IMAGEM: CAMILA LIMA/DIÁRIO DO NORDESTE
O novo pacote de medidas anunciado pelo governo Jair Bolsonaro (PL) que autoriza o uso do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para que mulheres paguem a creche dos filhos com idade até cinco anos é uma decisão avaliada como equivocada por jogar os gastos só para a mulher e tira a responsabilidade do governo, na opinião de especialistas ouvidos pelo UOL.
Para Ana Diniz, coordenadora do Núcleo de Estudos de Diversidade e Inclusão no Trabalho do Insper, a decisão reitera o papel da mulher como a principal responsável por garantir a educação aos filhos, além de fazê-las gastar seu FGTS em um serviço que deveria ser ofertado pelo Estado.
"Quando se permite esse saque de FGTS fica claro que o pai continua a ser uma figura ausente no que se refere ao cuidado e responsabilidade. Além disso, sacando esse dinheiro que se recuperado agora, cria-se um ciclo vicioso de descapitalização e compromete a renda futura, diminuindo a disponibilidade para outros investimentos", analisa.
O FGTS é um fundo de reserva de dinheiro que as empresas bancam para todos os trabalhadores com carteira assinada. Historicamente, os recursos do fundo são usados para proteger o trabalhador demitido sem justa causa ou possibilitar a aquisição da casa própria.
A medida anunciada neste ano, que faz parte do programa "Emprega + Mulheres e Jovens" e tem como um dos objetivos incentivar o acesso das mulheres ao mercado de trabalho, irá alterar o caráter original do fundo. No entanto, ainda não foram estipulados valores, limites e tempo de uso dos recursos do FGTS que poderão ser empregados na nova finalidade.
Para Diniz, mesmo que a medida fosse estendida aos pais, ela não teria o efeito esperado.
"Teria uma dimensão de passar a mensagem de que os homens são corresponsáveis pelo cuidado das crianças, no entanto isso não exclui a limitação da política, já que apenas 1 em cada 4 crianças estão em famílias com responsável que tem carteira assinada" - o que demonstra, segundo os especialistas, o caráter excludente da medida, pois mantém desprotegidas as famílias mais vulneráveis, cuja mãe está desempregada ou inserida no trabalho informal.
A professora de Economia da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) Maria Beatriz de Albuquerque David avalia que as propostas configuram uma transferência de obrigação no que se refere aos custos com a educação da criança.
"O que vemos são transferências de obrigação e uma tentativa de estimular a economia via medidas paliativas de curto prazo. O impacto não será o esperado. Tudo que antes era uma conquista aparece agora como uma transferência de obrigações gerais exclusivamente às famílias, quando o ideal era que elas estivessem no lugar de proteção social."
Mulheres são a maioria entre desempregados
Segundo números da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE, dos 12 milhões de brasileiros desempregados, 6,5 milhões são mulheres, ou seja, sem acesso ao FGTS. A professora e coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia da UFF (Universidade Federal Fluminense), Lucilene Morandi, avalia que a medida do governo federal desconhece a realidade do mercado de trabalho do país.
"É uma política que não chega a lugar algum e faz uma leitura do mercado de trabalho totalmente equivocada, já que boa parte das mulheres não está no mercado formal porque necessita ficar com seus filhos. Então, trata-se de uma proposta que não vai alcançar quem mais deveria. O governo está abrindo uma possibilidade para um grupo de mulheres que já possui renda, enquanto há mães trabalhando na informalidade e vivendo em ciclos de pobreza".
Proposta não é política pública para mulheres
Segundo Morandi, "em vez de o Estado promover a construção de creches e ampliar o acesso das famílias de menor renda, ele disponibiliza o patrimônio do próprio trabalhador para gastos correntes. Parece uma política pública para as mulheres, mas não é. Seria política pública se o Estado promovesse a construção de creches que até hoje têm uma cobertura muito baixa no país. Elas não oferecem a cobertura necessária para a mulher estar no mercado de trabalho".
Hildete Pereira, professora do Núcleo de Pesquisa em Gênero e Economia da UFF, concorda que a medida prejudica as mulheres em vez de ajudar.
"Para a mulher ter oportunidade de ser mãe e trabalhar, precisa de educação em horário integral até o ensino fundamental. Hoje, são necessários arranjos como rede de solidariedade entre as mulheres mais pobres para que elas consigam trabalhar. Além disso, essa medida mexe no patrimônio do trabalhador. FGTS tem outra finalidade, serve até para aposentadoria", afirma.
O UOL procurou os ministérios da Economia e do Trabalho para comentar as críticas dos especialistas, mas não obteve resposta até a publicação deste texto
FONTE: UOL