No Brasil, só 4,7% dos 60% mais ricos guardam dinheiro para o momento em que saírem do mercado de trabalho, diz estudo
Poupar para a velhice para além do benefício concedido pelo INSS é privilégio de poucos no Brasil — realidade que leva o país à lanterna de uma lista de dez nações. Temos o menor percentual de população acima de 15 anos que declara economizar para a aposentadoria, atrás de Argentina, Índia, Chile, Rússia, Colômbia, África do Sul, México, Portugal e Alemanha. O diagnóstico está em artigo do economista José Roberto Afonso, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), a partir de estudo do Banco Mundial. No Brasil, só 4,7% dos 60% mais ricos guardam dinheiro para esse fim. E, entre os 40% mais pobres, a participação cai a menos da metade, para 2,1%. Ficamos em má posição até quando comparados a uma média de 31 países de baixa renda, em que 10,2% dos mais ricos e 5,6% do mais pobres poupam para o momento em que saírem do mercado de trabalho.
— O brasileiro em geral poupa muito pouco, mesmo quando comparado a outras economias emergentes. Quem ganha pouco poupa pouco ou nada. Outra parcela grande de brasileiros já é atendida pela Previdência Social. Mesmo os que têm idade e renda para poupar a longo prazo para ganhar mais que a aposentadoria do INSS no futuro nem sempre o fazem — analisa o autor do artigo.
Para especialistas, reverter esse quadro de baixa poupança ganhou urgência em meio ao atual contexto. Há, ao mesmo tempo, a proposta de reforma da Previdência, que endurece as regras para acesso ao benefício em relação às atuais, taxas recordes de desemprego, que reduziram drasticamente o número de trabalhadores com carteira assinada e que contribuem para a Previdência, e a necessidade de impulsionar investimentos para o país voltar a crescer.
—A previdência complementar deveria ser vista como um bem de primeira necessidade. O ideal é poupar desde jovem e todo o mês, seja em previdência privada, títulos do Tesouro Direto, renda fixa ou variável. O mercado brasileiro é bastante sofisticado e pode atender a todos os perfis — avalia Luís Eduardo Afonso, economista estudioso de previdência da USP.
SISTEMA PREVIDENCIÁRIO DESESTIMULA POUPAR
É consenso entre os especialistas que a baixa poupança no Brasil se deve, principalmente, a dois fatores: o país tem uma economia estável relativamente nova, pós-Plano Real, que tem pouco mais de 20 anos; e um sistema de seguridade social generoso, que desestimula essa economia ao assegurar, por exemplo, aposentadorias precoces com altos níveis de reposição salarial em relação a outros países.
— Você poupa por precaução. Um sistema como o brasileiro, que paga aposentadorias semelhantes à renda da vida ativa a pessoas relativamente jovens, estimula a gastar em vez de poupar porque você sabe que está protegido — explica Luis Henrique da Silva de Paiva, cientista social e pesquisador de previdência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Afonso, da USP, lembra que experiências ruins com produtos precursores de planos de previdência privada nos anos 1970, administrados por entidades que faliram, foram sucedidas por quase uma década e meia de hiperinflação, impedindo a criação de uma cultura de poupança para a aposentadoria:
— Era um ambiente de incerteza em relação ao futuro. Nesse contexto, ninguém poupa.
A professora Elisabete Abrantes, de 58 anos, e a universitária Maria Luísa Guarisa, 22, exemplificam bem esse efeito sobre as diferentes gerações. Apesar de o salário de estágio de Maria Luísa, que já cresceu num Brasil de economia estável, corresponder a menos da metade dos rendimentos de Elisabete, a jovem destina cerca de 10% da renda mensal, há mais de um ano, a uma previdência privada. A professora não faz nenhum tipo de investimento para a velhice.
— Eu não quero ficar dependendo só da previdência. Esse pouquinho que guardo todo mês eu esqueço e só pretendo mexer quando ficar mais velha — conta a estudante.
A carteira de trabalho de Elisabete foi assinada pela primeira vez há 34 anos. Ela considera a economia do país fragilizada por um passado de trocas de moeda e planos econômicos ainda bastante presentes em sua memória:
— Nossa economia sempre foi instável. Por isso, não dá para saber de quanto iremos dispor no próximo mês. Até tem meses em que sobra algum valor, porém, é mais comum faltar do que sobrar, pois o custo de vida é alto.
E, apesar de os números mostrarem que não guardar dinheiro independe da condição econômica, uma gama considerável de famílias no Brasil só tem recursos para subsistência, sendo impossível economizar para qualquer finalidade. Segundo os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE, quase metade dos lares brasileiros (44,7%), ou 30 milhões de residências, viviam com menos de um salário mínimo per capita em 2015.
— À parte das comparações internacionais, os mais pobres tendem a consumir proporcionalmente mais de sua renda, quando não toda ela. Mesmo que queiram, não conseguem poupar. Essa é a razão do surgimento, a partir da virada do século XIX, na Alemanha, dos sistemas de proteção social. Para que o poder público desse amparo a eles — explica o economista da FGV.
EFEITO COLATERAL DA TAXA DE JUROS ELEVADA
Nos últimos sete anos, a taxa média de poupança brasileira - o quanto famílias, empresas e governos economizam - ficou na casa dos 16% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos pelo país) e é considerada baixa pelos especialistas. O pico foi registrado em 2013, quando a taxa de poupança correspondeu a 18,3% do PIB daquele ano. Desde então, só cai. Encerrou 2016 em 13,9%. Consequentemente, a taxa de investimento acompanhou essa trajetória e, depois de atingir 20,9% do PIB em 2013, caiu seguidamente até os 16,4% registrados no ano passado.
— Quanto mais as pessoas poupam, maior o volume de recursos disponíveis para investimentos em máquinas, equipamentos e novas fábricas. Os países que mais cresceram nos últimos anos, como Coreia do Sul e China, são os mesmos onde a poupança privada mais cresceu — analisa o especialista da USP.
Para o autor do artigo, aumentar a poupança privada diminui a dependência do Estado:
— O investimento em projetos de longo prazo, como rodovias, portos, usinas elétricas e refinarias de petróleo, precisam ser financiados por recursos que vão além dos próprios donos desses empreendimentos. É preciso, por exemplo, que o brasileiro deposite na caderneta de poupança, para que o banco empreste a outros brasileiros para comprarem a casa própria ou que se compre uma letra de crédito agrícola para que o banco dê crédito aos agricultores. No Brasil, muito desse suporte financeiro ainda depende diretamente do Estado.
Paradoxalmente, a política monetária brasileira historicamente desincentiva investimentos a longo prazo, observa o economista da FGV:
— O governo paga juros absurdamente altos, com prazos muito curtos para aplicações feitas de um dia para outro e sem nenhum risco. Ora, se eu posso ganhar tanto, tão rápido e sem nenhum risco, por que vou empatar minha poupança em investimentos que só poderei sacar décadas depois? — indaga.
Fonte: O Globo