A intensificação da crise econômica observada nos últimos dois anos fez com que o desemprego e a insegurança no mercado de trabalho da região aumentassem. Temendo perder seus postos de trabalho, muitos operários acometidos por doença ocupacional resolveram buscar respaldo na Justiça, a fim de obter indenização pelas sequelas provocadas ou acentuadas, geralmente, por atividades repetitivas.
Como reflexo, o volume de ações trabalhistas tramitando no Judiciário cresceu 64,7% entre 2014 e 2016, ao saltar de 2.283 para 3.762 processos. Neste ano, até agosto, foi verificado o ingresso de 2.419 documentos à Justiça, número que corresponde a dez ações por dia e supera o total de 2014. Os dados são do TRT (Tribunal Regional do Trabalho) da 2ª Região, que engloba toda a Região Metropolitana de São Paulo e a Baixada Santista.
Para o secretário-geral do Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André e Mauá, Sivaldo Pereira, o Espirro, as massivas demissões das montadoras de veículos da região podem ter influenciado no aumento dos processos. “Causou um efeito em cadeia. As autopeças, inclusive, sentiram bastante nos últimos tempos por conta disso. O medo em perder o emprego também impulsionou o ingresso de ações”, avalia.
É importante ressaltar que o Grande ABC conta com seis fabricantes nas sete cidades: Ford, Mercedes-Benz, Scania, Toyota e Volkswagen em São Bernardo, além da General Motors, situada em São Caetano.
“O principal motivo para o aumento do número de ações por causa de doença ocupacional é a informação. As pessoas estão ficando mais cientes dos seus direitos e de que elas não serão mandadas embora por isso. Ao contrário, terão direito à estabilidade”, explica o advogado especialista em Direito Previdenciário João Badari, sócio do escritório Aith, Badari e Luchin, João Badari.
Na concepção do médico especialista em medicina do trabalho e sócio da Ziviti, empresa voltada à realização de perícia médica Rodrigo Camargo, as doenças ocupacionais são causadas não apenas por problemas na ergonomia física, mas também na cognitiva. “Por este motivo, tanto alguém que desempenha um movimento repetitivo quanto a pressão psicológica podem desencadear algum problema. Assim, uma das doenças que mais estão crescendo é a depressão”, afirma. “No Grande ABC, uma das enfermidades mais comuns é a síndrome do impacto, problema desenvolvido no ombro, quando o trabalhador passa longos períodos com o braço elevado acima de 60 graus.”
Camargo destaca que a reforma trabalhista, que passará a vigorar a partir de novembro e deverá ampliar a terceirização, também tem influência no maior ingresso de ações trabalhistas. O presidente do Sindicato dos Químicos do ABC, Raimundo Suzart, partilha da opinião. “Com o risco maior de perder o trabalho tanto por conta da crise quanto pelo temor pós-reforma, ele (o trabalhador) acaba recorrendo a isso (o ingresso das ações) para, quem sabe, se sair do emprego, ter algum tipo de reserva.”
Profissionais da região sofrem com movimentos repetitivos
Quem faz parte da estatística é Uilson Ventura Piovezani, morador da Vila São Pedro, em São Bernardo, que contabiliza diversos problemas ocasionados por 22 anos atuando no chão de fábrica da Ford. “Tenho tendinite, bursite, ruptura no tendão, artrose, hérnia de disco e, há mais ou menos quatro anos, ingressei com ações por danos morais, periculosidade e, também, por irregularidades nas horas extras”, contou o ex-funcionário que atuou nas áreas de estamparia e pintura da montadora norte-americana, localizada no bairro Taboão, na mesma cidade.
Outro operário, morador de Santo André, que trabalhou na Mercedes-Benz e preferiu não se identificar, relatou que possui três procedimentos em tramitação na Justiça. “Tenho duas (ações) contra a empresa a respeito do horário de janta e da lesão que tenho no ombro, além de mais uma outra contra o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).”
Outra profissional que atua no setor bancário e também preferiu não revelar seu nome, afirmou estar afastada pelo INSS até o dia 31 de dezembro, além de receber auxílio-doença e se tratar por TAG (Transtorno de Ansiedade Generalizada). “Tudo começou em 2012, quando a agência em que eu trabalhava foi assaltada. Eu tinha medo de tudo, até de colocar o lixo para fora de casa. Sem saber, tinha desenvolvido a síndrome do pânico e fiquei assim por seis meses, até que comecei a ter sintomas físicos, como dores no estômago e no peito. Até procurei um advogado para ingressar com ação contra a instituição, mas tenho medo de ser demitida. Vou processar apenas se me mandarem embora.”
Especialistas elencam motivos para doenças
As ações motivadas por doença ocupacional podem ter três reflexos, aponta o especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin, João Badari.
“O primeiro se dá na esfera trabalhista, em que a pessoa tem direito à estabilidade de 12 meses após o fim do período de incapacidade e recebe uma indenização”, afirma. “O segundo, no âmbito previdenciário, prevê que o segurado do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) poderá receber auxílio-doença, auxílio-acidente ou será aposentado por invalidez”, completa. “Já o terceiro é na esfera securitária. A maioria das empresas possui um seguro para o caso de acidentes, então, caso aconteça algum, a vítima também terá direito a receber quantia.”
Para a diretora do Sindicato dos Bancários do ABC e integrante do setor de Saúde da entidade, Adma Gomes, a quantidade de casos de síndrome do pânico e depressão estão crescendo muito na categoria, mas muitos não reconhecem que estão com a doença, além de terem medo e vergonha da condição. “Grande parte que possui alguma doença ocupacional só entra com processo caso seja demitido e, mesmo assim, teme não conseguir outro emprego, por isso apenas cerca de 50% o fazem. Os problemas físicos mais comuns aos bancários são os de coluna, porque eles passam muito tempo sentados. Mas, é um dos mais difíceis de serem reconhecidos como doença ocupacional.”
Para o médico especialista em medicina trabalhista Rodrigo Camargo, “na maioria dos casos, o motivo que leva à doença ocupacional é conhecido, por isso ela deveria ser evitada”.
Ainda segundo Adma, “em alguns casos, as pessoas tomam remédios, porém não pedem afastamento e, muito menos, entram com algum processo contra a empresa.”
Fonte: Diário do Grande ABC