IMAGEM: VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
Sessão marcada para a próxima quinta (13) discutirá índice de correção do saldo
O STF (Supremo Tribunal Federal) prevê julgar na próxima quinta-feira (13) a ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) 5.090/2014, que pode mudar o índice de correção do saldo do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço).
Caso o Supremo decida substituir a fórmula atual de atualização monetária, que utiliza a TR (Taxa Referencial) mais juros de 3% ao ano, por um índice que reflita a inflação, cerca de 60 milhões de trabalhadores que tiveram saldo no fundo em algum momento desde 1999 terão a chance de reclamar perdas que somam um total de aproximadamente R$ 538 bilhões, segundo a organização IFGT (Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador).
Faltando uma semana para o julgamento, as buscas no Google por respostas sobre ações de revisão do FGTS aumentaram mais de 1.000%. Quem está ligado no assunto quer saber como, se ainda dá tempo e, principalmente, se vale a pena brigar por essa bolada.
Não há uma resposta certeira, mas entender o contexto desse julgamento ajudará o trabalhador a tomar a decisão adequada ao seu caso.
A recomposição do saldo do FGTS com base na inflação é considerada justa por especialistas consultados pela reportagem e eles avaliam que o Supremo promoverá alguma alteração no índice.
“Eu não acredito em uma decisão contrária à revisão porque a manutenção da TR como índice de correção do FGTS viola direitos constitucionais, como o direito à propriedade”, afirma o advogado Murilo Aith, do escritório Aith, Badari e Luchin.
Mas uma decisão favorável aos trabalhadores, porém, não poderia ser absorvida de uma só vez pelos cofres da União e, por isso, a expectativa é que ocorra a modulação dos efeitos do julgamento, o que neste caso significa ajustar as condições de pagamento para evitar um dano maior à sociedade.
“Acredito que, nas condições econômicas que o país atravessa, não haverá decisão favorável aos trabalhadores sem uma modulação”, diz Mario Avelino, presidente do IFGT.
A exemplo de outras decisões importantes envolvendo questões econômicas, como a desaposentação e a revisão das correções das cadernetas de poupança, uma modulação da revisão do FGTS poderia, por exemplo, espaçar a devolução dos valores ao longo do tempo e restringir o benefício a trabalhadores que recorreram ao Judiciário até a data do julgamento para cobrar as perdas.
Aqui há a primeira resposta: sim, ainda dá tempo de cobrar a revisão na Justiça.
A maneira de brigar pela revisão, porém, gera debate. Embora qualquer cidadão tenha o direito de apresentar uma ação individual contra a Caixa Econômica Federal, que é a gestora do fundo, a forma mais segura de fazer pode ser por meio de uma ação coletiva.
Além de fugir dos custos de uma ação individual, que podem ser elevados em caso de derrota, em uma ação coletiva o trabalhador contaria com uma estrutura jurídica preparada para acompanhar o processo.
Entidades como o IFGT estão anunciando que entrarão com ações para beneficiar trabalhadores que se associarem antes do julgamento. Essa opção, porém, envolve o pagamento de taxas associativas.
A alternativa mais simples é verificar se o sindicato ao qual pertence a categoria do trabalhador moveu uma ação de revisão do FGTS. Nestes casos, filiados ao sindicato até o julgamento estariam contemplados, segundo a advogada Thaís Cremasco.
“Não é o momento de entrar com ação individual”, diz Cremasco. “O melhor a fazer agora é verificar se o sindicato ao qual o trabalhador pertence possui uma ação”, afirma.
Ainda sobre as ações individuais, a alternativa sem custos para o trabalhador seria a Justiça gratuita, disponível para cidadãos que comprovem incapacidade de pagar advogado.
A DPU (Defensoria Pública da União), que representa os interesses da população em causas contra o governo federal, está desaconselhando, porém, trabalhadores a ajuizarem ações individuais para recálculo do saldo do FGTS.
Com uma ação civil pública em fase de apelação na segunda instância da Justiça Federal, a DPU já solicitou a revisão do FGTS para todos os trabalhadores e, por isso, considera desnecessário o ajuizamento de ações individuais.
Governo diz que mudança ameaça esforços contra crise da pandemia
O Ministério da Economia informou, por meio de nota, que “a correção aplicada aos saldos das contas vinculadas do FGTS sempre observou o estrito respeito à legislação, não havendo qualquer espaço para se praticar entendimento diverso”.
A pasta do governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) ainda destaca que o fundo está estruturado de forma a oferecer apoio sustentável e perene às políticas públicas que beneficiam direta ou indiretamente o trabalhador brasileiro.
Atualmente, segundo o ministério, cerca de 78% do ativo do FGTS “estão alocados em operações de crédito de médio e longo prazos nas áreas de habitação, infraestrutura, saneamento e saúde com taxas de remuneração pactuadas, à época de assinatura de contratos, considerando a remuneração das contas vinculadas prevista na legislação”, diz a nota.
O governo afirma ainda que qualquer novo entendimento sobre índice de correção de contas vinculadas com aplicação retroativa oferece forte potencial para desequilibrar o FGTS, especialmente neste momento de pandemia, quando o fundo tem sido acionado para somar esforços no enfrentamento dos efeitos econômicos da crise sanitária.
“Cabe destacar ainda que, em 2020, 66% das operações de crédito para a aquisição da casa própria pelo FGTS foram contratadas com famílias de trabalhadores com renda mensal de até R$ 3.000. Em número, este é um grupo representativo dos participantes do FGTS e que se mostra mais necessitado de auxílio de políticas públicas”, argumenta o ministério.
“Portanto, não é adequado afirmar que o cumprimento da lei imputa perda ao trabalhador, uma vez que as políticas públicas apoiadas pelo FGTS são usufruídas, em sua maioria, pelos próprios participantes. O aumento da remuneração das contas vinculadas inevitavelmente exigirá o encarecimento dessas operações para o tomador final, especialmente os de menor renda”, diz.
A pasta conclui mencionando a edição da Medida Provisória nº 763, de 22 de dezembro de 2016, posteriormente convertida na Lei nº 13.446, de 25 de maio de 2017, que autorizou o FGTS distribuir parte de seus resultados aos trabalhadores.
Já a AGU (Advocacia-Geral da União), que representa os interesses do governo federal na Justiça, reforçou que considera não haver direito legal à revisão do FGTS.
“A União, por meio da Advocacia-Geral da União, defende que não há direito à correção monetária das contas do Fundo por um índice monetário específico. Esse entendimento foi firmado pelo STJ [Superior Tribunal de Justiça] ao julgar o REsp nº 1.614.874 sob o rito dos recursos repetitivos, quando fixou a tese de que a remuneração das contas vinculadas ao FGTS tem disciplina própria, ditada por lei, que estabelece a TR como forma de atualização monetária, sendo vedado, portanto, ao Poder Judiciário substituir o mencionado índice”.
Assim como o Ministério da Economia, a AGU também cita mudanças legais recentes que modificaram a remuneração do FGTS e que a revisão das normas atuais prejudicaria as funções sociais do fundo, como a proteção financeira do trabalhador e o custo dos financiamentos públicos.
Procurada, a Caixa Econômica não se manifestou.
REVISÃO DO FGTS | ENTENDA
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O saldo dos trabalhadores no FGTS é corrigido pela TR (Taxa Referencial) mais juros de 3% ao ano
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Como a TR está zerada, houve muitos períodos em que a atualização do fundo perdeu para a inflação, principalmente quando o índice de preços estava alto
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Em 2013, o STF (Supremo Tribunal Federal) considerou que a TR é insuficiente para corrigir os precatórios
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Com isso, advogados estavam conseguindo decisões favoráveis à correção maior do FGTS, mas todas na primeira instância
No Supremo
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O caso chegou ao STF em 2014, mas ainda não houve uma decisão
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O agendamento da sessão para 13 de maio não garante que haverá uma decisão na referida data
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O julgamento poderá ser adiado, por exemplo, ou suspenso a pedido de algum ministro que deseje mais tempo para analisar o processo
QUEM PODE TER DIREITO?
- Todo trabalhador que teve saldo em uma ou mais contas de FGTS a partir de 1999
- A correção também vale para as contas desse período cujo saldo já foi sacado
É NECESSÁRIO IR À JUSTIÇA?
- O STF poderá decidir que a revisão vale para todos ou apenas para quem recorreu à Justiça
- A DPU já moveu uma ação civil pública pedindo a revisão para todos os trabalhadores do país
A VITÓRIA ESTÁ GARANTIDA?
- Não. O Supremo poderá decidir que a correção atual (TR + 3% de juros ao ano) é constitucional e, nesse caso, não haverá revisão
- Em caso de derrota, existe a possibilidade de os trabalhadores precisarem arcar com os custos do processo e da defesa da Caixa, que é a gestora do FGTS
AINDA DÁ TEMPO DE BRIGAR?
- Sim. O trabalhador pode propor uma ação individual, embora seja pouco aconselhável, ou ingressar em uma ação coletiva
- É aconselhável verificar antes, porém, se o sindicato ao qual o trabalhador é filiado já ingressou com uma ação coletiva
- Se optar por se associar a uma entidade que tem uma ação coletiva, o cidadão deve ficar atento aos custos dessa filiação
PREJUÍZO
Os exemplos calculados pelo IFGT mostram perdas geradas pela correção do FGTS pela TR em relação ao INPC (índice de inflação) de janeiro de 1999 a abril de 2021:
Situação | Saldo oficial pela TR | Saldo com INPC | Perda em valor | Perda em percentual |
Trabalhador com renda mensal de 1 salário mínimo entre janeiro de 1999 e março de 2021 | R$ 18.516,00 | R$ 28.669,00 | R$ 10.153,00 | 54,83% |
Empregada doméstica com renda de 1 salário mínimo de outubro de 2015 a março de 2021 | R$ 6.392,00 | R$ 7.209,00 | R$ 817,00 | 12,78% |
Conta inativa de trabalhador com saldo de R$ 10 mil desde janeiro de 1999 a março de 2021 | R$ 30.112,00 | R$ 80.369,00 | R$ 50.267,00 | 162,47% |
R$ 538 bilhões
- É o valor total das perdas acumuladas pelos trabalhadores desde 1999
60 milhões
- São os trabalhadores que podem ter direito à correção do FGTS
200 mil
- Esse é o número aproximado de ações judiciais que podem ser atingidas pela decisão do Supremo sobre o FGTS
Fontes: IFGT (Instituto Fundo de Garantia do Trabalhador, Aith, Badari e Luchin Advogados, Advocacia Cremasco e ADI 5.090/201
FONTE: FOLHA DE S.PAULO