Magistrados reagem a iniciativas que visam a extinguir Judiciário trabalhista. "O problema das empresas está na economia", afirma presidente de TRT. Nova lei provoca insegurança, diz Anamatra
A proximidade da entrada em vigor da Lei 13.467, de "reforma" trabalhista, trouxe à tona nova ofensiva contra a Justiça do Trabalho, devido a reações contrárias, entre magistrados, às mudanças na legislação. No Congresso, ouviram-se vozes favoráveis até mesmo à extinção desse ramo do Judiciário, que poderia ser transferido para a área federal. Representantes do setor reagem e reafirmam que o "problema" não está na Justiça, mas na economia e na correta aplicação da lei, que exigirá novas interpretações.
O presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (TRT-2), o maior do país (com atuação na Grande São Paulo e Baixada Santista), Wilson Fernandes, questiona se as mudanças trarão benefícios para a atividade econômica. "O problema das empresas não está no Direito do Trabalho. Pouco tempo atrás, a lei era rigorosa a mesma e o desemprego era baixo."
Tanto Fernandes como a presidenta em exercício da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Noemia Porto, afirmam que – ao contrário do discurso oficial – a nova lei provocará insegurança jurídica. "Com uma pressa imensa, eles mudaram quase 200 dispositivos da CLT. O texto está mal redigido, com problemas de técnica jurídica mesmo", diz Noemia, acrescentando que as mudanças foram feitas "sem diálogo social".
Assim, até que as alterações se incorporem na prática um longo caminho terá de ser percorrido, em meio a um possível aumento de conflitos e questionamentos. O presidente do TRT acredita que "com certeza" alguns dispositivos da lei, como o que fala em dano moral, irão parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
"A lei não traz segurança jurídica. Cria uma nova ordem, oposta à que sempre tivemos, que tinha como pano de fundo a proteção ao trabalhador (considerado a parte mais fraca). A nova lei elimina esse pressuposto. Suscita muita dúvida de interpretação", diz Fernandes. "É preciso que a jurisprudência se pacifique, e isso vai demandar muito tempo."
Quanto tempo? A presidenta da Anamatra fala em décadas, talvez 30 a 40 anos. Para efeito de comparação, cita o intervalo entre o primeiro caso considerado de precedente sobre terceirização no país, nos anos 1970, e a versão mais recente da Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho (TST), que trata do tema, de 2011. "Consensos terão de ser reconstruídos. Isso terá de ser feito durante os tensionamentos das partes. Não temos avanço aqui."
Ela refuta quem chama os magistrados de "rebeldes", por questionar a nova lei. "Se você muda o Código do Consumidor, o que os juízes vão fazer? Interpretar. Mudou a CLT, o que os juízes vão fazer? Interpretar. Nossa obrigação, agora, é dar a melhor resposta aos caos concretos. O estranho é estranhar isso."
Conflito social não acaba
E também ironiza afirmações, vindas de setores empresariais e de parte do Legislativo, que a Justiça do Trabalho "atrapalha" a economia. "Vamos imaginar condenados criminais, especialmente os de colarinho branco. A Justiça os atrapalha, evidentemente." Para ela, os empresários de boa-fé têm defendido cautela, que é o que um momento de transição exige.
A presidenta da associação dos juízes não acredita que a tese de extinção vá adiante, mas em um exercício de imaginação admite que "o impossível e o institucional prevaleça", o que não mudaria o quadro: "Você extingue a Justiça do Trabalho, mas não o conflito social. Chame de Justiça verde ou cor de rosa, o trabalhador continuará procurando o Judiciário."
O presidente do TRT vê com a preocupação não a hipótese de eliminação do Judiciário, mas do próprio arcabouço que o sustenta."Não é possível falar em extinção da Justiça do Trabalho sem falar em extinção do Direito do Trabalho" Fernandes vê em andamento uma iniciativa mais política do que econômica, assim como ocorreu nos recentes cortes de orçamento.
Na última quarta-feira (24), representantes da Anamatra foram ao Congresso. Conversaram o senador Ricardo Ferraço (PSBD-ES) e com os deputados José Carlos Aleluia (DEM-BA) e Lincoln Portela (PRB-MG) sobre os comenetários relativos à apresentação de uma proposta de emenda à Constituição (PEC) prevendo a extinção. Publicamente, o Parlamento afirma que não há nenhuma proposta em discussão, embora o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já tenha feito declarações hostis a esse ramo do Judiciário.
"Demora monumental"
Fernandes afirma não considerar nem "inteligente" a ideia, enfatizando a importância de uma Justiça especializada, e mais ainda em tempos de alterações legais. "De fato, o número de ações é grande. Mas metade é para cobrar verbas rescisórias", observa. "Essas ações vão continuar existindo."
Ele defende o funcionamento do Judiciário trabalhista, que tem conseguido julgar a totalidade dos processos que recebe e diminui o resíduo de ações, superando a meta em 20%. "A Justiça do Trabalho julga 120% dos processos. A Justiça Federal julga 30% e a Comum, menos. Por que são menos produtivas? Não, porque já estão abarrotadas", argumenta. Segundo Fernandes, transferir ações trabalhistas para outro ramo provocaria um "demora monumental" no andamento desses processos.
A presidenta em exercício da Anamatra identifica "algo bastante orquestrado" na campanha contra a Justiça do Trabalho. "Com um objetivo muito claro: constranger, intimidar os juízes, na véspera da implementação da lei."
No início da semana passada, ela esteve em Montevidéu, participando de audiência pública da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), juntamente com representantes do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do Sinait, o sindicato nacional dos auditores-fiscais. Levaram cópias de editoriais publicados na imprensa que, segundo Noemia, chamaram a atenção do órgão, ligado à Organização dos Estados Americanos (OEA), por uma possível ameaça do livre funcionamento das instituições. Para Noemia, o país vive um ambiente em que a Constituição é "desafiada e desrespeitada".
Fonte: Rede Brasil Atual