ARTE:CNN
Criada para interligar a região central do Brasil aos portos do Pará, os mais próximos para despachar cargas para Estados Unidos e Europa, a hidrovia está prestes a ter um dos gargalos solucionados
São 50 anos de espera. Tempo em que o projeto do Sistema Hidroviário Tocantins-Araguaia passou pelas mãos de onze presidentes da República, de 27 ministros dos transportes e incontáveis dias nas gavetas de outros gabinetes de Brasília.
Toda essa demora é justificada pelos entraves, sobretudo ambientais, que precisavam ou precisam ser resolvidos para que a proposta saia do papel e o sistema fique completo.
Hoje, quatro trechos da hidrovia são usados para navegação. Pelos chamados ‘tramos’ – caminhos por onde as embarcações podem passar – são transportados grãos e minério. Atualmente são cerca 1.500 km navegáveis. Com a desobstrução da parte do rio na altura de Marabá, no Pará, esse trecho poderá dobrar (veja ilustração – como vai ficar) e ser integrado a outra hidrovia: a do Amazonas.
No meio do caminho existe uma pedra
Para que a navegabilidade seja viável em todo o curso da hidrovia, um trecho de 43 km conhecido como Pedral do Lourenço precisa ser desobstruído. Por se tratar de um conjunto rochoso no meio da água, será necessário, segundo técnicos do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), fazer a destruição das pedras na área.
E aí está o impasse. De 1990 para cá, o derrocamento do Pedral do Lourenço recebeu três licenças prévias de autorização do Ibama. No entanto, uma lista de exigências precisava ser cumprida: desde a necessidade de elaboração de programa de gestão de efluentes, até o de controle de qualidade do ar, de monitoramento da qualidade da água, bem como o monitoramento das diversas espécies da fauna e flora, plânctons, morcegos e aves.
A licença mais recente foi emitida em outubro do ano passado. Desde então, a licitação da obra foi entregue para a empresa DTA Engenharia e custará cerca de R$1,1 bilhão aos cofres públicos. A empresa está trabalhando para atender as condicionantes, incluindo a elaboração do Plano de Gestão Ambiental (PGA); a aprovação do projeto básico; e a elaboração do projeto executivo.
À CNN, o presidente da DTA Engenharia, João Acácio, informou que a licença de instalação deve ser concedida no fim deste ano; e que as obras devem começar no primeiro semestre de 2024. “É uma obra no coração do Brasil que vai gerar uma hidrovia de mais de 500 quilômetros. É uma obra sofisticada que sem dúvidas vai aumentar o emprego e renda na região, especialmente quando a logística de transporte tiver implementada”, afirma o presidente.
Pelo contrato, fiscalizado pelo DNIT, a DTA Engenharia tem até o fim do ano para elaborar o Plano de Gestão Ambiental e elaborar o projeto executivo. Com a mudança recente de governo, os trâmites relacionados ao tema passaram do antigo ministério da Infraestrutura para o Ministério de Portos e Aeroportos.
Por meio de nota, o DNIT informou que, com as obras de derrocamento no Pedral do Lourenço e com a dragagem, será possível ter disponibilidade para navegação superior a 90% do tempo no trecho entre Marabá e Baião. Ainda de acordo com o órgão, a duração da obra de derrocagem deve durar 33 meses.
Sobre o Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/Rima), o DNIT explicou que foram elaborados entre 2016 e 2018 e enviados ao Ibama em 2018. “De acordo com levantamento feito pelo DNIT nas colônias de pescadores nos seis municípios da área de influência direta do empreendimento (Marabá, Itupiranga, Nova Ipixuna, Breu Branco, Tucuruí e Baião), há aproximadamente 12 mil pescadores na região”, esclarece o texto.
Pelos cálculos do DNIT, a explosão do Pedral deve ocorrer em breve. Já as obras de dragagem seguem sem definição. Em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou uma série de falhas no processo de licitação que impediram o avanço das obras.
Hidrovia é considerada vetor do desenvolvimento regional
A hidrovia é composta por quatro bacias hidrográficas: Araguaia, Marajó, Pará e Tocantins, localizadas na porção central do país, entre as regiões norte e centro-oeste. Se contarmos os rios principais e seus afluentes, a hidrovia Araguaia-Tocantins será inserida na segunda maior bacia hidrográfica do Brasil.
Essas bacias fazem parte do território do Pará, Mato Grosso, Tocantins, Maranhão e Goiás, além de uma pequena porção do norte do Distrito Federal, com uma área total de 918.243 km².
De forma direta, a obra do Pedral do Lourenço viabilizará uma conexão da Hidrovia Araguaia-Tocantins, o que deve permitir o escoamento de produtos de estados como Pará, Tocantins, Goiás e Mato Grosso ao Porto de Barcarena, com possíveis reduções de custos no transporte dessas cargas.
Pedro Victoria Junior é engenheiro civil, especialista em planejamento de transportes e obras públicas. Na sua visão, a extensão da hidrovia é necessária para melhorar a infraestrutura de transportes brasileira.
“Na medida em que o Estado disponibiliza uma alternativa de transporte mais barata, toda uma cadeia logística se beneficia. Os produtores e as tradings passam a dispor de uma alternativa mais barata, eficiente, segura e sustentável para escoarem a sua produção”, afirma o especialista, que completou: “Isso representa lucro para o produtor, que poderá investir esse ganho na sua produção, melhorando na técnica de plantio, aumentando sua produtividade, com benefício geral para o país”.
A ampliação da hidrovia também deve trazer benefícios sociais para as regiões que ficam às margens dos rios. Isso por conta da geração de emprego e renda trazido por empresas graneleiras, complexo portuário e transportadoras.
Pela água, pelos trilhos ou pelas rodovias? A obra viabilizará a navegação de comboios constituídos por nove barcaças, cada uma com 200 metros de comprimento, coladas umas às outras de três em três.
Meio ambiente e comunidades ribeirinhas preservados
Toda intervenção na natureza traz impactos. No caso da derrocagem do Pedral do Lourenço, esse era um dos pontos questionados por autoridades e ambientalistas. Com a garantia dos executores de que vão adotar as melhores práticas do mundo para realizar o serviço, as licenças têm sido concedidas.
Um dos exemplos dessa ação está relacionada a proteção da fauna aquática. Na explosão do basalto, que é uma rocha muito dura, serão formadas cortinas de bolhas. Haverá ‘tiros’ antecipados para afugentar os peixes.
Quanto às pedras, serão lançadas no leito mais profundo do rio. Ali, segundo a empreiteira, serão criados ecossistemas mais favoráveis para o desenvolvimento das espécies aquáticas.
Outra preocupação era com a população ribeirinha, que depende da pesca para sobrevivência. As associações de moradores foram chamadas a participar das audiências públicas e, aos poucos, têm entendido o papel da hidrovia para o desenvolvimento econômico e também social.
De toda forma, ainda há cobrança por compensação, como defende o presidente da associação que representa os ribeirinhos da região, Ademar Ribeiro. “O que vamos cobrar é que as comunidades não fiquem sem receber as devidas compensações quando das obras de remoção de pedras submersas”, disse o presidente da Associação das Populações Organizadas das Vítimas das Obras no rio Tocantins e Adjacências (Apovo) em reunião com representantes do Ministério Público Federal.
Alguns trabalhadores foram contratados por empresas que atuam na região. Cursos de qualificação também serão ofertados para que alguns estejam preparados para atuar na cadeia logística.