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Cabotagem está presente no cotidiano das pessoas e vem sendo redescoberta como pilar essencial para a logística limpa do país

Com cerca de oito mil quilômetros de costa navegável – incluindo o trecho de Manaus até a Foz do Amazonas – e grande parte da população concentrada em uma faixa de até 200km do litoral, o Brasil tem vocação para utilizar a navegação de cabotagem, que acontece entre portos do mesmo país e vem sendo redescoberta como um pilar essencial para a logística limpa do país. Com vantagens sobre os outros modais de transporte:

“A cabotagem é entre 15% e 30% mais barata do que o transporte rodoviário. É também mais ecológica, porque emite quatro vezes menos CO2 por tonelada transportada. E oferece mais segurança: a carga chacoalha menos e é menos propensa a roubos porque fica mais tempo da viagem em ambiente protegido, dentro do navio”, lista o presidente da Associação Brasileira dos Amadores de Cabotagem (Abac), Julian Thomas.

Estas são apenas algumas das características que podem justificar o aumento da demanda por esse tipo de transporte no país. Dados divulgados pela Abac mostram que houve um crescimento de 12% no transporte pela cabotagem comparando o primeiro semestre de 2024 e o primeiro semestre de 2025.

Em números absolutos, isso quer dizer que este ano já foram transportados 820 mil contêineres no Brasil, enquanto no mesmo periodo do ano de 2024 foram 730 mil conteineres.

Apesar de estarem comemorando este momento, os armadores de cabotagem também enfrentam alguns desafios, como a preocupação com a elaboração do Plano Nacional de Logística (PNL) 2050, lançado pelo Governo Federal.

Nosso crescimento não está sendo refletido no PNL, apesar do nosso esforço. O governo precisa olhar para isso, poderia dar um selo verde para quem usa a cabotagem, por exemplo. E é preciso dizer: no nosso entender, todos os incentivos para o uso da cabotagem devem ir para os usuários, não para as empresas de navegação”, comenta Luis Resano, diretor da ABAC.

Do aparelho de TV à latinha

Em cada canto de uma residência familiar há objetos que foram transportados por cabotagem, mas segundo Luis Resano, esta ainda não é uma modalidade de transporte conhecida pela maioria da população.

“Nós transportamos grandes volumes, por isso somos contratados por CNPJs (empresas), não por CPFs (pessoas físicas). São, por exemplo, 60 mil toneladas de bauxita por viagem, 40 mil toneladas de bobinas de aço. Um navio carrega até cinco mil contêineres, e isso significa uma fila de caminhões, colado parachoque com parachoque, do Rio de Janeiro até 

Fortaleza. Costumo dizer que, da televisão à latinha de cerveja ou de refrigerante até motocicletas, computadores, papel higiênico, tudo é transportado por cabotagem”, enumera Resano.

A diferença entre a cabotagem e a navegação de longo curso é que, para o transporte internacional, os navios precisam ser maiores, chegam a levar até 13 mil contêineres ou até mais, dependendo da capacidade do porto. Já a cabotagem exige navios menores, que possam entrar em todos os portos da costa brasileira.

Por mar e por terra

Uma das maiores operadoras multimodal e de transporte marítimo de cabotagem do Brasil, a Aliança Navegação e Logística, associada à Abac, tem oito navios que transportam cerca de 330 mil contêineres de 20 pés de comprimento (o que equivale a cerca de seis metros). Mas ela tem também 200 caminhões, além de armazéns / depósitos, que completam uma proposta de uma logística multimodal e integrada e possibilita oferecer um serviço chamado de porta a porta, ou seja: a carga chega no porto, onde já há um caminhão à espera para fazer o percurso, geralmente curto, até o destino final pedido pelo cliente. A empresa opera, atualmente, em 14 portos brasileiros e conta com mais de 1.200 funcionários.

“A Aliança combina eficiência, tecnologia e planejamento logístico, garantindo que cada carga percorra toda a sua jornada de forma integrada, segura e confiável. Nosso objetivo é tornar a cabotagem cada vez mais competitiva e relevante, transformando-a em um pilar sólido da logística brasileira. Além disso, temos um olhar estratégico para regiões com alto potencial de crescimento, como o Nordeste”, diz o head de Políticas Públicas da empresa, Felipe Cassab.

O executivo lista as vantagens da cabotagem sobre o transporte rodoviário: redução de sobrecarga de rodovias, transporte de grandes volumes e maior previsibilidade em prazos e gestão de custos. Cassab lamenta, porém, que apesar dos avanços recentes, como a modernização de portos, a expansão de rotas e a implementação do Programa BR do Mar de 2025, ainda existam desafios a superar para “dar mais resiliência, competitividade e sustentabilidade à matriz de transportes nacional”:

“Nosso objetivo é tornar a cabotagem cada vez mais competitiva e relevante, transformando-a em um pilar sólido da logística brasileira”, explica Felipe Cassab.

Nessa mesma linha de proposta, Cristiane Marsillac, CEO da Marsalgado, plataforma que se dedica a apoiar a transição energética da navegação, acrescenta que a cabotagem tem ainda uma vantagem que torna este tipo de transporte especialmente atraente: o enfrentamento às mudanças climáticas.

“O transporte rodoviário polui 74 gramas de CO2 equivalente por tonelada por quilômetro transportado, enquanto a cabotagem polui 14 gramas de CO2. Além disso, a cabotagem é mais barata e oferece uma série de benefícios para o cliente”, calcula Cristiane.

A executiva, que trabalha com navegação há três décadas, concorda que a cabotagem poderia estar “mais no radar do Governo Federal”: 

“É importante lembrar que, quando se fala em cabotagem, não se fala só em cabotagem marítima, mas sim em multimodalidade. Vai ter um caminhão que sai da casa do cliente até o porto, um navio que vai fazer o trecho principal do transporte e outro caminhão no destino. Ou seja: tem a parceria do marítimo com o rodoviário, cabendo a este o trecho mais eficiente e rentável para o próprio caminhoneiro porque são trechos curtos, possibilitando que ele trabalhe perto de casa, durma com a família, consiga fazer várias viagens por dia”, explica.

Estudo mostra como descarbonizar os transportes

Setor é responsável por 11% das emissões de CO2 do país

Um estudo realizado em 2025 por quatro instituições – Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), Motiva, CNT e Observatório Nacional de Mobilidade Sustentável demonstrou como tornar o setor de transportes um um contribuidor ativo para a redução das emissões brasileiras.

Segundo a pesquisa, este setor é responsável por 11% das emissões de CO2 do país, das quais mais de 90% são emitidas pelo modal rodoviário.

Considerado o “primeiro passo de uma longa jornada de contribuição do setor para a agenda climática brasileira”, o documento listou 90 alavancas para a descarbonização do setor, sendo três vetores responsáveis por 60% do potencial de redução de emissões.

A expansão da participação do modal aquaviário de 15% para 22%, também na movimentação de cargas, está entre as medidas para a descarbonização do setor. Outras providências seriam a redução da participação do modal rodoviário de 70% para 45%; a ampliação do uso de combustíveis mais limpos; e o aproveitamento da matriz energética limpa do Brasil para eletrificação, em especial para o transporte individual rodoviário.

FONTE: VALOR ECONÔMICO