IMAGEM: ABDIAS PINHEIRO/SECOM/TSE
As eleições gerais de 2022, além de diferentes das de 2018, serão influenciadas por muitos fatores, especialmente 3: o caráter plebiscitário do pleito; a acomodação partidária decorrente da janela partidária; e as mudanças na legislação eleitoral e partidária.
Antônio Augusto de Queiroz*
As diferenças em relação a 2018 são muitas e significativas.
Em 2018, havia grande apelo por renovação política; existia sentimento antissistema muito forte; a Lava-Jato estava na moda, com campanha moralista-justiceira e persecutória sobre as esquerdas em geral e sobre o PT, em particular; a presidente Dilma Rousseff (PT) tinha sido vítima de golpe, sob o fundamento de suposta pedalada fiscal, pois desde Getúlio Vargas que o TCU (Tribunal de Contas da União) não rejeitava as contas do governo; Lula não apenas tinha sido impedido de disputar a eleição como estava preso sob a acusação de corrupção; a mídia, influenciada pela Lava-Jato, estava 100% contra o PT; e Bolsonaro não compareceu a debates e explorou ao máximo o ‘atentado’ que sofreu em Juiz de Fora (MG), sensibilizando muitos eleitores.
Em 2022, após 3 anos e meio de governo Bolsonaro, não existe mais o apelo antissistema nem anticorrupção como havia em 2018; houve o reconhecimento por parte da mídia que foi erro o impeachment de Dilma; Lula não apenas está solto, como todos os processos a ele imputados foram arquivados pelo STF (Supremo Tribunal Federal), com o reconhecimento da ONU (Organização das Nações Unidas) que o juiz que o condenou agiu de forma parcial e persecutória; Lula (PT) lidera as pesquisas de intenção de voto e o ambiente, na fotografia do momento, é de renovação para a eleição presidencial.
Feita a diferença entre as eleições de 2018 e 2022, é hora de avaliarmos os fatores que irão influenciar o pleito deste ano, bem como de examinar as perspectivas de eleição de 1 dos 2 candidatos presidenciais que lideram as pesquisas de intenção de votos.
Caráter plebiscitário
O primeiro fator de influência — o caráter plebiscitário do pleito — é visível na conjuntura política atual. Parece não restar dúvida que as eleições gerais de 2022 vão ocorrer num ambiente de muita polarização e, na dimensão presidencial, haverá disputa de legados entre o incumbente (atual presidente da República), que representa as forças conservadoras e de extrema direita, e o ex-presidente Lula, que representa majoritariamente as forças de esquerda e centro-esquerda.
Nesse tipo de ambiente, em que há disputa de legado entre presidentes populares, não há espaço para chamada “terceira via”. De um lado porque Jair Bolsonaro (PL) será julgado pelo governo dele. As pessoas vão se perguntar se a vida delas melhorou ou piorou durante o atual governo. E, de outro, porque Lula irá comparar o legado de governo dele com o de Jair Bolsonaro, além de apresentar propostas para o futuro, que divergem frontalmente de as defendidas pelo atual governo e o grupo político que o defende.
Com a polarização e o caráter plebiscitário da eleição presidencial, é esperado comparecimento recorde às urnas, com a redução drástica da abstenção e dos votos brancos e nulos neste pleito, especialmente no primeiro turno.
Acomodação partidária
O segundo fator de influência — a acomodação das bancadas resultantes da janela partidária — além de ter fortalecido política e eleitoralmente o Centrão, com o crescimento das bancadas do PL (que passou de 42 para 77 deputados), do PP (que passou de 42 para 56 deputados) e do Republicanos (que passou de 32 para 44 deputados), irá favorecer à candidatura de reeleição de Bolsonaro, pois o presidente contará com mais deputados candidatos à reeleição na coligação dele, além de possuir puxadores de votos em vários estados.
Mudanças na legislação eleitoral e partidária
O terceiro fator de influência — as mudanças nas regras eleitorais e partidárias — talvez seja o mais relevante para a eleição proporcional, porque irá impactar muito fortemente no resultado da eleição para a Câmara dos Deputados.
Houve o fim das coligações nas eleições proporcionais; o aumento da cláusula de barreira (1,5% para 2% ou aumento de 9 para 11 do número de deputados eleitos); a possibilidade de criação de federação de partidos; a redução do número de candidatos por partido ou federação; e a alteração na forma da conversão de votos em mandato, especialmente no sistema de sobras.
Essas mudanças resultarão num novo arranjo partidário, que se dará em 2 momentos.
No primeiro momento, ainda durante o período eleitoral, haverá aumento recorde do número de candidatos por força do fim das coligações nas eleições proporcionais, especialmente de vereadores, que serão chamados para concorrer aos cargos de deputado estadual e federal; os deputados candidatos à reeleição serão favorecidos e, como regra, só não renovarão os respectivos mandatos se os partidos não atingirem o quociente eleitoral ou não forem contemplados com o sistema de sobras; e haverá disputa entre o PT e o PL para verificar qual dos 2 irá eleger a maior bancada para a Câmara dos Deputados.
No segundo momento, pós-eleitoral ou na próxima legislatura (2023-2026), haverá redução da fragmentação partidária, com a diminuição do número de partidos; os partidos que não atingirem a cláusula de barreira ou entrarão para federação existente ou se fundirão com outros partidos para sobreviver; haverá novo realinhamento partidário, com a organização partidária em 3 blocos, com as seguintes características:
1) 1 de esquerda/centro-esquerda, 1 de extrema direita/direita e outro de centro/centro-direita;
2) partidos do Centrão (centro-direita, direita e extrema direita) continuarão com maioria na Câmara, mesmo com o crescimento dos partidos de esquerda e centro-esquerda, exceto PDT; e
3) 3 maiores partidos na Câmara serão PT, PL e PP por força do vínculo com candidaturas presidenciais competitivas; a escolha da presidência da Câmara, independentemente do presidente eleito, deverá ocorrer entre Centrão, liderado por Arthur Lira (PP-AL) e 1 candidato da terceira via ou grupo independente, com apoio do bloco de esquerda; ou vice-versa, e partidos como Republicanos, PSD, União Brasil, MDB e PSB estarão entre os partidos médios da próxima legislatura.
Perspectiva da eleição presidencial
A estrutura de preferência dos eleitores — medida pelos indicadores de popularidade do presidente, pelo nível de apoio ao seu governo e pelo desempenho da economia — sinaliza renovação e não continuidade para a eleição presidencial, o que favorece a candidatura Lula.
De acordo com as pesquisas de avaliação do governo, algo como 51% da população desaprovam a gestão Bolsonaro e, de acordo com as pesquisas eleitorais, mais de 60% dos eleitores afirmam “não votar em Bolsonaro em nenhuma hipótese”.
A economia — especialmente o varejo, taxa de juros, desemprego, salário médio e inflação —, poderá ser determinante para o desempenho eleitoral do atual presidente da República. Se esses indicadores continuarem piorando até a eleição, muito provavelmente vão prejudicar os efeitos positivos dos programas sociais e dos afagos turbinados pelo governo recentemente, como o Auxílio-Brasil, o Vale Gás, o reajuste dos servidores, dentre outros.
O presidente vem ampliando o apoio ao governo dele e melhorando os indicadores de intenção de voto, especialmente pelo arrefecimento da pandemia e pelas medidas populistas recém-adotadas, mas na fotografia do momento o ambiente continua majoritariamente de mudança.
Entretanto, mesmo com a recuperação de Jair Bolsonaro, dificilmente ele reverte o quadro apenas com os acertos dele. Vai precisar dos erros de Lula para ganhar. Estima-se que Bolsonaro perdeu entre 20% e 25% de eleitores e teria potencial, por estar no exercício do cargo e poder adotar medidas populistas, de recuperar entre 10% e 13%, o que não seria suficiente para ganhar em segundo turno.
O que vai definir o resultado
Assim, Lula não pode errar. Ele depende do voto do eleitor de centro e é esse eleitor que ainda está indeciso e poderá definir a eleição. Logo, a calibragem no discurso é fundamental. Se perceberem extremos nos 2 candidatos que polarizam a eleição, vão optar por Bolsonaro. Ou seja, se os 2 (Lula e Bolsonaro) acertarem na campanha, ganha o Lula.
Se Lula acertar e Bolsonaro errar, ganha o Lula. Entretanto, se Lula errar, seja aceitando debater as pautas bolsonaristas, seja criando pautas para os bolsonaristas, como fez em episódios recentes, ganha o Bolsonaro.
A Eurásia, empresa de consultoria que acompanha as eleições no Brasil, dá probabilidade de Lula vencer de 70% e apenas de 25% de Bolsonaro vencer, mas, em nossa avaliação, essa probabilidade é exagerada. A eleição vai ser muito disputada e, qualquer vacilo da parte de Lula, pode lhe custar a eleição.
Como se pode observar, com base no diagnóstico da disputa eleitoral, faltando 5 meses para o comparecimento às urnas, já é possível fazer alguns prognósticos, tanto em relação à sucessão presidencial quanto em relação à Câmara dos Deputados.
Resta acompanhar os movimentos políticos que possam ou não alterar a conjuntura atual, que no momento sinaliza renovação política na eleição presidencial e o revigoramento do Centrão no Congresso, onde continuará como força política importante. O índice de rejeição e as estratégias dos candidatos, na eleição presidencial, e o modo como os partidos agirem na eleição proporcional, serão determinantes para os resultados finais.
(*) Jornalista, mestre em Políticas Públicas e Governo (FGV), consultor e analista político em Brasília. Foi diretor de Documentação do Diap. É socio das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.