IMAGEM: SINDICONTAS/PR
Desafios persistentes na sindicalização: atrair jovens para o movimento, superar obstáculos antissindicais e criar estratégias inovadoras
Sindicalização é uma ação permanente e parte do trabalho de base e cotidiano de dirigentes e ativistas sindicais. Em artigo anterior sistematizei[2] argumentos que abordam a queda na densidade sindical, usando como base um amplo estudo realizado nos países da OCDE[3]. Neste artigo tratarei da sindicalização entre os jovens.
São permanentes os desafios para a sindicalização em todas as faixas etárias, requerendo inovações nas estratégias que buscam abordar as trabalhadoras e os trabalhadores para participarem de atividades e aderirem voluntariamente ao sindicato, ampliando dessa forma a representatividade, a representação e de cobertura sindical.
A dificuldade para atrair a juventude para a vida sindical é destacada no trabalho de filiação. O estudo da OCDE indica que a composição etária da força de trabalho é uma causa para a queda na filiação sindical em geral. Os jovens representam 7% do total de sindicalizados na área da OCDE e são os menos propensos a se sindicalizar. O estudo aponta que a taxa de sindicalização por idade segue a forma de U invertido, menor entre os mais novos e os mais velhos e maximizada na faixa dos 40 anos.
A adesão pelo trabalhador a um sindicato é resultado do desenvolvimento de relações contínuas de presença na base, de descobertas sobre o papel dos sindicatos e de oportunidades de participação. Sindicalizar-se é, em última instância, um ato e uma decisão individual, muito tensionada por pressões contrárias, por estigmas e preconceitos. Filiar-se é uma decisão de celebrar um vínculo e estabelecer um compromisso com um sujeito coletivo, algumas vezes recém-descoberto. O trabalho de base que leva à sindicalização apresenta e enaltece os benefícios que a filiação trará, com destaque para os serviços que a entidade oferece. Mas é a capacidade de o sindicato melhorar os salários, ampliar as conquistas econômicas, proteger os direitos trabalhistas, cuidar das condições de trabalho, da saúde e a segurança que dão lastro para o trabalho de sindicalização e para a decisão de se filiar.
São os trabalhadores em movimento, através das suas lutas e posicionamentos relacionados aos fatos do cotidiano presentes no chão das empresas, que empoderam o sindicato e o levam a ser esse sujeito coletivo observado, testado, acompanhado e atraente. Nos movimentos e processos de mobilização o sindicato se apresenta como possibilidade de descoberta e de vínculo. Tempo, continuidade, perseverança e atenção são atributos do bom trabalho de sindicalização.
A maior dificuldade para filiar jovens sempre esteve associada ao menor tempo de vida laboral de quem inicia sua trajetória profissional e, portanto, para avaliar os benefícios da filiação sindical e da proteção coletiva. Os direitos trabalhistas e sociais muitas vezes aparecem naturalizados como um dado do mundo do trabalho, sem história e sem luta. Descobrir como e de onde surgiram os direitos leva tempo, exige acesso à informação e é parte constitutiva do trabalho de base e de formação sindical.
Entretanto, não se deve menosprezar alguns dos motivos que têm levado a uma baixa sindicalização entre os jovens e, muito menos, deixar de observar que ocorre queda na sua sindicalização. Compreender esses motivos ajuda a formular as estratégias de atração dos jovens para o sindicalismo.
A atuação antissindical de parte do empresariado é um grave obstáculo, com ameaças aos trabalhadores e iniciativas para impedir o acesso dos sindicatos aos locais de trabalho.
A desindustrialização e o encolhimento do setor manufatureiro, a expansão de ocupações no setor de serviços e a queda do emprego no setor público, a disseminação de formas flexíveis de contratos, a crescente precarização, a informalidade e a rotatividade constituem o duro contexto no qual as jovens e os jovens iniciam a vida laboral e formam um contexto situacional adverso para a atividade sindical. As desigualdades nas condições gerais de trabalho entre os jovens e parte da classe trabalhadora madura é muitas vezes abissal, distâncias que precisam ser superadas na política sindical para articular novas pautas, lutas e negociações.
Há uma mudança importante na relação entre gerações. As gerações maduras estão “entregando”, para filhas, filhos, netas e netos que chegam para a vida profissional, um mundo do trabalho muito ruim, com salários menores, postos precários, inseguros, uma trajetória protetiva socialmente desvalorizada, um presente sem futuro, um vir a ser sem esperança. Estamos em dívida com as gerações dos jovens.
Destaca-se no estudo da OCDE a manifestação entre os jovens de um ultra individualismo, de maior distanciamento dos jovens no envolvimento com uma empresa e, aparentemente de forma contraditória, de estarem disponíveis para ações coletivas, mas se destacando a opinião de que os sindicatos são pouco atraentes ou mesmo antiquados. Nesse solo o trabalho sindical tem que semear.
Mas há dicas muito interessantes no estudo da OCDE como, por exemplo, quando compara os jovens (20 a 34 aos) com a faixa etária de 35 a 54 anos. Os jovens, em relação aos mais velhos, valorizam mais a liberdade individual, são mais apegados à solidariedade, apoiam mais ações coletivas como manifestações ou iniciativas para arrecadar fundos para causas sociais ou políticas. Têm participação semelhante aos seus pares mais velhos em organizações ambientais ou de consumidores.
A pesquisa constata que a confiança nos sindicatos é maior entre os trabalhadores mais jovens em 23 dos 32 países analisados. Destaca-se a demanda frustrada dos jovens por sindicalização e sua percepção mais aguçada sobre a indispensabilidade dos sindicatos na proteção dos direitos dos trabalhadores. São elementos essenciais para uma abordagem crítica e criativa para o trabalho de sindicalização.
Interessante observar, porém, que também aparece de forma destacada nos estudos analisados a constatação de que os trabalhadores jovens parecem menos convencidos de que precisam de sindicatos fortes para proteger seus interesses. A relação entre confiança e convencimento é um elemento fértil para o desenvolvimento do trabalho de base visando à sindicalização.
O sindicato é antiquado? Está parado no tempo? Mantem-se longe do mundo real precário e inseguro? Atua com linguagem que não comunica? Gerar respostas críticas e qualificada a estas questões pode iluminar a elaboração de inovações para o trabalho de sindicalização e de formulação de estratégias consistentes para o futuro do sindicalismo.
As inovações tecnológicas e a inteligência artificial já estão lançando ingredientes explosivos nesse duro e bruto mundo do trabalho e serão os jovens trabalhadores que terão a tarefa de enfrentá-las, pois essas tecnologias já fazem parte do seu presente e estão formatando o seu futuro. Fazer da tecnologia uma aliada do trabalho e da vida é uma luta de hoje e de sempre.
Colocar no tempo presente o futuro almejado como uma construção social e histórica, e encantar o duro cotidiano com a esperança de utopias que somos capazes de construir coletivamente, são desafios a serem superados como tarefa daqueles que querem um sindicalismo renovado, dinâmico e de luta, com forte presença das trabalhadoras e dos trabalhadores jovens.
[1] Sociólogo, coordenador do Fórum das Centrais Sindicais, consultor, membro do CDESS – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social Sustentável da Presidência da República, membro do Conselho Deliberativo da Oxfam Brasil e ex-diretor técnico do DIEESE (2004/2020).
[2] Link: https://www.dmtemdebate.com.br/causas-para-queda-na-sindicalizacao/
[3] OCDE (2019), “Negotiating Our Way Up: Collective Bargaining in a Changing World of Work”, OECD Publishing, Paris, disponível em: https://www.oecd.org/employment/negotiating-our-way-up-1fd2da34-en.htm
CLEMENTE GANZ LÚCIO
FONTE: PORTAL VERMELHO