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Um visitante desavisado do 8º Fórum Mundial da Água, que acontece nesta semana em Brasília, poderia sair do evento convicto de que os recursos hídricos no país estão resguardados, dada a tecnologia que revolucionou a produção agrícola no campo, setor que é o grande consumidor de água no Brasil.

Já um outro, que assistisse a uma palestra na sala ao lado, poderia ser convencido de que nunca se teve tanta insegurança no setor.

Isso porque, embora tenha prezado pela diversidade dos temas e origem dos palestrantes, oriundos de mais de cem países, o que se tem visto dentro de parte dos painéis até aqui foi, na maioria das vezes, a falta de visões opostas sobre o tema em discussão.

Um dos painéis, por exemplo, trazia o debate sobre o uso da água para agricultura e produção de alimentos —a estimativa é que 67% do consumo no país seja do setor.

Frisou-se a necessidade de aumentar a captação da água da chuva e o uso de tecnologias, mas pouco se falou sobre o gasto atual da água.

Na mesma mesa, o representante de uma associação de produtores do oeste da Bahia expôs como o Brasil é apenas o sexto país no mundo em área irrigada e como existe potencial para crescimento.

Na saída, o ministro Blairo Maggi (Agricultura) chamou de exagerados e de "lenda urbana" dados que apontam o alto consumo de água para produção de alguns alimentos —carnes, por exemplo.

Outra mesa, sem espaço para perguntas do público e que reuniu os governadores Geraldo Alckmin (PSDB-SP) e Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), seria para debater "crises hídricas no Brasil", mas se transformou em resumo das obras feitas pelos governos.

Presente, o ministro Helder Barbalho (Integração Nacional) elogiou Alckmin pelo empréstimo ao Nordeste de bombas da Sabesp que haviam sido usadas na captação do volume morto do sistema Cantareira. As bombas agora são usadas na obra de transposição do rio São Francisco.

Barbalho também apresentou dados sobre o uso da água, questionou os riscos em relação à seca e exaltou as obras do São Francisco, "a maior do Brasil".

O que poderia ser uma ponderação à parte dos dados apresentados pelos governadores ocorreu nesta quarta, um dia depois.

Na Vila Cidadã (área do fórum que não cobra ingresso), quatro entidades entregaram ao relator especial da ONU para água e saneamento, Leo Heller, uma denúncia pelo fato de o país não conseguir estabelecer o acesso a água como um direito humano.

Presente na sessão, a tecnóloga em saneamento Zelia Souza, 50, lamentou que a fala dos políticos na mesa que deveria discutir a crise hídrica tenha sido só expositora. "Faltou um contraponto. Eu esperava que alguém fosse efetivamente analisar a questão. Não me interessa o que um político tem a dizer sobre o tema."

estrutura

Diversas mesas trataram ainda do aumento da produtividade e do desenvolvimento com consumo consciente.

Para a marisqueira Janete Sena e sua comunidade às margens do rio Paraguaçu, na Bahia, o desenvolvimento proposto por grandes empresas está equivocado.

Ela estava em um painel sobre crimes ambientais, mas só pôde debater com comunidades locais, sem contato com causadores dos danos.

A falta de informação sobre palestras e a lotação de salas também foram marcas dos primeiros três dias do fórum —que continua até sexta (23).

Até quarta-feira (21), o aplicativo na internet com a programação do evento ainda não trazia os nomes de painelistas de todas as sessões.

Funcionários contratados para receber o público na entrada das salas também não tinham essas informações.

Na programação oficial, a maioria dos painéis de alto nível não tinha dados de todos os participantes. Filas foram constantes nos corredores.

O ex-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas) Vicente Andreu quase ficou de fora de uma sessão na terça (20) enquanto tentava entrar com o presidente da Adasa (agência do DF), Paulo Salles. "Mas foi ele que trouxe esse fórum para Brasília", intercedeu uma pessoa próxima.

Em outra sala que discutiu como as cidades podem se adaptar a eventos climáticos extremos, o engenheiro civil Herbert Lacerda ficou meia hora fora da palestra até conseguir um lugar. "Se houvesse uma pré-inscrição para cada evento, a organização saberia qual a demanda das palestras e poderia readequar."

Conhecido como principal evento internacional na discussão sobre acesso e qualidade da água, o fórum também foi brindado, na segunda (19), com falta dela em alguns bebedouros de "ilhas de hidratação" criadas especialmente para acolhê-los.

Segundo uma funcionária que estava no local, as torneiras foram fechadas ao ver que a água saía amarelada. Com garrafas vazias, participantes eram orientados a procurar os bebedouros espalhados nos longos corredores.

A medida ocorreu mesmo após a suspensão, no local, do racionamento que ocorre há um ano e meio no DF.

Em nota, o fórum diz que é uma plataforma plural e que organiza suas atividades de forma descentralizada, envolvendo mais de mil instituições de todo o mundo.

Diz que organizou mais de 300 painéis e que na quase totalidade havia espaço para todos. O público total superou a expectativa e houve mais de 2.000 inscrições após o início, o que pontualmente levou à lotação de algumas sessões. 

Quanto à falta de água nos bebedouros, a organização diz que as falhas pontuais foram prontamente solucionadas.

 

FONTE: FOLHA DE S.PAULO