolvimento de um navio movido a etanol. A adoção desse combustível provocará grande impacto — estudos mostram que ele reduz em até 90% as emissões de poluentes. Com essas medidas, o futuro dos oceanos deverá ser cada vez mais verde.

FONTE REVISTA VEJA – Luana Zanobia