IMAGEM: Foto: Geraldo Bubniak/AENPR
Caged muda resultado do ano passado de abertura de 75 mil vagas para fechamento de 191 mil
O governo revisou novamente os dados do mercado de trabalho em 2020 e o ano, que registrava até então a criação de 75,9 mil vagas, passou a apresentar um corte líquido de 191,5 mil vagas —acabando com o discurso do governo de que houve melhora do emprego formal mesmo durante a pandemia.
Essa é a segunda vez que os dados de 2020 passam por uma revisão significativa. No começo de novembro, foi revelado que os dados atualizados pelo governo apontavam a metade da criação de vagas do originalmente divulgado.
Segundo dados divulgados em janeiro pelo Ministério da Economia, o indicador havia ficado positivo em 142,6 mil vagas em 2020. Após ajustes com números entregues por empresas fora do prazo, o saldo encolheu 46,8%, para 75,9 mil vagas criadas. Agora, houve uma revisão de mais 267 mil vagas –o que tornou o resultado do ano negativo.
O economista Daniel Duque, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), afirma que os novos dados revelam que as demissões estavam subnotificadas no país durante a pandemia e que agora está esclarecida a diferença entre os dados do Caged e do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) —que apontavam dificuldades maiores no mercado de trabalho. "Está explicado finalmente esse enigma", disse.
Para ele, a discrepância nas informações ocorreu tanto pela implantação da nova metodologia do Caged (que leva em conta agora os dados informados pelo eSocial, sistema pelo qual as empresas prestam informações ao governo) como pela pandemia.
"Isso [mudança metodológica e pandemia] gera o cenário perfeito para ter subnotificações de demissões no momento em que você fecha sua empresa. Não acho que o governo seja culpado, mas a euforia que foi propagada se revelou não condizente com a realidade do mercado de trabalho", afirmou.
Para Duque, a mudança não altera seus cenários daqui para frente pois ele já procurava desconsiderar o Caged como base para as estimativas.
O dado originalmente positivo foi amplamente comemorado pelo governo, que celebrava a resiliência do mercado de trabalho mesmo enquanto a pandemia atingia em cheio a atividade econômica.
Em janeiro, ao divulgar os dados de 2020, o ministro Paulo Guedes (Economia) comemorou o saldo positivo superior a 100 mil vagas geradas. "De um lado, o auxílio emergencial fez a maior transferência direta de renda. E, por outro lado, o programa de empregos preservou 11 milhões de empregos", disse Guedes à época.
Em julho, Guedes ainda disse que o IBGE estava "na idade da pedra lascada", em uma crítica à metodologia da Pnad Contínua e às diferenças entre as duas pesquisas. Em razão das restrições na pandemia, o instituto passou a usar entrevistas por telefone para calcular os números.
Para o ministro da Economia, os dados do Caged mostravam que o Brasil estava criando empregos "muito rapidamente". As críticas de Guedes ao IBGE foram rebatidas por analistas à época.
Segundo o governo, a nova revisão ocorreu por causa de fatores como dados entregues pelas empresas fora do prazo. De acordo com o Ministério do Trabalho e Previdência, a adaptação das empresas ao novo formato e a dificuldade de informar os dados em meio à pandemia impulsionaram as dificuldades.
O ministério afirmou que o reprocessamento das informações levou a um aumento de 1,1% nas admissões de 2020 e de 2,9% nos desligamentos. "Destaca-se que revisões de bases de dados são naturais, ainda mais em contextos de transição ou de situações atípicas como a de uma pandemia, sendo realizadas por diversos órgãos e institutos de estatísticas no mundo todo", afirmou a pasta em nota.
Em entrevista sobre os dados de outubro do Caged, os técnicos comentaram os ajustes nos números, mas deixaram de comentar diretamente as novas mudanças no resultado de 2020.
Bruno Dalcolmo, secretário-executivo de Trabalho e Previdência, afirmou que os dados do Caged, que teve metodologia alterada no começo de 2020, não podem mostrar números que não estão no banco de dados e ressaltou que as empresas têm 12 meses para ajustar as informações prestadas ao governo.
As mudanças são registradas no momento em que o país registrou a abertura de 253 mil vagas de emprego com carteira assinada em outubro, o menor resultado dos últimos seis meses.
Dalcolmo afirmou que as empresas estavam contratando a um ritmo forte até agora, e que havia um limite para essa expansão. Para ele, as contratações passam a depender agora mais da dinâmica da economia.
"Não há um desaquecimento, o que há é um processo normal de que as empresas contrataram pesado desde o ano passado até agora, e há um limite para isso. As empresas não vão continuar contratando ad infinitum. Em algum momento, elas começam a depender da dinâmica geral da economia", disse. "Ao contrário de uma desaceleração, o que estamos experimentando agora é um processo de normalização das contratações e demissões, e isso é muito bom", afirmou.
De acordo com o ministério, o saldo menor de outubro na comparação com um ano antes é explicado pelo aumento das demissões em decorrência do fim do Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda (que permitia redução de salário ou suspensão de contratos de trabalho em troca de um benefício), que não está mais em vigor.
No lado positivo, a criação de vagas tem sido puxada por serviços, setor que abriu 144,6 mil vagas e está sendo impulsionado pela reabertura das atividades e pelo avanço da vacinação. O desempenho dentro do grupo foi liderado pelos segmentos de atividades administrativas; alojamento e alimentação; e transporte, armazenagem e correio.
Em seguida, ficaram os setores do comércio (70,3 mil vagas abertas), da indústria (26,6 mil) e da construção (17,2 mil). Apenas a agropecuária fechou postos de trabalho no mês (corte de 5,8 mil postos).
Os dados do Caged mostram ainda uma queda real de 4,3% no salário médio de admissão na comparação com outubro do ano passado —para R$ 1.795,46. Desde abril, há retração constante no indicador.
FONTE: FOLHA DE S.PAULO