Fórum reúne mais de 50 corporações em prol da inclusão. No Brasil, 61% dos funcionários LGBT temem se assumir
Formado em Engenharia e funcionário da área de TI, Marcos Sato, 28 anos, sabe o que é não poder ser ele mesmo no ambiente de trabalho. Aos 21 anos, assumiu para si ser gay, mas passou alguns anos dentro do armário corporativo, por não saber como seus chefes e colegas reagiriam.
“Quando você está dentro do armário, tem medo de ser julgado e de não conseguir promoções. As pessoas precisam olhar para isso, porque o profissional deixa de entregar tudo o que poderia, já que tem essas preocupações na cabeça”, diz ele, relatando que deixava de agir naturalmente e pulava os convites de happy hour por receio de represálias caso descobrissem sua orientação sexual.
“Eu namorava, mas sempre chamava ele de ela. Também cortava um pouco da intimidade com os meus pares por medo de descobrirem”, conta Sato.
Renato Lantin, hoje diretor de supply chain para a América do Sul na BASF, relata uma situação similar. “Eu tinha medo das consequências que sair do armário poderia ter no crescimento da minha carreira. Por isso, não falava da minha vida pessoal, ficava estritamente no profissional e falava de minha vida de forma genérica. É muito ruim não poder ser verdadeiro com você mesmo e com as outras pessoas”, conta.
Hoje, felizmente, a situação para ambos melhorou. Os dois trabalham em companhias que se comprometeram com discussões sobre o respeito e acolhimento da diversidade LGBT no mundo corporativo. Tanto a Ambev, onde trabalha Sato, quanto a BASF integram o Fórum de Empresas e Direitos LGBTs, ao lado de 57 outras empresas.
Entre as signatárias, estão gigantes multinacionais como Google, IBM, Carrefour e a Pfizer. Há também escritórios de advocacia, empresas de consultoria como a PWC e a EY. O que chama a atenção, porém, é a baixa adesão de empresas brasileiras ao Fórum. Entre os exemplos nacionais, estão a Ambev, a Avon e a Braskem.
“É uma preocupação a baixa adesão”, admite Reinaldo Bulgarelli, secretário executivo do Fórum e sócio-diretor da Txai Consultoria e Educação. “O que podemos supor é que as empresas estão distraídas sobre o tema, que não se conectam com temas emergentes ou agendas internacionais”, afirma.
Apesar da recente abertura de algumas empresas à diversidade, uma pesquisa do Center for Talent Innovation revelou que 61% dos profissionais LGBT no Brasil não se sentem confortáveis para se assumirem no trabalho. Isso acontece a despeito de 75% das empresas apoiarem, ao menos em tese, políticas que proíbem discriminação por identidade de gênero e orientação sexual.
Outros 49% afirmaram que não escondem, mas deixam de falar abertamente sobre o tema e alteram o próprio comportamento no ambiente de trabalho, como uma forma de se integrarem com os colegas.
O Fórum de Direitos e Empresas LGBT nasceu em 2013, a partir do gancho da decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de obrigar cartórios a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. A ideia, na época, era atualizar as empresas a respeito desse direito.
Ao se tornarem signatárias, as companhias precisam se comprometer com 10 pontos, como a promoção de igualdade de oportunidades e tratamento justo às pessoas LGBT, a criação de um ambiente respeitoso, ensinar sobre direitos e estimular a criação de grupos de afinidade, entre outros.
Gerente de inteligência de mercado na Ambev, Bruno Rigonatti promove e faz parte de um desses grupos de afinidade, o Lager.
A sigla significa Lesbian and Gay and Everyone Respected ("Lésbicas, gays e todo mundo sendo respeitado") e é também um trocadilho com um tipo de cerveja.
O grupo nasceu informalmente entre funcionários LGBTs no Whatsapp, em outubro de 2015, e foi institucionalizado na empresa em 2016. Hoje, há cerca de 80 integrantes. "Lá, pudemos nos conhecer, com objetivo de garantir um ambiente de trabalho diverso na empresa", diz Rigonatti.
Também participante do Lager, Sato diz que o grupo o faz se sentir representado. "Você começa a ver pares na empresa que são igual a você. O grupo fez com que eu me sentisse mais confortável, hoje o assunto é discutido abertamente na empresa", relata.
O básico da promoção da diversidade no mundo corporativo continua, porém, a ser o mesmo: deixar de varrer a discriminação para debaixo do tapete e colocar o assunto na mesa.
"É muito simples. As lideranças das empresas estão envolvidas no Fórum, são elas que assinam. E uma das tarefas é falar do assunto dentro e fora das empresas", diz Bulgarelli. "Isso faz diferença. Se os executivos e presidentes estão questionando, estimula que o tema [da diversidade] seja tratado na empresa como um todo".
Para a gerente sênior de RH da BASF, Juliana Justi, além da questão óbvia de respeito aos direitos humanos, a diversidade também pode trazer resultados financeiros para as empresas.
“Falamos de diversidade como uma responsabilidade e como uma forma verdadeira de ganhar dinheiro. Pessoas diversas geram resultados”, conclui. Segundo ela, as ações práticas também deixam claro que o ambiente corporativo não aceita mais a discriminação.
"No dia do Orgulho LGBT tiramos uma foto com a bandeira, dizendo que tínhamos orgulho. São pequenas ações que dizem para as pessoas: você pode até ser preconceituoso, mas a companhia não tem espaço para isso. Aqui dentro, você tem que respeitar".
Renato Landin conta ter sido "tirado do armário" de forma positiva pelo chefe, que perguntou sobre seu marido de maneira natural. Ele diz que hoje todos sabem de sua orientação sexual e que não tem mais problemas com isso. "Me assumir no trabalho foi um divisor de águas na minha vida."
Fonte: Carta Capital