O texto abaixo foi publicado no jornal A Tribuna, de Vitória. O autor, Luís Eduardo Fontenelle, é juiz do Trabalho em Vitória.
Sendo um brasileiro que ama seu país, torço para estar muito errado. Mas o projeto de lei da terceirização, aprovado pela Câmara dos Deputados e em vias de sanção presidencial, tem tudo para frustrar aqueles que acreditam na melhoria das relações de trabalho no Brasil.
A experiência mostra que mesmo a terceirização já permitida antes, a da chamada atividade-meio, não ligada aos fins da empresa, está longe de corresponder ao que se divulga.
Primeiro: a rigor, toda terceirização afronta o art. 1º, IV, da Constituição, que consagra o valor social do trabalho. Por “valor social”, entenda-se: respeitar a dignidade da pessoa do trabalhador. Não tratá-lo como coisa ou mercadoria. Por outro lado, o foco da terceirização é contratar somente o esforço braçal ou intelectual, desprezando os atributos pessoais e profissionais do indivíduo prestador. O “avanço” que o governo propaga é, ao contrário, um retrocesso de exatos 101 anos, ao regime da locação de serviços…do Código Civil de 1916!
Segundo: diferentemente do que se alega, a terceirização não cria empregos. O Dieese atesta que, em média, um terceirizado trabalha três horas a mais por semana que os empregados diretamente contratados. As horas extras tendem a suprimir as vagas de emprego.
A Espanha promoveu reforma semelhante em 2012 e até voltou a crescer em 2014, beneficiada por um fator externo: a queda dos preços do petróleo. Mas, após cinco anos da reforma trabalhista, o índice de desemprego continua altíssimo – em torno de 20% -, e entre os jovens permanece em assustadores 40%.
Terceiro: a terceirização reduz salários. Os terceirizados ganham, em média, 30% a menos que os empregados diretos. A terceirização divide a representação sindical, prejudicando a negociação por benefícios e melhores salários.
Quarto: a terceirização prejudica a saúde e a segurança do trabalhador. Nos últimos anos, nada menos que 80% dos acidentes de trabalho no Brasil ocorreram com trabalhadores terceirizados, afetivamente distanciados da empresa tomadora do serviço e tecnicamente despreparados para lidarem com seu processo produtivo.
Caso emblemático, ocorrido no Espírito Santo em 2015, foi o acidente numa plataforma da Petrobras em São Mateus, deixando nove mortos e 26 feridos. Apurou-se à época que a terceirização desenfreada prejudicou a qualidade da manutenção dos equipamentos e do treinamento de pessoal, elevando os riscos no local de trabalho.
Quinto: a terceirização sobrecarrega os serviços e as finanças públicas. A arrecadação cairá, por conta da redução dos salários e da vinculação dos trabalhadores a empresas de menor porte, que pagam menos impostos.
O maior número de acidentes e doenças ocupacionais pressionará o SUS e o INSS, frustrando boa parte do ajuste fiscal e da reforma da Previdência almejados pelo próprio Governo Federal. E a Justiça do Trabalho, à qual já cabe julgar milhares de ações decorrentes de empresas terceirizadas que desaparecem sem pagar salários e verbas rescisórias, se verá ainda mais assoberbada.
Portanto, as desvantagens da terceirização superam largamente os supostos benefícios. Não só não há provas de que torne a atividade econômica mais eficiente, como já se constata seu efeito prejudicial ao trabalhador. Logo, ampliar a terceirização é um grande equívoco, que só fará agravar os problemas já existentes.