Quando anunciado o projeto de lei da reforma trabalhista, houve manifestação de todos os lados, ora de apoio, ora de rejeição total. Depois de sancionada a Lei 13.467/17, ainda se ouvia o clamor dos indignados, mas a lei está posta e com alterações profundas no modelo trabalhista de relação de emprego, relações coletivas de trabalho e processo trabalhista transformando o eixo do Direito do Trabalho de estrutura exclusivamente protecionista para maior concentração na responsabilidade contratual e no princípio da boa-fé.
Na relação de Direito Sindical, o artigo 545 da CLT, em sua nova redação trouxe a extinção da contribuição sindical compulsória, fonte de sustentação econômica da estrutura sindical, patronal e profissional (“Os empregadores ficam obrigados a descontar da folha de pagamento dos seus empregados, desde que por eles devidamente autorizados, as contribuições devidas ao sindicato, quando por este notificados” g.n.). Os artigos 578, 579 e 582 da CLT anunciam a partir de novembro, quando vigente a lei, o caráter facultativo das contribuições sindicais patronal e profissional.
A contribuição sindical sempre foi o elemento essencial de identificação da representação sindical, e ter a chamada “carta sindical” outorgada pelo Ministro do Trabalho era, antes de tudo, aquisição de garantias econômicas em função da categoria representada. Agora, desde 1988, nada disso prevalece, e a revogação do controle do Estado em questões sindicais foi fundamental. As disputas ocorridas entre diferentes agrupamentos sempre demonstram que a capacidade jurídica de estar em juízo ou de celebrar convenções e acordos coletivos esteve vinculada à contribuição sindical: o importante não era a legitimidade, mas o caráter oficial da representação acumulado com o direito à cobrança da contribuição sindical.
Novos tempos virão, e a reconstrução jurídica é desafiadora para todos.
O efeito mais próximo e previsível da ausência de obrigatoriedade é de que a contribuição sindical perderia o vínculo jurídico que legitima a organização sindical em sua personalidade sindical que passaria a fundamentar-se na capacidade de adesão do grupo de interessados. Assim sendo, poderia fragilizar o interesse do controle administrativo da unicidade sindical pelo Ministério do Trabalho. Em palavras outras, o exercício do direito à liberdade sindical na formação de associação profissional ou sindical (artigo 8º da CF) adquiriria força natural e espontânea e a entidade estaria legitimada pelo número de associados, e não mais por efeito de ato administrativo do poder executivo. O poder de negociar não passaria pela condição de que a entidade sindical que tem capacidade negocial é aquela para quem o Ministério do Trabalho reconhece o direito de cobrança de custeio forçado.
O Judiciário trabalhista também deixaria de decidir sobre representatividade e enquadramento sindical porque, nesse cenário, não haverá mais interesse de agir em ações dessa natureza e, portanto, a adesão espontânea e livre dos interessados é que passaria a definir a capacidade negocial. Dirão alguns que estamos agredindo a garantia da unicidade sindical da Constituição Federal. Entretanto, o que está em conta não é o aspecto formal de representação, mas a efetividade de grupos reconhecidos de forma legítima. Ademais, a participação obrigatória de sindicatos em negociação coletiva parece não impor o modelo de sindicato, bastando sua capacidade negocial vinculada diretamente aos interessados aderentes.
De outro lado, é inegável que o caráter facultativo da contribuição sindical produz rompimento enorme com o modelo anterior em que os sindicatos possuíam a receita certa. A aplicação da nova lei trouxe preocupação aos sindicatos que devem enfrentar dificuldades naturais para sustentação de sua estrutura de assistência aos associados (e não a todos que contribuíam para o sindicato) e manter sua condição sindical.
Necessariamente, os sindicatos atuais serão compelidos ao movimento de aproximação com a categoria por meio da valorização da representação e da representatividade, saindo do imobilismo beneficiado pelo modelo intervencionista e protetor do Estado. Entretanto, a contribuição sindical facultativa pode levar à criação de novos sindicatos inclusive com outras formas e campo de atuação, e não exclusivamente em categoria como praticado atualmente.
*Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e da Fundação Getulio Vargas.
Fonte: ConJur / Paulo Sergio João*