Descontos obtidos por 81 parlamentares com programa de regularização tributária somaram R$ 138,6 mi
O novo Refis, programa que refinancia dívidas com a Receita Federal, foi um presente de R$ 138,6 milhões aprovado por deputados e senadores para si próprios. A cifra corresponde aos descontos que 81 congressistas obtiveram em seus débitos ao aderir ao mecanismo de regularização tributária que eles votaram no fim do ano passado.
O montante perdoado é 52% do que todos eles deviam originalmente (R$ 262,8 milhões). Os dados, obtidos pela Folha, referem-se somente às dívidas que estão sendo reclamadas na Justiça pela PGFN (Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
O valor pode ser maior, pois há chance de que outras cobranças estejam tramitando administrativamente.
A medida provisória que instituiu o novo Refis foi enviada pelo governo ao Congresso no ano passado. Ao convertê-la em lei, deputados e senadores ampliaram as vantagens previstas, como a possibilidade de zerar juros e encargos legais. Sancionado o texto, embarcaram no programa.
Como a Folha mostrou nesta sexta (24), ao menos 25 congressistas atrasaram parcelas ou deram calote no Refis, oficialmente batizado de Pert (Programa Especial de Regularização Tributária), após receberem seus benefícios.
As dívidas foram contraídas por eles próprios, como pessoas físicas, ou por empresas e entidades pelas quais são responsáveis
Ao pagar a primeira prestação do Refis, o contribuinte passa a ter direito a uma certidão negativa de débitos que atesta sua regularidade fiscal. O documento pode ser usado para liberar empréstimos em bancos públicos e, no caso de empresas, participar de licitações do governo federal.
Os dados da PGFN, referentes a 23 de julho, mostram que o senador Jader Barbalho (MDB-PA) e sua ex-mulher, a deputada federal Elcione Barbalho (MDB-PA), têm 4 das 6 maiores dívidas negociadas no novo Refis. Os dois tentam a reeleição este ano.
As duas mais altas, de R$ 22,3 milhões e de R$ 22,2 milhões, são cobradas da dupla. Nesses casos, não houve abatimento, mas apenas parcelamento do valor a ser pago.
Os Barbalho têm ao todo oito débitos com a Receita, que totalizam R$ 64,4 milhões. O grosso dos recursos é cobrado de empresas de comunicação das quais eles são acionistas.
Segundo a PGFN, o senador deixou em aberto prestações de duas de suas dívidas. Num dos casos, deve seis parcelas mensais, o que, pelas regras do programa, implica a exclusão do Refis.
O terceiro maior devedor é o deputado federal Bonifácio Andrada (PSDB-MG), cuja dívida foi reduzida de R$ 30,3 milhões para R$ 12,3 milhões graças às benesses do programa. Ele é um dos responsáveis pela União das Faculdades Integradas de Tocantins (Unifat), entidade à qual a obrigação tributária é atribuída.
O senador Ivo Cassol (PP-RO), que está licenciado do cargo, quarto maior devedor, também obteve um desconto generoso. O valor a ser acertado caiu de R$ 19,7 milhões para R$ 9,8 milhões com as regras do Refis. O débito foi imputado à Cassol Centrais Elétricas, da qual o congressista é acionista.
Na sequência, a PGFN lista outras duas dívidas de Jader e Elcione: uma de R$ 8,4 milhões e outra de R$ 8,2 milhões. Esta última era originalmente de R$ 14,7 milhões, mas houve descontos.
Segundo Marcelino Rodrigues Mendes Filho, presidente da Anafe (Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais), entidade que representa os procuradores da Fazenda, a categoria chegou a propor um regramento para o Pert, mas a proposta que foi para o Ministério da Fazenda acabou sendo “totalmente alterada pelo Congresso”.
“A principal regra alterada foi quando [o Congresso] isentou em 100% os juros e encargos legais. Havia uma gradação dessa isenção, do desconto que seria dado sobre juros e multas, e no Congresso isentaram tudo”, afirmou.
“O projeto, que tinha previsão inicial de recebimento de R$ 11 bilhões a R$ 15 bilhões por parte da União, com os cortes realizados caiu para cerca de R$ 6 bilhões a R$ 7 bilhões. Houve renúncia [fiscal] muito grande por conta das alterações no Congresso”.
Dívidas são de empresas, dizem parlamentares
A assessoria de Jader Barbalho indicou um advogado para falar sobre as dívidas que ele e Elcione têm, mas o defensor não atendeu aos telefonemas da reportagem no fim de semana. Na sexta (24), o gabinete do senador alegou desconhecer atrasos em parcelas.
Bonifácio Andrada negou que as dívidas sejam suas. Disse que são de fundações que preside, mantenedoras de instituições de ensino. “Essas fundações é que têm um débito enorme. Eu, pessoalmente, não tenho nada”, declarou. “Meu nome é que aparece. Mas não sou eu [o devedor].”
Ele argumentou que, como dirigente, responde só pelo gerenciamento das entidades, e não pelo pagamento de impostos. São entidades independentes, de modo que quem deve são elas.”
Ivo Cassol sustentou que nunca atrasou o recolhimento de tributos. Ele disse que sofreu duas autuações pela Receita, relativas à tributação de incentivos concedidos a pequenas centrais hidrelétricas.
Por escrito, disse que uma das multas foi arquivada pela Receita e que, nos dois casos, recorreu à Justiça. “Na avaliação da segunda multa, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais acabou ratificando a cobrança”, disse.
Cassol afirmou que, mesmo discordando do órgão, desistiu da ação quando aderiu ao Refis e começou a pagar os valores reclamados pela Receita.
“Jamais devi impostos. O que houve foi a cobrança de uma multa, foi o pagamento da correção devida. Multa em lugar nenhum é imposto ou tributo. Mesmo não concordando eu paguei. Não fui beneficiário em nada, e nunca legislei em causa própria, porque não me aproveitei de programas de refinanciamentos anteriores”, acrescentou.
Entenda o programa de refinanciamento
O que é Refis?
Programa pelo qual o governo autoriza o parcelamento de dívidas com o fisco, tanto para empresas quanto para pessoas físicas. A adesão ao Refis terminou em novembro do ano passado
Por quanto tempo estava sendo negociado?
O governo lançou a primeira versão do atual Refis em janeiro do ano passado, com o nome de PRT (Programa de Regularização Tributária), tendo como objetivo auxiliar na saída das empresas da crise
Deputados e empresas alegaram que as condições não eram adequadas e passaram a negociar alternativas com mais vantagens aos devedores. Sem acordo, o PRT venceu em junho de 2017 com baixa adesão
O governo editou então nova medida provisória, dessa vez com o nome de Pert (Programa Especial de Regularização Tributária), convertida em lei em outubro do ano passado, com várias modificações feitas pelo Congresso Nacional
O que foi alterado?
A versão do Refis sancionada é mais generosa do que havia proposto o governo. Veja exemplos de condições consideradas excessivamente vantajosas pela Receita Federal:
- Permissão para usar créditos decorrentes de prejuízo fiscal em débitos já inscritos na dívida ativa da União
- Autorização para que débitos de práticas de crime, como sonegação, fraude ou conluio, também possam usufruir dos descontos e parcelamentos
- Possibilidade de que empresas que não repassaram à Receita tributos que foram retidos na fonte possam parcelar esta dívida