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Há quem fique na casa dos pais ou volte a ela. Mães e pais aposentados sustentam filhos adultos

V. tem 24 anos. De uma família de classe média alta do interior paulista, frequentou escola particular. Faculdade de artes cênicas. E cursos para se aprimorar. Excelente aluno, formou-se cedo. Saiu em busca de emprego. Procurou, procurou, procurou... No início, muitas exigências. Só queria algo dentro de sua área, artística. Depois, pediu socorro ao pai. Um emprego! Sem chance. A empresa familiar também não está nos melhores dias. Um irmão já se ancorou lá. Há uma semana, recebi a grande notícia. Conseguiu trabalho! De garçom. Uma folga por semana. Em pé oito a dez horas por dia. A família não tinha mais como bancar sua vida. Não era exatamente a expectativa de quem fez curso universitário. É o que apareceu.

Na outra ponta, I. era garçom profissional. Fazia faculdade a duras penas. No último semestre, trancou a matrícula. A família, no Nordeste, precisa de sua ajuda. I. pediu demissão: os horários do restaurante em que trabalhava o impediriam de voltar aos estudos. Achava ser fácil arrumar outro emprego, como sempre foi. Deixou de ser. Participou do processo de seleção em vários restaurantes. Só em um deles havia, segundo me contou, uns 50 candidatos na fila. Não passou. Os locais mais sofisticados, que pagam bem, andam preferindo garçons sem tanta experiência, mas com a leve sofisticação da classe média. I. está se virando com eventos. Tipo distribuir amostras de produtos, num supermercado ou shopping. Só não tem todo dia. Difícil juntar para o aluguel do mês.

Mais complicada é a história de B. Morava com a família em outro estado. Viviam com dificuldade. Mas não faltava nada. Veio para São Paulo, para melhorar de vida. Nos dois primeiros meses, segurou-se com as economias. Trabalho não apareceu. Eu o conheço do Facebook, mas não pessoalmente. Outro dia, anunciou: já tem máquina de cartões. Tive minhas suspeitas. Perguntei para que servia a máquina.

– Estou fazendo programa – explicou. – Os clientes podem pagar em cartão.

– Já fazia antes, na sua terra?

– Não. Mas agora não teve outro jeito.

Em Brasília, J. fez faculdade de administração. Não conseguiu colocação. Entrou na pós, para se tornar mais qualificado. Terminou. Continua sem nada. A jovem T., em Goiânia, está no doutorado.

– Minha esperança é conseguir algo na universidade – contou-me ela. – Posso dar aulas.

Enquanto isso, mora com os pais.

Há uma geração inteira sem conseguir emprego. Grande parte sonha com um concurso público. Não é novidade, multidões sempre correram atrás de emprego municipal, estadual ou federal. Espanta é a disposição para trabalhar em qualquer área, fora do que consideravam sua vocação. Em crise, vocação é ter salário. Há quem continue na casa dos pais, indefinidamente. Ou quem volte. O problema é que nem sempre dá certo. Conheci R., marido de uma antiga secretária. Foram para a casa da mãe dela, onde se abrigaram com os filhos num quartinho minúsculo. As relações entre genro e sogra nunca foram boas. Pioraram. Ele saiu da casa. Ficou numa pensão dois meses. Tornou-se morador de rua. Visitava a família nos fins de semana. Agora, sumiu.

Mães e pais que têm aposentadoria ainda seguram a sobrevivência dos filhos. Não falta quem tope bicos. Talvez por ser uma pessoa conhecida, recebo semanalmente vários pedidos de emprego. Universitários que querem cuidar do jardim. Pintar paredes. Pedidos de socorro. R., no Rio de Janeiro, era vendedor numa loja de equipamento de surfe. Atrasaram o pagamento dois meses. Ficou com o nome sujo no banco. Finalmente, fecharam a loja. Estudante de informática, conseguiu dar aulas. Mas não consegue pagar os atrasados. A. estava no último ano da faculdade. Mas o governo cortou o empréstimo. Não pôde terminar o curso. Agora, veio a cobrança pelos anos em que estudou. Está com o nome sujo também. Desesperada, só vive de bicos em eventos, como recepcionista. Eu aconselhei:

– Quem não cumpriu o contrato foi o governo. Você não terminou o curso porque ele cortou o financiamento. Processe.

Financiamento? Sim, o governo brasileiro gasta em educação. Financiou estudantes para cursarem universidades particulares. E investe nas públicas, que têm, muitas, algum grau de excelência. Custam caro. Mas todo esse dinheiro investido em educação vai pelo ralo. A crise abateu as esperanças de multidões que ou não conseguiram concluir os cursos ou simplesmente não têm o que fazer com seu diploma.

É uma geração à deriva.

 

Fonte: Revista Época