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Projetos da Petrobras anunciados recentemente incrementaram o estoque de parques eólicos no mar; setor aguarda regulação
À espera de uma regulamentação que traga segurança jurídica, agentes do mercado de energia renovável já inscreveram 91 projetos de licenciamento ambiental no Ibama, ligado ao Ministério de Meio Ambiente, para a construção de parques eólicos offshore. No total, caso concretizados, os novos parques poderiam gerar mais de 189 GigaWatts (GW).
O informe oficial, que data de julho, traz 78 projetos e os 189 GW citados. A EXAME confirmou com o Ibama que outros novos 13 projetos foram inscritos desde então — 10 deles da Petrobras, que selou sua entrada no setor de éolicas offshore nesta semana. O presidente da petroleira, Jean-Paul Prates, tem definido a interlocutores o movimento da estatal: "A Petrobras chegou".
Em relatório, o BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME) estima que os projetos da Petrobras inscritos — sete no Nordeste, dois no Sudeste e um no Sul — têm um potencial produtivo de 23 GW. "Combinado com os estudos com a Equinor (14,5 GW), a Petrobras pode alcançar um total de 37,5 GW de geração eólica", diz trecho do relatório. "A capacidade combinada de 37,5 GW representa aproximadamente 18% da capacidade total de energia eólica instalada no Brasil e mais da metade de sua capacidade em terra, destacando o potencial significativo dessas iniciativas."
O número de pedidos mais do que quadruplicou: de 20 em setembro de 2021 para os atuais 91, segundo dados do Ibama. Atualmente, a energia eólica onshore, produzida em terra, representa 13% da matriz elétrica, com capacidade instalada de 25GW. Em suma, a potência estimada vinda de projetos offshore, caso concretizada, representaria dobrar a capacidade elétrica total instalada no país — atualmente em 184 GW.
As empresas buscam o processo de licenciamento em meio a um vácuo regulatório sobre as usinas eólicas offshore. Desde 2022, um decreto do governo regulamentou a cessão de uso de espaços físicos e aproveitamento de recursos naturais em águas do mar sob domínio da União para a geração de energia elétrica. A norma definiu como os procedimentos deverão ser conduzidos, onde poderão ser apresentados os pedidos de cessão e quais os passos que o empreendedor deverá seguir para consecução do empreendimento.
Em outubro do ano passado, uma portaria conjunta do Ministério do Meio Ambiente e Ministério das Minas e Energia definiu as regras para a criação e funcionamento de um "Portal Único de Gestão do Uso de Áreas Offshore".
Eólicas offshore: à espera da regulação
Apesar dessas normas, o setor aposta mesmo no projeto de lei 576/2021, que chegou na Câmara no final de agosto e poderá regulamentar definitivamente a exploração e geração de energia a partir de fontes de instalação offshore e o uso do mar. Segundo apurou a EXAME, há acordo para votar o regime de urgência do projeto em setembro. O deputado Zé Vitor (PL-MG) é o relator da matéria.
O presidente da Casa, Arthur Lira, disse recentemente que a "pauta verde" será uma das prioridades das votações desse segundo semestre.
Para Juliana Melcop, advogada especializada em energia do escritório Souto Correa, os investidores estão utilizando as licenças como forma de pressão por uma regulamentação. "Os projetos são preliminares. Muitos estão sobrepostos e muitos não dá para fazer. Tem questões como pesca, relativas a óleo e gás. Muita coisa não é viável economicamente nem regulatoriamente", diz. "Mas se 10 GW saírem do papel, seria uma revolução."
De fato, os dados do último boletim do Ibama mostram que muitas das áreas enviadas como consulta para licenciamento se sobrepõem.
Élbia Gannoum, diretora-executiva da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica), afirma que os investimentos no setor precisam ser pensados no médio e longo prazo.
Por se tratar de uma tecnologia recente, os investimentos começaram em 2018. Cronologicamente, ela explica, o grande passo no setor foi a publicação do Roadmap - Eólica Offshore, pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em 2019. Em 2020, o Ibama divulgou os termos de referência para licenciamento ambiental. "Com isso, os investimentos que estavam olhando para o setor e pensando em projetos inscreveram no Ibama", afirma Gannoum. "O fato de se inscreverem no Ibama não dá nenhuma ordem de prioridade porque não existe regulação de offshore. 186 GW é quase um Brasil. Mostramos que está na hora de fazer porque tem muito interesse."
Segundo ela, a lei, caso aprovada, é o que vai garantir diretrizes gerais para a geração de energia no mar e segurança para investimentos. "Ela traz a diretriz para o leilão de cessão de uso do mar. Significa que se quiser fazer projeto no mar tem que pedir uma cessão e ali está a diretriz. O MME vai regulamentar e o ministério vai poder fazer o primeiro leilão", diz.
Nas suas contas, o prazo para os primeiros projetos começarem a funcionar é entre 2030 e 2031. É preciso aprovar a lei, fazer a cessão da exploração no mar, emitir a licença ambiental. "Todo mundo que fez offshore demorou mais tempo do que o Brasil. Ja estamos trazendo a experiência internacional", diz.
Faz sentido investir em eólicas offshore?
Um comentário comum ao avanço das eólicas offshore é o de que elas são caras e o Brasil tem muitos pontos on shore com excelente fator de capacidade. Nessa lógica, o custo de produzir energia a partir do vento no mar não seria atrativo — nas contas do BTG Pactual, é pelo menos três vezes mais caro do que o Capex necessário para a geração em terra.
Élbia Gannoum reconhece os custos mas rechaça o argumento. "A idade da pedra não acabou porque acabou a pedra. Se não olharmos para novas tecnologias colocamos a sociedade em um grau de mediocridade grande", diz.
Para ela, a mesma narrativa se aplicaria à geração de energia eólica on shore no começo dos anos 2000 — quando o governo subsidiou e auxiliou na expansão do setor, hoje com 13% de participação na matriz elétrica. "Tínhamos energia hidroelétrica de sobra. Se não tivéssemos feito isso, hoje teríamos uma grande crise de energia", afirma.
Além disso, diz a diretora da Abeeólica, a demanda por energia no país crescerá de forma muito maior do que nos últimos cinco anos por causa da demanda vinda do hidrogênio verde. Isso porque 85% da energia nacional vem de fontes renováveis, um requisito essencial para a produção de hidrogênio verde. Estudo da consultoria McKinsey mostra que, em um cenário acelerado, o hidrogênio verde demandará 200 bilhões de dólares em investimentos, incluindo 180 GW em capacidade de energia adicional de fontes renováveis até 2040. "Vamos precisar de um novo Brasil de capacidade instalada", afirma Gannoum.
Melcop, do Souto Correa, avalia que as eólicas offshore podem trazer um avanço nos esforços de neoindustrialização, agenda central para o governo. A iniciativa se acoplaria ao movimento de powershoring, isto é, a descentralização da produção industrial para países próximos a centros de consumo e que oferecem energia limpa, segura, barata e abundante.
"Temos disponibilidade de eólicas offshore imensa, entre os cinco maiores do mundo de recursos. Podemos pensar nesse contexto de powershoring. Eólica offshore pode seguir o roteiro da eólica tradicional. Teve a criação da indústria, que passou por percalços", afirma. "Precisamos pensar num contexto maior que reflita a vontade do Brasil."
FONTE: EXAME