A Lei 13.467/2017 (reforma trabalhista) promoverá profundas alterações no mundo do trabalho, impactando a atuação dos vários órgãos, entidades e profissionais que se ocupam desse ramo autônomo do direito.
Há problemas sérios, pois reforma desse quilate, e feita com pressa, exigirá correções das imperfeições, atecnias e equívocos. Mas o objetivo aqui não é apontar virtudes ou defeitos, inconstitucionalidades ou inconvencionalidades, mas sim jogar luz sobre o amanhã da organização sindical e suas formas de custeio.
Primeiro, registramos que a reforma sindical deveria ter vindo antes porque a atual organização sindical, com muitas entidades inertes e despreparadas, não responde de forma adequada ao que é esperado dos sindicatos. Na contramão disso, o fim da obrigatoriedade do imposto sindical inicia o enfrentamento da questão pelo lado torto. Não veio, antes, a liberdade de auto-organização. A lei apenas retira o oxigênio de uma parcela dos sindicatos, ao tempo em que comete às entidades sindicais outras atribuições e encargos de representação, sem assegurar os meios necessários.
Os sindicatos possuem diversas fontes de custeio: contribuição sindical, contribuição confederativa, mensalidade de filiados e contribuição assistencial. Ao lado disso, por caminhos laterais, a criatividade tem imperado. No setor obreiro, "contribuições" negociadas sob títulos como Taxa para Fundo de Inclusão Social já não são raras. Do lado patronal, que administra o Sistema "S", quem imaginar risco de "confusão institucional" não estará vendo fantasmas.
A contribuição sindical deixa de ser obrigatória, fato que determinará a extinção de número ainda desconhecido de entidades. Já a contribuição confederativa está limitada por decisão do Supremo Tribunal Federal (Súmula Vinculante 40) que definiu que a mesma só é exigível dos filiados. Em razão disso, é fonte pouco eficaz do ponto de vista arrecadatório, frente ao baixo índice geral de filiações.
Já a mensalidade dos filiados, quando prevista no estatuto das entidades, é fonte voluntária e direta, e também limitada do ponto de vista da arrecadação devido à baixa adesão, salvo exceções em setores organizados e com menor rotatividade, que ostentam sindicatos com índices consideráveis de filiações.
Por último, temos a contribuição assistencial, definida nas negociações coletivas e que sempre foi principal fonte de custeio dos sindicatos, que possui peculiaridades que a diferencia das demais. A primeira, é o fato de as vantagens e benefícios previstos nas normas coletivas alcançarem todos os integrantes da categoria envolvida, e não apenas os filiados. Segundo, essas mesmas normas definem, também, a contribuição assistencial, que até recentemente alcançava filiados e não filiados.
Assim foi por décadas, até a jurisprudência trabalhista acolher ações civis públicas ou anulatórias de cláusulas normativas dos acordos e convenções coletivas que previam essa contribuição, dando origem ao Precedente Normativo 119 do Tribunal Superior do Trabalho, convalidado em fevereiro último pelo STF (RE 1.018.459 RG/PR) com repercussão geral.
Para o STF, a contribuição assistencial não pode ser cobrada compulsoriamente dos não filiados, por não ostentar a natureza de tributo, o que viola o princípio da legalidade tributária. Além disso, entende que a mesma importa filiação involuntária, em ofensa aos dispositivos constitucionais que garantem a liberdade de associação e de filiação. Contudo, não é desarrazoado pensar que o STF possa revisitar o tema definido na repercussão geral, mediante provocação a partir do confronto dos princípios constitucionais da liberdade de filiação e da autonomia da vontade coletiva. Quem tem os bônus, em princípio deve também arcar com os ônus.
É necessário ainda o registro de outros aspectos da nova lei que impactam o cenário sindical. 1 - A exigência de autorização expressa do empregado para qualquer desconto determinado pelo sindicato, diferentemente do que previa a CLT e 2- a nova lei potencializa a atuação e cria novas "atribuições" aos entes sindicais, face à evidente ampliação da demanda e da responsabilidade dos sindicatos.
O período da "vacacio legis" tem ensejado notícias de negociações entre o Executivo e as centrais sindicais visando "atenuar e regulamentar" dispositivos da lei, incluída a questão do custeio sindical, com a possibilidade da extinção gradativa da compulsoriedade (o que é quase impossível ante a base liberal do Congresso que sustentou a nova lei), ou a instituição de uma contribuição negocial com regras detalhadas. Ao lado disso é de se imaginar que o Ministério do Trabalho esteja ocupado em enfrentar a existência apenas formal de um número não conhecido de sindicatos notoriamente ilegítimos e que têm vida, tão somente, para receber alguma cota do "imposto sindical". Com qualquer uma das duas soluções, ou com nenhuma, a confusão é geral e o problema de fundo permanecerá.
A extinção gradativa do imposto sindical, caso houvesse proposta na Medida Provisória, apenas estabeleceria um período de transição e alguma sobrevida para parte dos sindicatos existentes. Em outra ponta, a instituição de uma contribuição negocial padecerá de potencial questionamento perante o STF, pois não terá natureza tributária e, por via de consequência, dependerá de prévia autorização do empregado.
A configuração da representação do trabalhador irá mudar com a nova lei e os sindicatos precisarão contar com fontes de custeio adequadas, estáveis, transparentes e que sejam democraticamente fixadas.
Se a nação espera o equilíbrio de forças nos embates entre capital e trabalho, o custeio da representação sindical deve ser uma preocupação de todos os envolvidos, desde as instituições da República, passando pelo próprio sistema sindical, representado pelos seus entes (empregadores e empregados). A paridade de meios é um imperativo civilizatório.
Há alternativa que compatibiliza a liberdade de filiação e a autonomia da vontade coletiva. E essa solução deve ser buscada por todos, mas, fundamentalmente, no lugar certo lembrando-se que a ausência do equilíbrio a longo prazo pode gerar o caos.
Paulo Luiz Schmidt é advogado e juiz do Trabalho aposentado.
João Alberto Graça é advogado e ex-superintendente do Trabalho.
Fonte: Valor Econômico / Paulo L. Schmidt e João A. Graça